Por Natalia da Luz, Por dentro da África
(Publicado no Jornal do Brasil em 2010)
Rio – Muitas das maiores influências africanas de religiosidade e arte presentes no Brasil estão na Bahia. O estado é uma das regiões mais importantes para a produção musical, onde Carlinhos Brown surge como o ícone dessa representação, como o grande entusiasta da conexão Brasil-África. A paixão por suas raízes está no olhar do artista, que nos recepciona com saudações de orixás.
– A música africana nasceu como base estética das músicas do mundo. Ela continua livre, pura e foi a principal chave para a popularização da música americana e brasileira – disse em entrevista exclusiva.
Para explicar a penetração dessa música, ele cita a influência da Diáspora Africana (deslocamento de parte da população originária da África para outros continentes, especialmente América, para servirem à escravidão).
O movimento criado principalmente por escravos e seus descendentes propagou a cultura africana pelo mundo e pelo Brasil, que acolheu um grande número de escravos de diferentes regiões do continente. Segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), Salvador é a cidade com maior número de negros do mundo (fora da África), com cerca de 80% da população formada por afrodescendentes.
– A Diáspora ajudou a criar várias levadas, performances. Eu sou baiano e tenho origem no candomblé de Angola. O funk carioca tem influência lá – compara, estimulando a reflexão sobre o contemporâneo que reinventa o tradicional.
– Quando falamos dessas origens e dos orixás, lembramos que os orixás não têm bíblia. É uma cultura oral transmitida através das gerações, que nos abençoou até os dias de hoje – conta o músico, pesquisador, compositor e percussionista internacionalmente elogiado.
Com paixão de quem não apenas estuda, mas é considerado como um embaixador da cultura africana em nosso país, ele leva para os palcos a expressividade dos orixás.
– Eles fizeram a língua-mãe para conduzir as outras do mundo. A música africana está em Sinatra, Beyoncé, Rihana, Ivete, em mim, no Jorge Ben, no Seun Kuti, no Fela Kuti (pai de Kuti e criador do Afrobeat). O que é de Deus é do povo, sem distinção e ela está em todos nós – completou em tom poético.
Brown preserva o tradicional e abraça o moderno, que estimula novas derivações da música africana, sucesso na Europa, na América do Norte, em todo o mundo…
– Acompanhei esse movimento desde a década de 80. Gravei e aprendi muito com os maiores expoentes da música africana na Europa. O Fela foi um deles. Ver isso ganhando proporções maiores é muito bom – conta em relação à popularização das manifestações africanas, hoje presentes em todos os continentes.
Apesar de ter alcançado e encontrado espaço no mainstream, o brasileiro ressalta que a música africana está em um nível muito alto de sofisticação.
– O público acompanha mais a música africana POP, mas ela tem a sua vertente de raiz, do tradicional que é preciso parar para ouvir, sobretudo nos aspectos dos sons e de seus instrumentos mais primitivos.
O intercâmbio com artistas africanos faz de Brown um porta-voz dessa influência no Brasil. Ele lembra que para os grandes de lá, um pedacinho do nosso território é considerado o local que mais preserva as bases rítmicas africanas em todo o mundo.
– E onde está a Bahia? No Brasil! Mas não é apenas lá que temos África… Se você fizer um tour pelo Rio de Janeiro, Bahia, Maranhão, Recife… Tudo isso é um caldeirão fervendo que a África deixou temperando para que essa base fosse devolvida e se espalhasse pelo mundo. A música africana nunca vai acabar.
Por dentro da África