Natalia da Luz, Por dentro da África
Accra, Gana – Em todo o mundo, todos os anos, 15 milhões de meninas são casadas antes dos 18 anos, o equivalente a toda a população do Zimbábue ou do Mali. A parceria mundial “Meninas, não noivas” quer conscientizar as comunidades para essa prática, com a ideia de postergar o casamento precoce e evitar as uniões forçadas, que acontecem, principalmente, na África.
– A campanha reúne mais de 500 organizações que trabalham para acabar com o casamento de crianças de todo o mundo. A ideia é trabalhar juntos, compartilhar conhecimentos e coordenar esforços regionais e nacionais – conta Maryan Moshoin, representante da Girlsnotbrides, em entrevista exclusiva ao Por dentro da África.
Mary, que trabalha em Lilongwe, capital do Malawi, explica que, alguns anos atrás, o casamento infantil era um assunto tabu que os políticos e governos nacionais não estavam dispostos a discutir. Há três anos, houve uma resolução do Conselho de Direitos Humanos da ONU que passava a reforçar os esforços para prevenir e eliminar o casamento precoce, que soma mais de 720 milhões de mulheres em todo o mundo.
De acordo Maryan, organizações da sociedade civil têm trabalhado duro com as comunidades locais para aumentar a conscientização sobre as implicações para a saúde, relacionadas ao casamento infantil. Segundo o UNICEF, o continente africano é lar de 15 dos 20 países em todo o mundo com o maior índice de casamento precoce.
“As pessoas podem dizer que é tradição, que não pode mudar. Mas eu sei que não é verdade”, diz Graça Machel no vídeo de divulgação desta campanha.
Muitas vezes, jovens meninas estão sob pressão para ter filhos imediatamente, o que provoca complicações tanto para a menina quanto para o seu bebê. Para Mirian, organizações da sociedade civil desempenham um papel crucial para desenvolver estratégias destinadas a modificar crenças sociais e culturais.
– Se não fizermos nada para acelerar o progresso, o número de noivas-criança na África Subsaariana deverá dobrar até 2050, e a África se tornará a região com a maior prevalência em todo o mundo. Hoje, o país com a maior prevalência é o Níger (76%), o menor Argélia – indicou.
Para ONU, o casamento infantil forçado é realidade análoga à escravidão. Em Declaração conjunta de um grupo de especialistas em direitos humanos das Nações Unidas para marcar o primeiro Dia Internacional das Meninas, quinta-feira, 11 de outubro de 2012, foi dito que “as meninas que são forçadas a se casar podem estar se comprometendo com um casamento análogo à escravidão para o resto de suas vidas. As meninas que são vítimas de casamentos servis experimentam servidão doméstica, escravidão sexual e sofrem violações de seu direito à saúde, à educação, à não discriminação e à liberdade contra a violência física, psicológica e sexual.”
Esforços da União Africana
A União Africana lançou uma campanha para acabar com o casamento das crianças na África, em maio de 2014. Um número crescente de governos africanos estão desenvolvendo estratégias nacionais, planos de ação, campanhas ou outras iniciativas destinadas a acabar com o casamento precoce, como ocorre em Burkina Faso, Egito, Etiópia, Moçambique, Tanzânia, Togo, Uganda e Zâmbia.
Pergunto a Miriam em qual país a situação é mais delicada, e ela diz que em toda a África, mas que os países com a maior prevalência de casamento infantil, de acordo com o UNICEF, são: Níger (76% das meninas são casadas aos 18 anos e 28% com 15), República Centro-Africana (68% das meninas são casadas com 18 e 29% com 15) e Chade (29% das meninas são casadas com 15 anos de idade e 68% com 18).
Casamento precoce e baixa escolaridade
Há uma forte ligação entre o casamento e a educação infantil, já que as meninas que se tornam “esposas”, acabam, na maioria das vezes, deixando a escola. De acordo com o UNFPA, mais de 60% das crianças-noiva em países em desenvolvimento não receberam educação formal.
– No Malawi, por exemplo, dois terços das mulheres sem instrução estavam noivas-criança em comparação com apenas 5% que havia frequentado a escola secundária ou superior. As meninas que são casadas têm menor nível de ensino – contou Mary – , completando que as jovens tendem a abandonar a escola antes do casamento ou pouco depois, quando suas exigências conjugais e domésticas aumentam.
Ao observar essa realidade de milhões de meninas em todo o mundo e especialmente na África, é possível observar que uma vez que uma menina tenha deixado a escola, ela tem maior probabilidade de se casar cedo e ter filhos antes de estar física e emocionalmente pronta.
A prática contínua do casamento infantil prejudica os esforços para melhorar educar asmeninas e devem ser abordadas deve ser abordada para fazer progressos nas metas de educação global.
Desafios: Cultura, tradição, pobreza
Diante desta prática, há uma série de desafios a serem vencidos. Uma das causas do casamento precoce esbarra na pobreza, já que muitos pais acabam oferecendo suas filhas em casamento para reduzir as despesas da família ou aumentar sua renda.
– Tradição também é um fator, já que, em muitos lugares, o casamento infantil persiste porque a sua rejeição pode significar exclusão da comunidade. Em muitas áreas, ter a criança casada é visto como uma forma de garantir a segurança, especialmente em áreas onde as meninas estão em risco de agressão física ou sexual – explica Marya, lembrando que as desigualdades de gênero em toda a África também conduzem ao casamento infantil e que o envolvimento de homens na causa é crucial na busca para conscientizar toda a população.