vigilia 10Por Pio Penna Filho, Por dentro da África

Brasília – Prestes a completar 40 anos de independência, Angola ainda não conseguiu se democratizar plenamente. Um país rico, um povo generoso e um governo despótico, essa é uma das características de Angola. Ao longo desses 40 anos o país teve apenas 2 presidentes, Agostinho Neto e José Eduardo dos Santos, cujo mandato se estenderá até, pelo menos, 2017.

José Eduardo dos Santos é um dos governantes que está há mais tempo no poder no mundo. Isso é muito ruim para Angola e para o seu povo e indica um baixo grau de abertura política. A tentativa de controlar a sociedade angolana por parte do presidente Dos Santos e do seu partido, o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), é visto como um dos graves problemas que travam o desenvolvimento econômico e social do país.

Efetivamente, não há muito espaço para a oposição política em Angola. Em termos partidários o MPLA conta com uma hegemonia difícil de ser vencida, principalmente porque controla o aparato do Estado e suas redes de clientelismo. Nem de longe a oposição ameaça essa hegemonia. O MPLA tem o controle quase absoluto das estruturas econômicas do segundo maior produtor de petróleo da África e usa o seu poder para intimidar a mídia e, até mesmo, jornalistas independentes que geralmente usam a internet para criticar o governo.

Fora do esquema partidário tradicional, os protestos em Angola são severamente reprimidos pelo Estado. Exemplo mais recente foi o aprisionamento de 15 ativistas que ousaram manifestar-se publicamente contra o governo. Foram presos em junho e são acusados de conspirar para derrubar o governo de José Eduardo dos Santos. Só mesmo muita insegurança política para fazer com que um governo que alega ter o apoio da maior parte da população haja dessa forma.

São jovens que não aguentam mais ver um país tão rico em recursos energéticos e naturais conviver com redes clientelistas e uma corrupção comparável à do Brasil dos anos recentes, que faz com que milhares de angolanos não tenham assistência do Estado, enquanto alguns poucos apaniguados enriquecem às custas de sua própria população.

A democracia é extremamente frágil em Angola e isso colabora para que o Estado permaneça à margem de sua sociedade, como se fossem entes completamente desvinculados. O que facilita um pouco as coisas para o governo do MPLA e para a persistência da corrupção generalizada é justamente o fato de Angola ser um Estado petrolífero conectado com poderosos interesses internacionais.

Dessa forma, a pressão internacional sobre o regime é muito baixa, quase uma piada. Isso sem contar o total desprezo que o governo do MPLA demonstra contra as críticas que recebe. Ele se sente, na verdade, imune a pressões internas e externas. Angola passou por momentos difíceis desde a sua independência, com uma guerra civil prolongada que matou milhares e milhares de pessoas.

Essa trajetória política de muita violência, da qual o MPLA saiu como força vencedora, ainda exerce grande influência sobre os governantes do país. Muitos angolanos ainda tem medo de se manifestar, mas esse cenário está se alterando rapidamente. Prova disso são as várias manifestações nas principais cidades do país contra o governo infindável de José Eduardo dos Santos.

A prisão dos jovens e a greve de fome de um dos principais ativistas do país, Luaty Beirão, que durou 36 dias, serviram como uma grande propaganda contra o governo angolano. Apesar de tudo, e da leve pressão internacional contra o governo, todos permanecem aprisionados.

A lição que o governo passou é a seguinte: protestar em Angola contra o MPLA e contra José Eduardo dos Santos pode dar cadeia, mesmo que para isso seja preciso atropelar a Constituição. É difícil imaginar que um grupo tão pequeno de pessoas, sem relação com partidos políticos ou movimentos “subversivos” ou “insurgentes armados”, coloque em risco um governo e promova uma reação tão desproporcional e autoritária.

CAMPANHA PELA LIBERTAÇÃO DOS ATIVISTAS ANGOLANOS

Organizações Não-Governamentais, como a Anistia Internacional, e alguns países protestaram formalmente contra o governo de Angola. O Parlamento Europeu também solicitou ao governo angolano que libertasse todos os presos políticos do país e passasse a respeitar os direitos humanos. A resposta foi a rejeição do pedido alegando que Luanda não aceitava ingerências externas e que as alegações eram “infundadas”.

Causa estranheza que o Brasil, em tese um país comprometido com a democracia e com os direitos humanos, não tenha emitido nenhuma nota oficial com relação ao caso. À parte manifestações pontuais de deputados e senadores, que falaram para um plenário vazio, e a manifesta falta de interesse da mídia nacional para com assuntos africanos, o Itamaraty manteve-se em silêncio.

Um silêncio comprometedor porque, além de parceiros comerciais, somos, juntos com Angola e outros 7 estados, membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), uma comunidade que tem como um dos seus princípios, pelo menos oficialmente e a título de propaganda, “o primado da paz, da democracia, do estado de direito, dos direitos humanos e da justiça social”, o que é uma grande contradição com o que está ocorrendo em Angola.

Enfim, o Brasil não deveria se omitir diante das arbitrariedades que estão sendo cometidas pelo governo angolano contra sua própria população. A prisão de jovens angolanos que estavam se manifestando de forma pacífica contra a tirania do MPLA e do governo de José Eduardo dos Santos recebeu críticas contundentes da União Europeia e de Organizações Não-Governamentais. Enquanto isso, o nosso governo continua se omitindo diante da violação aos direitos humanos em Angola e em outros países, como a Venezuela. Uma vergonha para o Brasil!

 * Professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB) e

Pesquisador do CNPq. E-mail: piopenna@gmail.com