Ed Mulato, Por dentro da África
Por dentro da África publica este poema no Dia da Consciência Negra* (20 de novembro) porque dois episódios marcam esta data em 2020: o assassinato de João Alberto Silvera* no estacionamento do supermecado Carrefour em Porto Alegre (RS) e a fala do vice-presidente do Brasil, Hamilton Mourão, que se pronunciou afirmando que não há racismo no Brasil.
P´ra quem diz “não há racismo”,
e então vem, e fala, e fala, e fala:
só conhece a dor do tiro,
quem, no peito, apara a bala!
Peles brancas no sobrado,
peles pretas na senzala:
só conhece a dor do tiro,
quem, no peito, apara a bala!
Fartas negras, tetas fartas,
bocas brancas a sugá-las;
só conhece a dor do tiro,
quem, no peito, apara a bala!
Costa preta como escada,
perna branca que a escala.
Só conhece a dor do tiro,
quem, no peito, apara a bala!
Corpos brancos lá na elite,
corpos pretos lá na vala…
Só conhece a dor do tiro,
quem, no peito, apara a bala!
Na cadeia, a carne preta,
na favela, nem se fala;
só conhece a dor do tiro,
quem, no peito, apara a bala!
Com meu deus, meu compromisso,
o seu deus agride e cala.
Só conhece a dor do tiro,
quem, no peito, apara a bala!
Se o racismo é mala leve,
então me ajude a carregá-la:
só conhece a dor do tiro,
quem, no peito, apara a bala!
Gente preta, é o racismo,
o que, no fundo, nos abala:
só conhece a dor do tiro,
quem, no peito, apara a bala!
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*Homem negro de 40 anos, João Alberto Silveira foi espancado e morto por dois homens brancos em Porto Alegre (RS) na véspera do Dia da Consciência Negra.
*O Dia Nacional da Consciência Negra é celebrado, no Brasil, em 20 de novembro com o propósito de refletir sobre a inserção do negro na sociedade brasileira. A data foi escolhida por coincidir com o dia atribuído à morte de Zumbi dos Palmares, em 1695, um dos maiores líderes negros que lutou pela libertação dos escravos no Brasil.