Por Gerson Brandão, Por dentro da África
Muito já foi escrito sobre o paradoxo que em vivem vários países onde a riqueza prospera, mas apenas para poucos felizardos (ou felizardas, sobretudo quando pensamos no exemplo angolano). Entre os conhecidos “diamantes de sangue” de Serra Leoa ou o financiamento do apartheid na África do Sul, recursos naturais nem sempre trazem a prosperidade para a maioria da população e a resposta para esse dissenso começa na análise do comportamento e das ações de líderes como Thomas Lubanga Dyilo.
Formado em Psicologia, Thomas Lubanga liderou a União dos Patriotas Congoleses (UPC), misto de partido político e milícia. Um grupo ativo na guerra iniciada na região de Ituri, no nordeste da República Democrática do Congo, em 1999. Ele foi condenado pelo Tribunal Penal Internacional (TPI), em 2012, a 14 anos de prisão por recrutar e enviar crianças para o campo de batalha.
A guerra do Ituri, começou como uma luta pelo controle da terra e dos recursos e durou até 2003. Um conflito dentro dos muitos conflitos da República Democrática do Congo, e que deixou cerca de 50 mil pessoas e centenas de milhares de desabrigados. A situação em Ituri levou a União Europeia (UE) a aprovar o envio de tropas francesas para região – a primeira vez que a UE enviava tropas de manutenção da paz para fora da Europa. Apesar da presença dos militares franceses ter sido essencial para pôr fim ao conflito, somente em março de 2005, Lubanga foi preso pelos capacetes azuis da missão de paz da ONU.
Além da condenação por recrutar crianças e usá-las como soldados, o TPI também decidiu que Thomas Lubanga deveria pagar “pessoalmente” a compensação coletiva destinada às vítimas. O congolês foi condenado em 10 de Julho de 2012, a um total de 14 anos de prisão. O veredicto foi confirmado, em compensação a crianças-soldados recrutadas por Thomas Lubanga, nessa que é até então a maior reparação imposta a um criminoso de guerra.
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O Tribunal Penal Internacional disse que Lubanga deve pagar o valor total às vítimas e seus parentes, no entanto, o Tribunal acrescentou que reconhece que não há como ele pagar por isso. Desta forma, o pagamento deverá ser feito através de um Fundo Fiduciário para Vítimas. O fundo segue tentando receber contribuições, de diferentes doadores, inclusive, do governo da República Democrática do Congo, mas até então, sem sucesso.
Depois de passar 15 anos na prisão, cumprindo a totalidade da pena carcerária, Thomas Lubanga, no dia 15 de março de 2020, recuperou a liberdade.
Enquanto isso, desde junho de 2019 um novo conflito está devastando Ituri. A competição pelas lucrativas minas de ouro e rotas comerciais da região continua sendo um importante fator que estimula a guerra.
Grupos de milícias locais – vendo o controle das minas de ouro como uma maneira de ganhar dinheiro e poder – voltaram a pegar em armas uns contra os outros sem piedade, muitas vezes, visando civis, interrompendo processos como o tratamento de vítimas do último surto de ebola no país.
Lutando pelo ouro, grupos armados como a União dos Patriotas Congoleses estão novamente envolvidos em massacres em uma nova guerra que parece sem fim, apesar das intervenções da missão de paz da ONU.
Gerson Brandão, mestre em Direitos Humanos pela Universidade de Estrasburgo, atualmente pesquisa “sobre o papel das empresas privadas na proteção de civis na Republica Democrática do Congo”.