Protesto contra assassinato de jovem denuncia o genocídio da população negra no Brasil

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Ato no Extra, no Rio de Janeiro – Foto de Por dentro da África

Natalia da Luz, Por dentro da África 

O assassinato de um jovem negro no supermercado Extra do Rio de Janeiro provocou uma série de manifestações pelo Brasil. O crime, cometido por um segurança da empresa no dia 14 de fevereiro, diz muito sobre o racismo institucional e o genocídio da população negra no país, onde um jovem negro é assassinado a cada 23 minutos.

Seimour Souza – Arquivo da deputada Renata Souza

“A bala da polícia seleciona, a sentença do juiz seleciona, a redução da maioridade penal seleciona, o alarme da porta giratória seleciona, a entrevista de emprego seleciona, o segurança do Extra seleciona. Todo mundo sangra a mesma cor, mas nem todo mundo sangra por ter a nossa cor. Nossa morte é institucionalizada, nossa morte é política, nossas mortes não vão mais passar em branco”, disse o ativista Monsieur Souza, durante discurso no ato em frente ao Extra da Barra da Tijuca.

Pedro Henrique Gonzaga – Foto de arquivo pessoal – Redes sociais

Pedro Henrique Gonzaga, 25 anos, foi assassinado por Davi Amâncio, segurança do estabelecimento, que sufocou o jovem, já inconsciente. Davi foi indiciado por homicídio culposo. Após pagar fiança de R$10 mil reais, ele foi liberado e responderá pelo crime em liberdade. Para o delegado Cassiano Conte, responsável pelo caso na Delegacia de Homicídios da Capital (DH), o acusado se excedeu na “legítima defesa”.

Em depoimento, o segurança disse que Pedro tentou pegar a sua arma e que por isso ele teria imobilizado o jovem. Davi permaneceu sobre Pedro, no chão, por cerca de 4 minutos e, apesar dos apelos das testemunhas, inclusive da mãe da vítima, ele não o soltou. Segundo a Polícia Federal, por ter sido condenado por lesão corporal após agredir uma ex-companheira, Davi não poderia trabalhar nesta função.

Davi Amâncio – Foto de arquivo pessoal de redes sociais

Imagens das câmeras do estabelecimento mostram Pedro correndo até o segurança, em seguida, ele cai e é imobilizado. A violência na abordagem e a conivência de outros seguranças, que assistiram ao sufocamento sem interferir, indicam a urgência para debater a violência contra os jovens negros no Brasil.

“Esse ato é um ato de indignação de mulheres como eu: pretas, faveladas, periféricas, mães de homens pretos, mulheres pretas, de brancos e brancos aliados na luta antirracista contra o genocídio da população negra que, no Brasil, segue em curso desde que nós chegamos aqui escravizados, sequestrados de África”, disse ao Por dentro da África, a ativista e deputada estadual Monica Francisco, que participou da manifestação.

Assista ao vídeo do ato no Rio de Janeiro 

O corpo do jovem foi enterrado no sábado, 16 de fevereiro. No dia seguinte, manifestantes realizaram atos em todo o país em frente às filiais da rede de supermercados. Em comunicado à imprensa, o Extra disse que “não aceita atos de violência, excessos e repudia toda forma de racismo”.

‘Todo mundo sangra a mesma cor, mas nem todo mundo sangra por ter a nossa cor.’

Violência contra a população negra e suas raízes históricas

Segundo o Atlas da Violência 2018, 71,5% das pessoas que foram assassinadas no país em 2016 eram pretas ou pardas. Entre 2006 e 2016, a taxa de homicídios da população negra cresceu 23,1%, já a de não negros diminuiu 6,8%. Em 2016, a população negra registrou uma taxa de homicídios de 40,2 mortes por 100 mil habitantes, enquanto para brancos, amarelos e indígenas, esse número foi de 16.

A campanha Vidas Negras, lançada pelas Nações Unidas no país em novembro de 2017, destaca que, a cada 23 minutos, um jovem negro é assassinado no Brasil. São 63 mortes por dia, que totalizam 23 mil vidas negras perdidas pela violência letal por ano. Conheça a campanha aqui 

Em 2018, ‘O genocídio do negro brasileiro: processo de um racismo mascarado’, de Abdias Nascimento, completou 40 anos. Falecido em 2011, aos 97 anos, Abdias deixou um legado de luta contra o racismo na literatura, na política e em muitos aspectos da sociedade brasileira. Abdias argumentava que havia, na sociedade brasileira, não apenas a execução de pessoas de pele escura, mas a extinção dos valores culturais de um povo, como a intolerância e perseguição às religiões de matrizes africanas. Hoje, as críticas de Abdias são ainda aplicadas à realidade da população negra no Brasil, principal vítima da violência do Estado.

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Protesto no Rio de Janeiro – Foto de Por dentro da África

O Brasil foi o país que mais recebeu africanos escravizados – cerca de 5 milhões dos 10 milhões que chegaram ao continente americano – durante os cerca de 350 anos de tráfico transatlântico, entre os séculos 16 e 19. O Brasil também foi o último país das Américas a abolir a escravidão, em 1888.

 

Pintura de Jean Baptiste Debret – ‘Negra Tatuada Vendendo Cajus’ – 1827

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No pós-abolição, a população negra continuou marginalizada, segregada, com oportunidades tomadas. No presente, a desigualdade é perversa. De acordo com dados da PNAD Contínua 2017, do IBGE, a renda média do trabalho para negros era de R$ 1.570, enquanto a de brancos R$ 2.814. No grupo dos 10% mais pobres, os negros (que representam 54% da população) são 75%. As desigualdades reforçadas pelo racismo institucional e a violência contra a população negra precisam ser combatidos, superados.

“Temos que mobilizar a população do estado do Rio de Janeiro, do Brasil e falar para o mundo sobre o genocídio que segue em curso aqui. Também precisamos dar o recado de que a resistência permanece e de que a luta continua”, completou Mônica Francisco.

Protesto no Rio de Janeiro – Foto de Por dentro da África

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