Por Susan de Oliveira, Por dentro da África
De Lisboa – O Parlamento Angolano aprovou esta quarta-feira, 20 de julho, a Lei da Anistia proposta pelo presidente José Eduardo dos Santos que poderá beneficiar cerca de oito mil cidadãos que tenham sido condenados por crimes comuns com penas de até 12 anos de prisão, estando ou não detidos, incluindo, assim, os 17 ativistas que estão em liberdade provisória. A nova Lei só exclui os crimes de homicídios, os crimes praticados com arma de fogo, os crimes sexuais e os de imigração ilegal.
Entretanto, os advogados de defesa dos ativistas colocam em questão o fato de que o benefício da anistia tende a ser uma forma do Tribunal Supremo deixar de apreciar os recursos que poderiam inocentá-los. São duas situações diferentes, sendo que apenas uma delas faria justiça ao caso: Receber uma anistia como culpados ou serem inocentados definitivamente das acusações. Segundo o advogado Walter Tondela, em declaração ao Jornal Rede Angola:
“É preciso compreender que além dessa Lei de Amnistia até agora os ativistas estão inocentes porque há o princípio da presunção de inocência. Até ao momento não terminou o julgamento porque houve um recurso com efeito suspensivo, no entanto, presume-se que sejam inocentes. O que provavelmente o Tribunal Supremo vai fazer quando essa Lei entrar em vigor é deixar de analisar os fatos e simplesmente decretar a liberdade no âmbito da Lei da Amnistia”.
No quadro mais amplo da criação dessa Lei, que foi aprovada com urgência no Parlamento angolano com 142 votos do MPLA e sem tramitar nas respectivas comissões de especialidades, colocam-se em causa os interesses corporativos e partidários do governo. O primeiro deles é, sem dúvida, a preservação da imagem de José Eduardo dos Santos tendo sido aclamado em seu “ato de magnitude”, conforme referiu Virgílio Fontes Pereira, líder da bancada governista. Já as bancadas dos partidos de oposição, CASA-CE e UNITA apresentaram restrições à medida por essa Lei anistiar agentes de crimes econômicos e financeiros cometidos contra o Estado, beneficiando todo o tipo de corrupção. Por esse motivo, os 32 deputados oposicionistas se abstiveram de votar na Lei apresentada pelo executivo. Na sua declaração de voto, a UNITA explicou-se:
“Votamos abstenção a esta Lei, em virtude de ter apresentado propostas de melhoramento da proposta de lei, no sentido de preservar os interesses da coletividade, no que aos crimes econômicos e financeiros diz respeito. Fizemos a proposta de a amnistia não abranger ‘os crimes econômicos e financeiros em que o lesado seja o Estado, salvo se o agente tiver ressarcido os danos causados ou venha a fazê-lo, no prazo de um ano’, a nossa proposta não foi acolhida. Entendemos que os crimes lesivos aos interesses econômicos do Estado não foram praticados na mesma medida por todos que neles se envolveram, havendo, pois a necessidade de a lei vir a ser aplicada a cada caso em concreto, o que não será possível”.
André Gaspar, líder parlamentar da CASA-CE, informou ao Jornal DW que sua bancada se absteve porque essa Lei pretende “ilibar dos seus crimes os que lapidaram o erário público” e, portanto, é uma medida que protege os que “transformaram Angola num dos países mais corruptos do mundo”.
O ativista Sedrick de Carvalho, em entrevistas ao Jornal Club-K, ponderou que o caos do sistema prisional angolano teria sido uma das razões prementes do controverso diploma:
“A amnistia chega num momento em que as cadeias estão sem alimentos, e sei bem disso porque saí agora das cadeias e percebo que esta amnistia não é por valores nobres, de que o homem deve ser respeitado e que é necessário que nos perdoemos, que coabitemos e que demos algum voto de confiança aos indivíduos que a dado momento erraram, não! Esta amnistia está a servir para exatamente fazer campanha política e acima de tudo atenuar o que está para acontecer nas cadeias.
É que as cadeias estão sem comida, nestes estabelecimentos há poucos agentes prisionais, porque primeiro é que os salários são tão baixos, e o pior, é que já não há comida para toda comunidade prisional, desde os reclusos aos agentes prisionais. No entanto, antevendo uma possível calamidade a acontecer nas cadeias, e como sabem que atualmente a comunidade internacional está de olhos postos em Angola, e para evitar que se registrem mortes por fome como em anos anteriores, então decidiram tirar algumas pessoas das cadeias”.
De qualquer modo, a medida tende a efervescer a discussão sobre a crise econômica, política e social angolana pelo simples fato de que não resolve a falência do sistema prisional e não representa uma verdadeira democratização da Justiça.
Ao contrário, é uma medida meramente corporativa e populista seja porque beneficia evidentemente os agentes da corrupção endêmica sem atacar o problema, seja porque o déficit de políticas públicas e de reformas estruturais do Estado angolano não permite alimentar expectativas de que os anistiados possam ter perspectivas concretas de reinserção social mediante emprego e renda.