
Em uma tarde de maio de 2025, a vida de Lebohang Pitso, de 48 anos, moradora da capital Maseru, foi levada às pressas à Clínica de Oncologia Senkatana após sofrer um intenso sangramento causado por um câncer do colo do útero. Graças às doações de voluntários, ela pode passar por uma transfusão de sangue e se recuperar.
A experiência não apenas salvou sua vida como também despertou um sentimento de gratidão e mobilização. “Pedi que minha família devolvesse esse gesto. Quatro parentes foram ao banco de sangue doar. Os doadores estão fazendo um trabalho incrível. Se eu pudesse, seria doadora regular. Encorajo todos que podem a doarem também.”
Essa história de superação e solidariedade ilustra a importância vital das doações de sangue no Lesoto, um pequeno país montanhoso da África Austral, com cerca de 2,2 milhões de habitantes. Encravado no território sul-africano, o reino enfrenta desafios significativos na área da saúde pública, que vão desde a escassez de recursos até a elevada incidência de doenças como o câncer, o HIV/AIDS e complicações maternas.

A luta para manter os bancos de sangue abastecidos
O Lesotho Blood Transfusion Services (Serviço de Transfusão de Sangue do Lesoto) tem intensificado suas estratégias para recrutar e fidelizar doadores voluntários. Entre as ações destacam-se campanhas móveis de coleta e a criação de clubes de doadores em escolas. Em 2024, foram realizadas 165 campanhas móveis, resultando em um crescimento expressivo de quase 70% no volume de sangue coletado desde 2017 – de 5.583 unidades para 9.411.
Apesar dos avanços, a demanda continua a superar a oferta. “Durante uma campanha de uma semana este ano, coletamos 180 unidades. Todas foram utilizadas em apenas dois dias”, explica Manaledi Makhetha, flebotomista do serviço nacional. O país ainda está abaixo da meta anual de 10 mil unidades.
As principais necessidades incluem transfusões para pacientes com câncer, gestantes com complicações e vítimas de acidentes de trânsito. Na Clínica Senkatana, em média, são utilizadas de 2 a 3 bolsas de sangue por dia, especialmente em pacientes oncológicos, cujas condições clínicas e tratamentos comprometem a produção sanguínea.
“Certa manhã, tínhamos quatro pacientes precisando de transfusão, mas apenas unidades suficientes para três”, conta a enfermeira oncológica Rethabile Makhetha. “O câncer é uma jornada longa. Os pacientes tornam-se parte da nossa família. Quando não conseguimos ajudá-los por falta de sangue, é devastador.”

Doar sangue é doar esperança
O Ministério da Saúde do Lesoto, com apoio da Organização Mundial da Saúde (OMS) e outros parceiros, tem promovido campanhas públicas para aumentar a conscientização e fortalecer a infraestrutura nacional de sangue. “Somos gratos a todos que contribuem. Os doadores são nossos heróis”, afirma Stephen Monkoe, Diretor de Serviços Laboratoriais do Ministério da Saúde.
O poder de uma bolsa de sangue
A jovem Nthomeng Leuta, de 32 anos, descobriu seu tipo sanguíneo O negativo ainda no ensino médio. Como é considerado “doador universal”, seu sangue pode ser utilizado em qualquer pessoa, especialmente em emergências. Desde então, Leuta transformou a doação em um hábito, chamando o banco de sangue de seu “segundo lar”.
Um dos momentos mais marcantes de sua jornada como doadora foi quando respondeu a um apelo nas redes sociais: uma mulher precisava de uma transfusão urgente para realizar uma cesariana de emergência. Leuta atendeu ao chamado — e salvou duas vidas. “O marido me ligou para agradecer e contar que a esposa e o bebê estavam bem. Fiquei emocionada e profundamente feliz”, diz.

,Um gesto simples, um impacto imenso
No Lesoto, onde as dificuldades de acesso à saúde são agravadas pela geografia montanhosa e a limitada infraestrutura médica, a doação de sangue representa um ato de generosidade com impacto imensurável.
Num país onde salvar uma vida depende, muitas vezes, da solidariedade anônima de um doador, cada bolsa de sangue é um símbolo de esperança.