Natalia da Luz, Por dentro da África
Bruxelas – Lumumba… O nome do maior herói congolês e um dos líderes que inspiram o continente africano ainda é ouvido e cantado em todo o mundo. Em Bruxelas, Bélgica, uma biblioteca com mais de 10 mil livros relembra a luta contra um dos piores modelos de colonização que a África já experimentou. O seu assassinato, a mando de autoridades europeias, é um dos episódios que marcam a história do país.
-Lumumba foi uma figura fascinante. Foi um cara como Che Guevara, que simbolizava a luta contra o imperialismo, contra o colonialismo. Ele se transformou em um ícone mundial desta luta – disse, em entrevista ao Por dentro da África, Philip Buyck, criador da biblioteca, após apresentar as esquinas de Matonge.
Matonge é uma região repleta de imigrantes africanos, principalmente vindos da República Democrática do Congo e de ex-colônias belgas, como Ruanda e Burundi. Nas prateleiras e paredes da biblioteca Lumumba, é possível encontrar um pouco de cada aspecto, de cada momento da vida de Lumumba: documentos, gravuras, fotos, livros, discursos. Obras sobre colonização, escravidão, capitalismo e socialismo descrevem histórias paralelas e interligadas ao que acontecia no antigo Zaire.
Assista ao vídeo aqui
Além do encantamento por Lumumba, Philip se aprofundou na história da República Democrática do Congo após ler O Fantasma do Rei Leopoldo, que conta em detalhes como o reinado de Leopoldo II deixou milhões de mortos pelo país.
Em 1885, Leopoldo II se tornou soberano absoluto da atual República Democrática do Congo. Em 1908, ele foi obrigado a transferir a administração do país ao governo belga sob pressão de um grupo de defensores de direitos humanos, liderado pelo inglês Edmund Morel.
Durante a administração do rei belga, milhões de pessoas morreram vítimas de açoites (quando não cumpriam as cotas de coleta de borracha e marfim) e de outros abusos inimagináveis.
“A independência do país que vivenciou um dos piores tipos de colonização”
Herói assassinado
Patrice Lumumba foi um líder anti-imperialista e pan-africanista que defendia a solidariedade entre os povos da África. Eleito em 1960 como primeiro-ministro, o congolês ocupou o cargo apenas por 12 semanas e teve seu governo derrubado por um golpe liderado pelo coronel Joseph Mobutu. A morte de Lumumba, em 17 de janeiro de 1961, teve participação do governo e autoridades dos Estados Unidos, da Bélgica e do Reino Unido.
Após a publicação do livro “O assassinato de Lumumba”, nos anos 2000, a Bélgica criou uma comissão parlamentar, que apontou que o governo do país teve parcela de culpa. Em 2007, documentos revelaram que a CIA também tinha planos para assassinar o líder congolês.
O então presidente dos Estados Unidos, Eisenhower, ordenou diretamente à CIA que eliminasse Lumumba. A evidência estava em uma entrevista inédita de 1975, na qual Eisenhower falava sobre a crise no país africano.
Casamento para encobrir golpe de Estado
No dia do golpe de Estado, em 16 de setembro de 1960, Philip lembra que toda a mídia da Bélgica só falava de um assunto: o casamento do rei Balduíno (filho de Leopoldo III) com Fabíola de Mora e Aragón.
-Quando a crise do Congo veio à tona, o nosso rei foi buscar sua esposa. Uma coisa interessante foi que eles se casaram em dezembro, mas o anúncio do noivado foi em setembro, quando Lumumba foi preso e Mobutu Sese Seko deu o golpe de Estado. Quando Lumumba foi assassinado, em janeiro de 1961, eles estavam celebrando a lua-de-mel.
O chamado período de “Crise no Congo” foi até 1965, quando Mobutu se tornou presidente até a sua queda, em 1997. Revirando os dossiês que ele guarda, Philip não tem dúvida de que Fabíola foi usada para encobrir tudo o que estava sendo feito no país africano. Essa e muitas outras histórias preenchem a biblioteca, que fica a poucos metros da Praça Lumumba, criada com a ajuda do filósofo.
– A nossa praça é uma forma de homenagear Lumumba, mas ainda temos um grande problema porque as pessoas que tramaram o assassinato de Lumumba vivem na Bélgica e ainda estão vivas.
Cegueira na mídia
Desde a colonização, o que acontece em um dos países mais ricos em recursos minerais do mundo é negligenciado pela mídia e pelas grandes potências. No território de 80 milhões de habitantes, a disputa pelo controle dos minérios produz uma guerra que envolve comunidades inteiras, principalmente no leste do país. Em mais de duas décadas, mais de 6 milhões de pessoas perderam suas vidas.
-Se você perguntar para as pessoas daqui quantos morreram após a independência na República Democrática do Congo: 10 mil, 100 mil, seis milhões? Eles vão dizer que não sabem… Existe uma completa cegueira da mídia.
“Congoleses no Brasil pedem paz e fim do mandato de Kabila”
Atualmente, a instabilidade política por conta da prorrogação das eleições (que deveriam ter sido realizadas em 19 de dezembro) produz uma avalanche de protestos pelo país. Nesta quinta-feira (22), mais de 40 pessoas morreram em manifestações, que foram seriamente reprimidas pela polícia.
-A mídia trata o país como um Estado falido. O mundo precisa olhar para o que acontece nesta terra tão rica, que criou um líder tão fascinante como Lumumba.