Natalia da Luz, Por dentro da África
Em alguns países do continente africano, governos costumam prender quem se manifesta e faz críticas às suas negligências e abusos de poder. Nascido na Guiné Equatorial, o cartunista Ramon Esono Ebalé foi preso ao retornar para o seu país. O motivo? Repressão ao seu ativismo contra Teodoro Obiang, o presidente que está há quase 38 anos no poder.
Desde 16 de setembro, o ativista está na prisão Black Beach, conhecida como “Guantánamo” por conta das precárias e duras condições. A sua detenção indica claramente um caso de perseguição política, intensificada com a publicação da série “La Pesadilha de Obi” (2013), que denuncia, em 127 páginas, os abusos políticos no país.
Assim como Ramón, que estava no Paraguai desde 2014, há muitos ativistas, jornalistas e artistas que precisam se refugiar do governo que os persegue.
“Neste momento, há muitos entre Ramón e alguns membros detidos de partidos políticos. A realidade é que há muitas pessoas nas prisões por emitir opinião e por sua opinião ser contrária ao governo”, disse o ativista Tutu Alicante, em entrevista ao Por dentro da África, lembrando que Ramón foi preso sem justificativa (a princípio por suspeitas de crimes financeiros), ao chegar na Guiné Equatorial para solicitar renovação do passaporte.
Alicante não sabe ao certo quantos ativistas estão presos, isso porque o governo não mantém lista de presos e nem informa aos familiares quem é detido. Uma campanha internacional organizada por Alicante pressiona as autoridades da Guiné Equatorial pedindo a libertação de Ramón.
Pelo seu trabalho engajado e crítico, Ramón venceu, no mês passado, o Prêmio Coragem do Cartoonists Rights Network International. A esposa (Eloísa Vaello) e a filha deles receberam o prêmio em Nova York, Estados Unidos. Em comunicado, a instituição lembrou a coragem do artista.
“Atualmente, Ebalé está preso na notória prisão da Black Beach na Guiné Equatorial sob acusações ainda não especificadas. O governo da Guiné Equatorial, uma das mais famosas cleptocracias da África, está claramente irritado por suas críticas baseadas em charges sobre a família dominante.”
Hoje, Teodoro Obiang é o governante mais ‘antigo’ no continente africano. Perderia apenas para o ex-presidente da Líbia, Muammar al-Gaddafi (morto em 2011, após 42 anos no poder). Com 75 anos, Obiang está no posto desde 1979, após um golpe de Estado dado contra o seu tio. Nove anos antes, o país comemorava a independência da Espanha.
No grupo dos presidentes há mais tempo no poder, estavam José Eduardo dos Santos (que ficou quase 38 anos na presidência de Angola e saiu após as eleições em agosto deste ano), Robert Mugabe (que, neste mês, após ser detido em sua própria casa pelo Exército, renunciou à presidência do Zimbábue – onde ele estava desde 1981). Além desses, há Paul Biya, como presidente de Camarões desde 1982 e Yoweri Museveni, na presidência de Uganda desde 1986. Nesses países, a liberdade de imprensa é frequentemente ameaçada, e a oposição desamparada.
Com grande parte da população vivendo com menos de 1 dólar por dia, a família do presidente acumula riqueza dentro e fora da Guiné Equatorial. Em outubro, o filho do presidente e vice-presidente, Teodorin Obiang, foi condenado, na França, a três anos de prisão por ter construído um patrimônio de forma fraudulenta. Ele foi acusado de branqueamento de capitais, abuso de bens sociais e corrupção. Teodorin ainda não foi preso, mas Alicante acredita que ele será pressionado a devolver parte do que saqueou.
Na Guiné Equatorial, Alicante é uma das vozes que lutam pela democracia. Membro do EG Justice, ele lembra que o trabalho da sociedade civil é fundamental, especialmente em seu país, com taxas elevadas de corrupção, onde o governo viola sistematicamente os direitos humanos.
“Essas organizações são vitais para forçar o governo a respeitar os direitos básicos das pessoas. Fora do país, elas trabalham para cobrar e zelar pelos direitos e dignidade das pessoas”, disse o ativista, que soma funções de documentar e reportar violações, além de investigar temas relacionados à sociedade da Guiné Equatorial.
Com cerca de 1,2 milhão de habitantes, além do Gabão e São Tomé e Príncipe, a Guiné Equatorial faz fronteiras com Camarões e Nigéria.
De acordo com o Relatório de Desenvolvimento Humano 2015 das Nações Unidas, o país tinha uma renda per capita de US$ 21.056 em 2014, a maior da África. Apesar disso, existe um abismo entre a riqueza e o desenvolvimento humano. De 188 países no Índice de Desenvolvimento Humano, a Guiné Equatorial fica na 138ª posição.
A prisão de Ramón é uma das razões pelas quais Alicante não visita o seu país há mais de 13 anos. Ele não tem dúvida de que seria preso ao pisar em sua terra. À distância, ele combate os abusos, acreditando que o trabalho com justiça social sempre foi a sua vocação, a sua missão.
“Recordo que, em 1993, o meu pai me disse que não poderíamos fazer nada diante das atrocidades do governo. Eu pensava diferente e, desde então, eu tenho me comprometido a lutar pela liberdade da Guiné Equatorial.”
Nos últimos anos, com o aumento da produção de petróleo, a situação de corrupção e abusos de poder (para manter os privilégios da família dominante) tende a ficar ainda mais degradada. Nas últimas eleições legislativas, realizadas em 12 de novembro, o partido do presidente (Democratic Party of Equatorial Guinea / PDGE) concentrou quase 100% dos votos.
“A corrupção, que sempre foi um problema, se transformou em um sistema. O nepotismo e clientelismo mantêm sufocadas qualquer possibilidade de mudança política. O povo está vivendo na beira de um precipício psicológico.”
Para apoiar a luta de Alicante e pedir a libertação de Ramón, assine a petição AQUI