Natalia da Luz, Por dentro da África
Rio – Sob a acusação de envolvimento em prisões e tortura contra manifestantes, o ex-presidente do Egito Mohamed Mursi foi sentenciado à morte por um tribunal do seu país. Eleito democraticamente em 30 de junho de 2012, Mursi foi deposto por militares, após um ano no poder. A sentença, que deverá ser ratificada no início de junho, gerou críticas internacionais.
– Eu acho que a sentença não será executada. Isso prejudicaria a imagem do Egito, que já não está muito boa… Geralmente, esses julgamentos levam dezenas de condenações à morte.Na semana passada, 21 condenados foram executados no Cairo. O Egito é um dos países com o maior número de sentenças de morte e execuções – disse, em entrevista ao Por dentro da África, o diretor do departamento de Relações Internacionais da Universidade Grenoble, na França.
Os Estados Unidos e a Organização das Nações Unidas manifestaram preocupação com as penas de morte proferidas no último sábado no Egito, enquanto a Turquia alertou para uma turbulência no Oriente Médio, caso elas sejam cumpridas. A sentença final deverá ser anunciada pela Corte do Egito em 2 de junho.
Mursi foi eleito pelos egípcios depois da revolução de 2011, que acabou com três décadas de ditadura de Hosni Mubarak. Ele foi derrubado pelo exército em 2013 em meio a protestos contra seu governo. Na época, foi poupado da pena de morte.
Com mais de 80 milhões de habitantes, o Egito é o país mais populoso do mundo árabe. Vizinho da Líbia, Sudão, Faixa de Gaza e Israel, a nação africana vive um momento bem conturbado. Dois anos após ter deposto o ex-ditador Hosni Mubarak (que estava há 30 anos no poder), o seu novo presidente, Mohamed Mursi, eleito há um ano, foi destituído do cargo, atingindo o ápice de uma sequência de manifestações onde Forças Armadas, governo e população se enfrentaram.
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Mursi dirigia o Partido da Justiça e a Liberdade (PLJ), vitrine política da Irmandade Muçulmana, o mais poderoso do país, com quase metade dos assentos do Parlamento. Militante de um grupo anti-Israel, o Comitê de Resistência ao Sionismo, Mursi dedicou a maior parte de suas atividades à Irmandade Muçulmana. Em 2012, aos 60 anos, ele era indicado como o “único candidato com programa islamita”, defensor de um “projeto de renascimento” baseado nos princípios do Islã.
Jean conta que uma possível pressão internacional contra a sentença era de se esperar, já que o país parece estar desalinhado com a comunidade internacional. O especialista lembra que os países ocidentais denunciaram a derrubada de um presidente eleito e as violações dos direitos humanos que vem ocorrendo no mandato de Abdel Fattah al-Sissi, mais conhecido como o general Sissi. O atual presidente tornou-se protagonista no golpe de Estado que derrubou Mursi. Em maio de 2014, Sissi foi eleito o novo presidente do Egito.
– Rússia apoiou Abdel Fattah al-Sissi, porque ele era menos hostil ao regime de Bachar el-Assad na Síria. Mas o Irã permaneceu desconfiado a respeito de um regime imposto por um golpe militar que tem imediatamente um apoio incondicional da Arábia Saudita. Turquia continua a considerar Mursi como o verdadeiro presidente, mas a maior parte dos países árabes se alinhou com o novo regime de Sissi – destacou o também professor da Universidade do Cairo.
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Liberdade de expressão
Atualmente, a liberdade de expressão no Egito vem sendo extremamente controlada, provocando a escassez de meios de comunicação independentes no país.
– O novo regime incentiva os cidadãos a denunciar pessoas que pareçam potencialmente perigosas. Alguns programas de variedades na TV foram cancelados porque zombaram dos políticos, e as manifestações foram proibidas – destacou Jean.
De acordo com o Relatório do Anistia Internacional de 2014-2015, trabalhadores da mídia que documentaram as violações dos direitos ou questionaram a narrativa política das autoridades enfrentaram detenção e acusação. Os jornalistas que informavam sobre atividades do exército enfrentaram julgamentos injustos perante tribunais militares.
Irmandade Muçulmana
Criado no Egito em 1928 como um movimento de Pan-Islamismo, a Irmandade Muçulmana participou ativamente das transformações políticas e das revoluções que depuseram a monarquia do rei Faruk e das ditaduras de Nasser e Mubarak, ambos militares.
– A Irmandade Muçulmana ainda é proibida, e os seus líderes estão presos. Em abril passado, 14 líderes da Irmandade (incluindo seu líder supremo Mohamed Badie) foram condenados à morte – completou o professor.
Jean conta, atualmente, esse cenário pode ser facilmente associado ao de uma ditadura. Alguns especialistas costumam dizer que a situação é mais resistente do que aquela comandada pelo ex-presidente Mubarak. Na época de Mubarak, a liberdade de imprensa foi restrita, mas a oposição era existente.
Economicamente, o país é totalmente dependente dos petrodólares das monarquias do Golfo, especialmente da Arábia Saudita. Entretanto, o regime abre novos mercados de armas e anuncia novas grandes obras.
– Há um quadro jurídico muito repressivo que permite classificar como terrorista qualquer pessoa que tente falar contra o regime. Durante a era Mubarak, a comunidade internacional foi muito mais alerta para denunciar as violações dos direitos humanos. Hoje, ela permanece em silêncio.
Por dentro da África