Natalia da Luz, Por dentro da África
Rio – A partir de alguns itens recuperados de um lixão de Lomé, capital do Togo, foi possível construir algo considerado revolucionário para os países chamados desenvolvidos. Nas mãos de um geógrafo de 34 anos surgiu a primeira impressora 3D africana feita com objetos reciclados.
– Esta máquina pode imprimir um monte de coisas como utensílios de cozinha, brinquedos de plástico, ferramentas para artesãos e próteses para hospitais. É a primeira impressora africana obtida a partir da reciclagem e, simultaneamente, uma solução na luta contra a poluição – disse, em entrevista exclusiva ao Por dentro da África, Afate Gnikou.
O estereótipo de um continente “atrasado” vai de encontro ao desenvolvimento e às pesquisas de africanos que avançam fazendo uso das alternativas e possibilidades de que dispõem, como Afate, que resgata peças do lixo eletrônico lançado pelos países de “Primeiro Mundo” na costa ocidental da África.
– O número de impressoras que podemos fazer com o lixo é ilimitado. Há uma grande quantidade de resíduos de computadores em Lomé que chegam diariamente… As máquinas que não funcionam são lançadas nos depósitos, e outras são rejeitadas depois de sua utilização. Portanto, é no lixão eletrônico que vou pegar minhas peças – afirma.
O início do projeto
O togolês começou a fabricação da impressora no início de 2013. Ele conta que a sua inspiração veio de outro modelo de impressora (a Prusa Mendel) em uma oficina de montagem em Lomé, maior cidade do país de cerca de 6 milhões de habitantes que faz fronteira com Benin, Gana e Burkina Faso.
– Nós aprendemos a montar a Prusa Mendel (modelo popular nos Estados Unidos e Europa) a partir de um kit importado do Ocidente pela associação chamada “Arquitetura Africana.” Esta associação organiza, todos os anos, um grande encontro de Arquitetura e Tecnologias no Togo chamada “ARCHICAMP”. Na edição de 2012, eu decidi que queria produzir uma – relembrou.
Diante do seu desejo e da ausência de matéria-prima para uma Prusa Mendel, Afate se perguntou: “Por que não fazer uma impressora 3D com outros materiais?” Então, ele recolheu alguns itens e complementou a sua criação.
No final da parte mecânica do projeto, a Woelab (incubadora tecnológica) lançou uma campanha de arrecadação de fundos on-line. O financiamento (com doações de todo o mundo) permitiu a finalização da máquina: a W.afate.
– Os recursos (cerca de 4 mil euros) foram utilizados para comprar cartões eletrônicos que constituem o cérebro da máquina e para trazer da França um especialista em 3D, que nos ensinou muitas coisas. Após a saída dele, eu continuei a desenvolver a máquina e, finalmente, terminei!
A impressão 3D
A impressão 3D não é novidade na grande indústria. Ela é uma forma de tecnologia onde um modelo tridimensional é criado por sucessivas camadas. A tecnologia (que imita a aparência e funcionalidade dos protótipos) oferece a possibilidade de imprimir partes de alguns materiais com diferentes propriedades físicas e mecânicas.
A primeira impressora 3D de trabalho foi criada em 1984 pelo norte-americano Chuck Hull da 3D Systems Corp. Ele inventou o processo de imagem sólida, conhecida como estereolitografia (impressão em 3D), a primeira tecnologia de prototipagem rápida.
Desde o início do século XXI, observa-se um expressivo crescimento nas vendas dessas máquinas e uma queda em seu preço. De acordo com o relatório deste ano da Wohlers Associates, o mercado de impressoras e serviços 3D cresceu 28,6% em 2012. A média de crescimento anual da indústria ao longo dos últimos 25 anos é de 25,4%.
– Durante o desenvolvimento da minha impressora, eu decidi enquadrar uma unidade central para dar forma à criação. Então, eu usei trilhos, correias, motores em scanners e impressoras antigas inutilizáveis. A produção levou tempo porque eu estava trabalhando com ferramentas simples (serra, martelo, broca) – detalhou o criador, ressaltando que os resíduos de TI são disponíveis em vários lugares e de fácil acesso.
Necessidades africanas
Em fevereiro deste ano, o presidente dos Estados Unidos Barack Obama disse que a impressão 3D é a fonte de uma nova revolução industrial e pediu que o Congresso dos EUA promovesse a criação de “centros de impressões” em todo o país. “Os trabalhadores estão dominando a técnica da impressão 3D, que tem o poder de revolucionar a forma pela qual produzimos quase tudo” – disse Obama em discurso.
Longe dos Estados Unidos, Afate acredita que os africanos identificam essas oportunidades, constroem uma estratégia e, finalmente, materializam o desejo de desenvolver o produto. A W.afate é diferente de outras impressoras em vários pontos porque é feita, principalmente, a partir de resíduos de outras impressoras, é a primeira unidade africana obtida por reciclagem e uma forma de combater a poluição. O criador faz questão de ressaltar que ela não é patenteada. Os desenhos de fabricação estarão disponíveis na internet a fim promover melhorias no dia a dia dos africanos.
A versão togolesa foi projetada para atender às preocupações africanas. Nesse sentido, ela abraça o projeto chamado ” 3D.print Internet África Cafés“ com objetivo de equipar os cafés de impressora 3D, dando aos clientes a oportunidade de baixar e imprimir objetos em modo real.
– Pensamos em equipar todos os cyber cafés do Togo com a impressora. Eu participei de fóruns por aqui para educar as pessoas sobre as maravilhas e a utilidade desta máquina. Todos estavam interessados; até que as autoridades têm incentivado o projeto. Por enquanto, há pessoas que gostariam de fazer pedidos, mas ainda estamos desenvolvendo as cópias.
De acordo com Afate, durante a montagem da impressora, não há necessidade de conhecimento técnico. O usuário precisa apenas seguir as instruções da colocação dos cartuchos ou do material, abrir um programa compatível e mandar para a impressora, exatamente como é feito para imagens e texto.
– Por enquanto, não temos os meios para produzir um grande número de máquinas, porque a produção é, ainda, artesanal. Se tivermos a sorte de um novo financiamento, poderemos nos equipar para esse desafio.
Importância para o continente
Para o continente africano reivindicar uma posição na escala global, é necessário buscar sucessos na política, na democracia, mas principalmente nas novas tecnologias. Afate acredita que as impressoras 3D são uma verdadeira fonte de esperança para os africanos, porque elas podem criar coisas que os africanos querem e podem mudar as formas de produção.
– Não somos mais escravos de grandes indústrias que produzem coisas em série. A impressora 3D vai ajudar estudantes africanos a colocarem a teoria em prática, com a criação de objetos reais que são caros e difíceis de encontrar… Desta forma, a África deixará de ser condenada a consumir e se tornará produtora.
Afate revela que o Mali manifestou interesse em desenvolver a máquina e que uma equipe do Togo foi ao país para instalar a máquina.
– Todo mundo pode fazer a sua própria impressora. Assim, deixamos de depender das grandes indústrias, mudamos o método de fabricação e buscamos um impacto positivo em nosso desenvolvimento. Esperamos que as pessoas apóiem o W.Afate: a primeira impressora 3D feita na África!
Por dentro da África