Natalia da Luz, Por dentro da África
Nesta terça-feira (5), o governo da Etiópia anunciou o fim do estado de emergência. Declarado em 16 de fevereiro após a renúncia do então primeiro-ministro e de intensos protestos que envolveram os dois maiores grupos étnicos do país (Oromo e Amhara), as autoridades reconheceram certo progresso encurtando a medida, que estaria em vigência até o agosto.
“O atual primeiro-ministro fez promessas para legislar e se comprometeu com um diálogo nacional sobre as tensões que o país vivencia nos últimos três anos. Ainda há conflitos entre os grupos Oromo e Amhara e isso levará tempo para ser solucionado”, disse o porta-voz da organização Defensores de Direitos Humanos na Etiópia (AHRE) Yared Habtegiorgis, em entrevista exclusiva ao Por dentro da África.
O povo Amhara habita, particularmente, a região de Amhara e, de acordo com o censo de 2007, é representado por cerca de 27% da população da Etiópia. O povo Oromo é o maior grupo étnico do país, representado por aproximadamente 35% da população de mais de 105 milhões.
Yared lembra que, na semana passada, centenas de agricultores Amhara tiveram que sair de suas casas e ainda estão deslocados. Isso prova que a tensão ainda é permanente. Em relatório, membros da organização de Yared lembram que, somente no ano passado, a Etiópia somou um milhão de deslocados internos após conflitos nas áreas fronteiriças de Oromia. Da mesma forma, as Nações Unidas relataram o deslocamento de pelo menos 200 mil pessoas nas áreas fronteiriças de Gedeo (SNNPR) e West Guji (Oromia), no mês passado.
“Existem vários fatores considerados responsáveis pelo ressurgimento de conflitos étnicos em diferentes partes do país, especialmente nos estados regionais SNNPR e Oromia. Para um país como a Etiópia, onde orientações políticas polarizadas parecem ser a norma, as razões variam dependendo de quem está sendo perguntado. Nos últimos 27 anos, os amharas foram particularmente visados em ataques étnicos violentos no país”, disse Hewan Alemayehu e Brook Abegaz neste artigo.
Abiy Ahmed, o atual primeiro-ministro que adotou e suspendeu o estado de emergência, pertence ao maior grupo étnico do país, o Oromo. Em janeiro, antes do anúncio do estado de emergência, o então primeiro-ministro, Hailemariam Desalegn, disse, durante coletiva de imprensa, que libertaria presos políticos. Na ocasião, a declaração foi recebida com incômodo pelo governo e surpresa por grupos de direitos humanos no país. Nos últimos anos, ativistas denunciaram violações de direitos humanos, assistindo a dissidentes políticos sendo presos, torturados e mortos.
“Afinal, quem são os prisioneiros políticos? Todos serão libertados ou apenas algumas figuras políticas?” “Essa declaração do primeiro-ministro soa como estratégia política, já que o partido está sofrendo sérias pressões relacionadas à sua própria existência, ao controle do país e à exigência da libertação dos prisioneiros políticos, principalmente de líderes proeminentes da oposição, como Merera Gudina (preso em dezembro de 2016)”, explicou Yared.
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A promessa foi seguida de sua renúncia (um mês depois), mas antes de deixar o cargo onde esteve por 5 anos, Desalegn pode dizer que viu centenas de presos em liberdade. Apenas no dia 17 de janeiro, de acordo com a Anistia Internacional, Merera Gudin (líder de oposição) e mais de 500 detentos saíram de várias prisões. Em comunicado, a organização apontava que, embora a libertação tivesse sido cumprida, milhares de prisioneiros políticos continuavam a definhar nas cadeias, acusados ou processados pelo exercício legítimo de sua liberdade de expressão.
Durante o estado de emergência, não era permitido, por exemplo, imprimir ou distribuir qualquer informação que pudesse causar perturbação ou suspeita; protestos e qualquer forma de reunião de grupo; fechamento de empresas por manifestantes anti-governo.
Joan Nyanyuki, diretor da Anistia Internacional para o Chifre da África, declarou que o primeiro-ministro Abiy também deve cumprir seu compromisso de abrir o espaço para a sociedade civil na Etiópia, reformando ou revogando leis que foram usadas para sufocar as vozes dissidentes.
“A decisão de suspender o estado de emergência é um passo bem-vindo para enfrentar a profunda crise de direitos humanos do país. No entanto, as autoridades etíopes devem agora garantir a justiça e reparações pelas violações de direitos humanos perpetradas durante esse período, incluindo a detenção arbitrária de dissidentes, mortes não controladas, tortura e outras formas de maus-tratos”, falou Nyanyuki.