Sudão vive crise de fome e violência sexual em meio a guerra prolongada

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© UNICEF/Mohammed Jamal Families who fled fighting in El Fasher seek refuge in Tawila in North Darfur.

Com informações da ONU News

O *Sudão enfrenta, neste momento, uma das piores crises humanitárias do mundo. A guerra entre as Forças de Apoio Rápido (RSF) e o governo militar, iniciada em abril de 2023, já deixou cerca de 25 milhões de pessoas — metade da população — em situação de fome aguda. Em cidades como El Fasher, no estado de Darfur do Norte, civis vivem sob um “estado de emergência de gênero”, segundo alerta da ONU.

Fome extrema e preços inacessíveis

A cidade de El Fasher, sob cerco da RSF há mais de um ano, registra os preços mais altos do país: um custo médio de quase US$ 1.000 por família por mês, sendo US$ 700 apenas para alimentação — oito vezes mais do que em outras regiões. O bloqueio de rotas comerciais e a interrupção da ajuda humanitária agravam a escassez.

“Todos em El Fasher enfrentam uma luta diária pela sobrevivência”, disse Eric Perdison, diretor regional do Programa Mundial de Alimentos (PMA) para a África Oriental e Austral. “Sem acesso imediato e sustentado para as equipes humanitárias, vidas serão perdidas.”

Surto de cólera e ameaça sanitária

Além da fome, o Sudão vive uma emergência de saúde pública. Em Darfur, autoridades e agências da ONU lançaram campanhas de saneamento para conter surtos de doenças em campos de deslocados. No estado do Nilo Azul, casos de cólera já chegam a 2.800 desde junho, com 14 mortes registradas.

© UNOCHA/Giles Clarke Women who fled their homes because of conflict are now living in a former bus station in Gedaref, Sudan.

Violência sexual sistemática

A ONU Mulheres alertou que o conflito gerou uma “emergência de gênero”. Entre abril de 2023 e março de 2025, foram registradas 1.138 denúncias de estupro, incluindo 193 vítimas crianças, a maioria em áreas afetadas pela guerra. O número real pode ser muito maior devido ao medo de estigma e represálias.

Mulheres e meninas, especialmente chefes de família, estão entre os grupos mais afetados pela insegurança alimentar. Elas têm três vezes mais chances de sofrer fome extrema. Muitas relatam que o risco de violência sexual as impede de buscar ajuda ou receber assistência.

Ataques a campos de deslocados

Em 12 de agosto, o chefe de direitos humanos da ONU, Volker Türk, denunciou um ataque de grandes proporções da RSF contra El Fasher, que matou ao menos 57 civis, incluindo moradores do campo de deslocados de Abu Shouk. O local já havia sido alvo de 16 ataques apenas neste ano, deixando mais de 200 mortos e centenas de feridos.

Na cidade vizinha de Zamzam, onde a fome foi oficialmente confirmada em 2024, sobreviventes relataram estupros coletivos, desaparecimentos forçados e tortura. “Peço que todos os países usem sua influência para acabar com essas violações. A responsabilização é essencial para quebrar este ciclo”, afirmou Türk.

© UNICEF/Mohammed Jamal A woman searches through the burnt remains of her shelter at a displacement camp in Darfur, Sudan.

Muitos deslocados de El Fasher e Zamzam buscam refúgio no campo de Tawila, a 75 km de distância, que hoje abriga cerca de 400 mil pessoas. Lá, a chuva e a falta de abrigo aumentam o sofrimento. O PMA distribui biscoitos energéticos, sorgo, óleo e sal, mas alerta que precisa de garantias de segurança para levar comida às áreas sitiadas.

© UNFPA Women and girls undertake long journeys to flee violence in Gedaref state in Sudan.

Ação internacional e impasse político

O Conselho de Segurança da ONU rejeitou, no mês passado, a declaração da RSF de um “governo paralelo” nas áreas sob seu controle, alertando que isso ameaça a unidade do Sudão e agrava o conflito. A ONU pede que as partes retornem às negociações para um cessar-fogo duradouro e uma transição para um governo civil.

Enquanto diplomatas discutem soluções, milhões de sudaneses continuam presos entre a fome, a violência e o deslocamento forçado. A cada dia que passa sem acesso humanitário, a tragédia se aprofunda.

*O Sudão é um país localizado no nordeste da África, fazendo fronteira com o Egito, Eritreia, Etiópia, Sudão do Sul, República Centro-Africana, Chade e a Líbia. Com uma população estimada em cerca de 48 milhões de habitantes, o país tem como língua oficial o árabe, enquanto o inglês também é amplamente utilizado em contextos administrativos e educacionais.