Petróleo bruto em Angola: o preço acelera a queda da tirania?, por Domingos da Cruz

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Observatório da ImprensaPor Domingos da Cruz, Observatório da Imprensa (parceiro do Por dentro da África) 

Como a sociedade civil que pugna pela desobediência civil, pode capitalizar a queda do preço do petróleo para acelerar o fim da ditadura? Esta questão pode ser iluminada pela afirmação de Lara Powson, segundo a qual, a única oposição real e efetiva ao regime é o preço do petróleo em baixa!

Proponho estas linhas às pessoas verdadeiramente comprometidas com Angola. Em ato e em potência, a luta contra a tirania com vista a instaurar uma democracia, requer o domínio de uma macro-atmosfera, uma filosofia e formas de aplicá-la.

Esta resistência pressupõe o conhecimento da realidade histórica, social, política, econômica, religiosa, cultural, etc. Só assim se pode adotar uma filosofia de luta coerente e adequada. Tendo em conta a realidade angolana, só o desafio político ou a desobediência civil que funda-se na categoria geral a “não-violência”, levará o Movimento para Democracia (MpD) ao sucesso, mesmo sabendo de antemão que trata-se de uma “luta incomensurável”. Salvo, se houver um argumento mais consistente, para já a minha convicção inclina-se neste…

Luanda_- wikipedia
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Embora o conhecimento da realidade é chave, claro, interpretado por uma filosofia interiorizada pela resistência. Filosofia esta que sustentará um plano estratégico de luta com objectivos claros, micro e macro etapas definidas, técnicas e tácticas à aplicar, cronograma, centro de comando colegial e democrático líquido, meios necessários para a luta, parceiros éticos e razoáveis definidos (internos e externos), barómetro para avaliação sistemática e permanente da luta e a divisão de tarefas pelos membros da Cúria da Revolução (CR). Sobre estas questões, o filósofo Chinês, Sun Tzu, apresenta uma síntese magistral: “se quisermos que a glória e o sucesso acompanhem nossas armas, jamais devemos perder de vista os seguintes factores: a doutrina, o tempo, o espaço, o comando, a disciplina.”

Claro está, que os pressupostos referidos são importantes, mas não bastam. É igualmente necessário o conhecimento sobre a natureza do poder de opressão ― Especificamente as fontes de onde provem o poder ―  Que permite ao ditador pisar sobre a fragilidade física dos nossos corpos e roubar a metafísica das nossas almas.

Segundo o filósofo norte-americano Gene Sharp, existem seis fontes do poder político: 1) Autoridade. A crença entre as pessoas de que o regime é legítimo, e que têm o dever moral de obedece-lo; 2) Recursos Humanos. O número e a importância das pessoas e grupos que estão à obedecer, cooperar, ou a prestar apoio aos governantes; 3) Habilidades e conhecimentos necessários para que o regime execute acções específicas e fornecidas pelas pessoas e grupos que colaboram; 4) Factores Intangíveis. Factores psicológicos e ideológicos que podem induzir as pessoas à obedecer e ajudar os governantes; 5) Recursos Materiais. O grau em que os governantes controlam ou têm acesso a bens, recursos naturais, recursos financeiros, o sistema económico, e meios de comunicação e transporte, e 6) Sanções, punições, ameaçadas ou aplicadas contra o desobediente e não-cooperativo para assegurar a submissão e cooperação que são necessárias para que o regime exista e realize suas políticas.

Todas estas fontes, no entanto, dependem da aceitação do regime, da submissão e obediência da população, e da colaboração de inúmeras pessoas e as diferentes instituições da sociedade. Estes não são garantidos. Total cooperação, obediência e apoio aumentarão a disponibilidade das fontes de poder necessárias e, consequentemente, ampliarão a capacidade de poder de qualquer governo.

Atente no foco. Neste artigo interessa-me explorar particularmente a fonte de poder número cinco referente aos recursos financeiros e materiais.

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Uma vez que uma das formas por meio da qual o tirano e seu grupo usam para dominar e submeter as pessoas é o dinheiro e seus “derivados” ou o que por meio dele se pode fazer e adquirir ― A fonte desta riqueza ― É o petróleo e está em baixa. Em termos práticos o regime tem o bolo menor para repartir com seus vassalos internos e externos. Esta afirmação poder ser provada nos atrasos salariais da função pública e no sector de defesa e segurança, corte no OGE, atraso no cumprimento de compromissos com multinacionais que operam no sector da construção, estrangulamento no sector cambial, aumento de impostos, expansão desesperada da rede tributária, perca acentuada do valor real do salário em virtude da inflação descontrolada, etc.

Tudo isto gera pânico e incerteza. Diante desta incerteza e desconfiança no futuro, como o Movimento para Democracia (MpD) pode usar isto para desmobilizar aqueles que estão ao lado do ditador para que migrem para a margem da razão e da verdade? Como mobilizar as vítimas que são agora duplamente vítimas da má gestão e pilhagem para deixarem de cooperar e aderirem a não violência por meio do desafio político para empurrar o tirano fora do poder?

Se a cidadania para a democracia não capitalizar este momento, será de uma ingenuidade brutal. Este momento pode ser efémero graças a volatilidade do preço do petróleo, por isso, deve ser usado. Efémero, mas pode ser vital.

O grupo hegemónico e seu maior delinquente já começaram a reposicionar-se frente a situação. É necessário e urgente que se inviabilize este “mecanismo de recomposição da hegemonia da classe dominante”, como diria Dermeval Saviani. Esta recomposição pode levar à um fénix que aprofundará a nossa angústia e sofrimento em virtude do sequestro colectivo a que estamos reduzidos. Se nada for feito, é só uma questão de tempo para que a máquina de propaganda reactive o salmo de que o melhor chefe da civilização perfeita e jamais visto na história universal, num momento difícil da economia mundial e nacional, salvou o seu povo! Salvou o seu povo da queda do preço do crude desencadeada pela conspiração, ódio e inveja ocidentais.

No quadro da tentativa de passar pelas águas tempestuosas sem inconvenientes que abalem a manutenção do poder, o Estado-terror, elaborou uma mega campanha ideológica com uma nova sinfonia: a diversificação da economia. Esta campanha de manipulação parece ser fácil dada a incapacidade de muitos descortinarem a bolha de fumo. Incluindo milhares que estão e passaram por estes institutos médios superiores, a que chamam Universidades.

Na realidade, a teoria económica elementar e a realidade empírica, sustentam que a diversificação da economia deve ser feita no mínimo em 10, 15 anos. Diante desta preposição, há uma questão que se impõe: o que o regime chama diversificação da economia o que é afinal? A resposta é simples: A diversificação da economia em Angola é igual à propaganda, e a propaganda é igual a diversificação da economia.

O Estado-terror faz isto porquê? Porque teme as implicações apocalípticas. Receia a revolução que pode retirar-lhe o poder. Todo este exercício de ir a China, aos Emirados Árabes Unidos, reinaugurar empresas que existem há sete, oito ou mais anos, são rearranjos para manter o poder.

O que mais choca, não é toda esta movimentação para manter o poder. Do tirano e seus parceiros só espero barbárie. Mas preocupa-me que pessoas que trabalham em Organizações da Sociedade Civil (OSC), dizem acreditar que um dia esta gente, incluindo o ditador, vai mudar. Uma espécie de conversão. Isto faz-me rir e lembra-me o episódio de Paulo [Saulo] que na possibilidade de manter-se cego para todo sempre, de repente converteu-se (Cfª Acto dos Apóstolos 9, 1-18). Por estas e outras, aconselho as pessoas a lerem um pouco mais. Os livros ajudam a compreender muitas categorias da realidade, e a política, a luta contra opressão, a natureza do poder e como mudar, não são excepções. Tudo isto está muito bem estudado em África, na Ásia, na Europa Ocidental, na América Latina e na América do Norte.

Como diria o pensador anarquista Élisée Reclus, “as (boas almas) esperam que, não obstante, tudo se arranjará, e que, em um dia (…), veremos os defensores do privilégio cederem de bom grado (…). É verdade, confiamos que eles cederão um dia, mas então o sentimento que os guiará não será certamente de origem espontânea: a apreensão do futuro e principalmente a percepção de “factos consumados”, portanto o carácter do irrevogável, [a pressão contínua e sistemática] impor-lhes-ão uma mudança de rumo; eles se modificarão, sem dúvida, mas quando houver para eles impossibilidade absoluta de continuar os erros seguidos. Esses tempos ainda estão distantes. Faz parte da própria natureza das coisas que todo organismo funcione no sentido de seu desenvolvimento normal: ele pode parar, quebrar-se, mas não funcionar às avessas. Toda autoridade procura crescer às expensas de um maior número de indivíduos; toda monarquia tende forçosamente a se tornar monarquia universal”.

Ou seja, alguns acreditam que um dia qualquer, todos malfeitores hão-de reunir em magna assembleia e dirão: “vamos mudar”. Não será assim. Eles não vão mudar. Os cidadãos devem forçá-los fora do poder, e isto acontecerá quando “os oprimidos se erguerem por sua própria força, que os espoliados recuperem o que é seu, que os escravos reconquistem a liberdade. Eles só a obterão realmente depois de tê-la ganho por intensa luta”, reafirma Élisée Reclus.

Mas esta luta deve ser focada e definir o alvo. É uma perca de tempo falar sobre má gestão de resíduos sólidos, ausência de financiamento para pesquisa científica, falta de política para protecção do ecossistema, aumento fraudulento da dívida pública, má nutrição, etc. Perca de tempo porque a ladroagem não é sensível a força da palavra, mas a força da força vinda de uma potência e da consciência livre, crítica e interna. Mas esta consciência livre e crítica interna deve unir-se na rua. Deve criar cordão humano que aos milhares e de forma pacífica trava tanques de guerra.

A Europa do Leste, alguns países nórdicos, Burkina Faso, Tunísia e a América Latina são exemplos empíricos a seguir, adaptando os nossos planos de luta a nossa realidade. Todos estes definiram o alvo: o tirano. A definição do alvo pressupõe ter consciência de que não se pode negociar nada. O único furo a ser dado ao ditador é pegar um voo ou  um barco para partir e deixar-nos em paz. Na obra a Arte da Guerra, Sun propõe que “quando cercar o inimigo, deixe uma saída para ele, caso contrário, ele lutará até a morte”. Parece-me abominável manchar as nossas mãos de sangue por duas razões: 1) O tirano não tem a dignidade para proporcionar-lhe o estatuto de morto-em-combate; 2) Matá-lo perde-se elevação ética que ele e seu grupo não têm. Por outro lado, perde-se a autoridade moral para construir uma sociedade democrática, uma vez que a democracia funda-se na dignidade humana e não na necrofilia.

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Todo esforço e sacrifício devem mirar ao ditador, ao seu grupo. Mas devem ser acções que atinjam com intensidade variada os pilares que sustentam a tirania, sob pena dela refazer-se e refortalecer-se. Sobre isto, Pablo Iglesias e Antonio Gramcis ensinam: “Quando um país vive uma crise orgânica: incapaz de manter o velho consenso, a casta dominante tenta reciclar-se. Sejamos claros: não haverá mudança sem ruptura”. Eleições não mudam ditaduras, muito menos a negociação vertical ou horizontal. Só a ruptura que passa pela destruição deste sistema poderá trazer o novo. Precisamos desencadear o caos construtor do novo, caos propiciador de uma nova ordem civilizacional, ao contrário da paz podre, da estabilidade do bálsamo e do lençol cadavérico que apesar da sua beleza, de baixo tem um morto em putrifacção. Se não desencadearmos o caos organizador da revolução, podemos cair no caos caótico selvagem da pseodo-revolução das intrigas palacianas ou num golpe de estado que trocará o chefe da ditadura. Ou ainda, sairemos de uma ditadura formalmente civil para uma tirania militar.

Ainda segundo Pablos e Gramcis, “os sectores dominantes têm a hegemonia, quando têm a capacidade orgânica [têm os meios orgânicos indispensáveis] para convencer as maiorias da sociedade da veracidade das narrativas que justificam e explicam a ordem política vigente. Os dispositivos de convencimento são basicamente culturais (a escola e a Igreja são os exemplos clássicos; os meios de comunicação são o exemplo do nosso tempo) e servem para implantar as chaves para a interpretação das narrativas ditas hegemónicas. Obter a vitória na política de hegemonia é, basicamente, ser capaz de convencer os demais da veracidade da própria narrativa.

Nos períodos de estabilidade política (geralmente associados à estabilidade económica), a narrativa hegemónica é quase inexpugnável. Mas quando se produzem crises orgânicas, surge a oportunidade de questionar, mediante a guerra de trincheiras ou de manobra, as narrativas dominantes, e de produzir mudanças políticas.”

É um imperativo ético inflacionar esta turbulência do petróleo para a instauração do caos organizador. De acordo com Leonardo Boff, “nem toda crise, nem todo caos são necessariamente ruins. A crise acrisola, funciona como um crisol que purifica o ouro das gangas e o libera para um novo uso. O caos não é só caótico; ele pode ser generativo. É caótico porque destrói certa ordem que não atende mais as demandas de um povo; é generativo porque a partir de um novo rearranjo dos factores, instaura uma nova ordem que faz a vida do povo melhor”.