Natalia da Luz, Por dentro da África
Rio – Conhecido pela sua autenticidade, o cinema nigeriano é uma rica fonte da sua própria cultura. Neste caminho, o diretor Nosa Igbinedion apresenta uma heroína que não saiu dos quadrinhos dos Estados Unidos, que não foi fabricada em Hollywood e tampouco inspirada na mitologia grega: a sua personagem principal é um orixá feminino, Oyá (ou Iansã) deusa dos ventos, relâmpagos e tempestades.
– Eu decidi fazer um filme de super-herói, porque eu me interesso pelos ideais e há muito poucos super-heróis africanos. Através do entretenimento, pretendo apresentar a cultura e a espiritualidade africana em um novo contexto. Eu discordo totalmente quando dizem que não há interesse em um mercado de deuses e heróis africanos, e uma prova disso foi a repercussão do roteiro – conta Igbinedion em entrevista exclusiva ao Por dentro da África sobre o filme Oya: rise on the Orisha.
Igbinedion revela que a ideia surgiu enquanto ele produzia um vídeo e decidiu que uma mulher poderia ser uma deusa, uma heroína. Ele lembra que ficou obcecado pelo plano de apresentar a espiritualidade africana nos dias de hoje. Então, decidiu que o seu próximo filme seria sobre os “deuses” africanos!
– Há muitas histórias que eu gostaria de contar sobre os orixás. Eu acho que as histórias míticas são maravilhosas e exercem uma grande influência sobre mim. No filme, contamos a história de Xangô, que é capturado pelos inimigos, e a sua mulher, Oya (a personagem principal), o salva usando seus próprios poderes – explicou o diretor, que nasceu na cidade de Benin City, uma região que ele chama de espiritual e conectada às práticas tradicionais.
O nigeriano, que hoje vive em Londres, destaca que, em sua obra, há referências aos ancestrais e que contará histórias de pessoas que foram tocadas por essas entidades. Ele acrescenta que orixás como Ogun (deus do ferro e da tecnologia) seriam maravilhosos se explorados no contexto dos dias de hoje.
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– Eu escolhi este tema por uma variedade de razões. Em primeiro lugar, porque eu precisava me expandir criativamente e, em vez de seguir o que foi feito antes, eu queria sair em território desconhecido e realmente ousar como artista. O tema do orixá raramente é abordado no cinema, então, foi estimulante! Eu cresci no meio de histórias míticas sobre antigos reis e deuses e não vi essas histórias nos cinemas ou na TV, então, decidi que eu iria fazer isso!
Religião
A história de Igbinedion conta um pouco da religiosidade de parte da população do seu país. Com 170 milhões de habitantes, a Nigéria é dividida étnica e religiosamente. Os maiores grupos religiosos são cristãos (48%) e muçulmanos (50%). Os praticantes das religiões tradicionais africanas representam menos de 2% da população local.
Na cultura iorubá, orixás (yoruba Òrìsà; em inglês Orisha) são ancestrais africanos divinizados que correspondem a pontos de força da natureza. Os seus arquétipos estão relacionados às manifestações dessas forças. As características dos orixás aproximam-os dos homens, pois eles se manifestam através de emoções humanas como ciúme, vaidade, orgulho.
Do lado de cá do Oceano Atlântico, como resultado do sincretismo durante o período da escravidão e do tráfico negreiro (1530 – 1888), os orixás foram também associados aos santos católicos, devido à imposição do catolicismo aos negros.
– Quero tocar as pessoas, quero movê-las e entretê-las. Quero que as pessoas entrem no cinema, e “viajem” no filme. Você não tem que ter qualquer sistema de crenças para se conectar ao filme porque é realmente uma história emocionante – destacou o diretor, completando que, como resultado, acredita que ao chegar em casa, os espectadores pesquisarão sobre os orixás.
Diante de um roteiro tão autêntico e intrigante, o nigeriano faz uma breve comparação com Matrix (dirigido pelos irmãos Andy Wachowski e Lana Wachowski). Para ele, Matrix foi um filme diferente, divertido, mas, ao mesmo tempo, pediu que as pessoas se questionassem sobre a realidade ao seu redor. Para ele, Matrix teria introduzido em seus espectadores ideias que já existiam na comunidade científica há anos.
– Religiões tradicionais africanas têm sido consistentemente demonizadas na mídia mundial. Com essa história, eu também queria mostrar ao mundo que há outra maneira de olhar para esta cultura. Um mundo que entende seus diferentes sistemas de crença é um mundo mais tolerante e pacífico – conta o diretor que fez a primeira estreia de Oya: rise on the Orisha, no dia 18 de julho, durante o Festival de Cinema de Matatu, na Califórnia.
Influência da grande heroína
A principal heroína da obra é a jovem chamada Adesuwa. Adesuwa é devota de Oya ou Iansã, deusa dos ventos, tempestades e paixões. Sempre que Adesuwa pede algo para Oya, ela é tomada pela energia do orixá, capaz de fazer coisas incríveis! O diretor conta que Adesuwa é uma representação da mulher nigeriana jovem. Ela representa uma pessoa que (como todos os sistemas de crenças) é capaz de acessar a sua consciência superior e mudar o mundo.
Fã de Stanley Kubrick e Richard Linklater, o nigeriano destaca que é obcecado por filmes que estimulam “a expansão da mente”, a criação e o questionamento de embates sociais. Para ele, os filmes que tratam da condição humana e da espiritualidade, que tentam responder a grandes questões, como, por que estamos aqui e por que é o mundo está do jeito que está? – são essenciais na modernidade.
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– Este filme representa uma tradição, o culto aos orixás, que é mundial! É uma cultura forte, que é nigeriana, brasileira, norte-americana, haitiana, cubana e de tantos outros lugares. Em última análise, este filme representa uma ponte entre a África e sua Diáspora.
A produção de Oya: rise on the Orisha foi possível graças ao financiamento público, que alcançou 4.000 libras. Além desse valor, o diretor e a equipe colocaram recursos próprios. Neste primeiro curta-metragem, há 6 personagens. No longa-metragem, Igbinedion diz que terá um elenco maior, com mais de 20 pessoas.
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– Eu não sei por qual motivo as pessoas não têm produzido filmes sobre orixás. Houve Besouro (filme brasileiro dirigido por João Daniel Tikhomiroff que conta a vida de Besouro Mangangá (Ailton Carmo), capoeirista brasileiro da década de 1920, a quem eram atribuídos feitos heróicos e lendários) e alguns outros na Nigéria, mas ainda são bem poucos. Nós não precisamos ouvir o que as pessoas nos dizem sobre o que podemos ou não fazer. A tecnologia nos libertou para contar nossas histórias no mundo. Devemos aproveitar esta oportunidade!
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