Por Susan de Oliveira, Por dentro da África
Hoje, os 15 ativistas angolanos estarão de volta às suas casas em regime de prisão domiciliária. O Tribunal Constitucional da República de Angola transformou a prisão preventiva, que completaria sete meses no próximo dia 20, em prisão domiciliária, uma possibilidade aberta pela nova “Lei das Medidas Cautelares em Processo Penal” que entra em vigor exatamente neste dia 18 de dezembro de 2015.
Entretanto, a aplicação desta Lei que beneficia os réus acusados de crimes cuja pena – se condenados – seja inferior a três anos, foi considerada extemporânea pelos advogados de defesa e suscita ainda mais desconfianças quanto ao comportamento do Tribunal, principalmente do juiz Januário Domingos, que se mostra capaz de deliberar acima da legislação, inclusive antecipando-se a ela como se vê na atual decisão. Mas, ressalte-se que tal decisão não parece estar em conflito com o acórdão que negou o habeas corpus solicitado pelos advogados, em julho passado, ao mesmo Tribunal Supremo de Angola, pois não é de liberdade que se trata.
O habeas corpus tinha o objetivo de colocar os ativistas em liberdade até o fim do julgamento que, conforme anunciado hoje, deve terminar em janeiro de 2016, a partir do dia 11, quando serão retomadas as sessões. O habeas corpus negado estava baseado na presunção constitucional de inocência e visava uma liberdade incondicional até que se provasse ou não a culpa dos acusados. Hoje, lhes coloca o Juiz Januário Domingos em prisão domiciliária que não nada tem a ver, portanto, com o habeas corpus. Eles estarão sujeitos a uma espécie de abrandamento da prisão provisória, mas não em liberdade.
A prisão provisória, com o seu aparato disciplinador e vigilante disponibilizado pela Justiça, pretende continuar e não interromper o processo coercitivo do Estado que atuará na imposição de um rígido controle comportamental não mais retirando os acusados do convívio familiar e social, mas introduzindo este poder lá mesmo onde se dá este convívio e alterando sua dinâmica com uma vigilância implacável. Transformar os lares em prisões não equivale à liberdade.
Cerca de 150 policiais estarão destacados para fazer a escolta e a vigilância dos presos e serão encarregados de vistoriar as residências, correspondências e os seus restritos moradores e visitantes. Os presos em regime domiciliar poderão utilizar o telefone duas vezes por semana em ligações de cinco minutos cada (ou uma de dez minutos), não poderão fazer uso da internet e não poderão entrar em contato com os “suspeitos” da famigerada lista fictícia do “governo de salvação nacional”, entre outras medidas proibitivas. Possivelmente, para breve, vão providenciar para que usem tornozeleiras eletrônicas.
Segundo o procurador João Maria de Sousa, havia pressa em fazer os réus se beneficiarem da nova Lei – hoje mesmo quando entra em vigor – por razões humanitárias. A urgência e o humanitarismo evocado, no entanto, parece destoar do que foi feito até agora: Um julgamento longo – com arguições morosas, repetitivas e sem a apresentação efetiva de provas – que foi iniciado em 16 de novembro de 2015 e se estenderá a janeiro de 2016, com duração de cerca dois meses. Isso somado aos seis meses de prisão degradante acompanhada da agonia da greve de fome de Luaty Beirão (que durou 36 dias), entre outras greves de fome, violências físicas, longos períodos em celas solitárias, adoecimentos físicos e psicológicos.
Razões humanitárias? Urgência?
Michel Foucault, em “Vigiar e Punir”, explica que, na história do sistema prisional e punitivo, os suplícios deixaram de ser físicos para serem aplicados de forma sutil e sistemática contra a consciência e a alma. O sofrimento psíquico equivale à tortura e é inerente ao funcionamento da Justiça criminal, nos avisa Foucault. Portanto, reconhecer o desgaste causado pela prisão arbitrária e a morosidade do Julgamento não prova o humanitarismo da Justiça, mas sua eficácia em punir, antes da condenação, fazendo sofrer.
Certamente, as motivações da prisão domiciliária são outras e vamos observar quais são elas no futuro próximo. E estejamos em alerta ao que adverte Foucault para quem a “humanização das penas” é um discurso que serve a um cálculo político específico de fazer parecer humanas não as penas, mas a instância que pune.