
As mulheres da região do Sahel*, na África, estão sofrendo uma erosão constante de seus direitos humanos e liberdades fundamentais, à medida que a violência e a pobreza se aprofundam, impulsionadas pelo deslocamento forçado, pela fome e pelo terrorismo. Entre raptos, casamentos forçados, exclusão das escolas e da vida pública, suas oportunidades estão sendo arrancadas dia após dia, afirmou Sima Bahous, diretora-executiva da ONU Mulheres, em discurso ao Conselho de Segurança.
“No Sahel, onde convergem as mais graves preocupações do mundo, as mulheres e meninas sofrem de forma desproporcional”, disse Bahous.
Ela destacou que crises provocadas pelo terrorismo, pobreza, fome, um sistema de ajuda em colapso e o encolhimento do espaço cívico estão se concentrando, “de forma violenta e desproporcional, sobre seus corpos e seus futuros”.
Vidas apagadas
Em países como Burkina Faso, Mali, Níger e Chade, sob controle extremista, as mulheres vivem um “apagamento” da vida pública: sua mobilidade, visibilidade e até o vestuário são rigidamente controlados. Escolas foram incendiadas ou fechadas, deixando mais de um milhão de meninas sem acesso à educação.
O rapto de mulheres e meninas, afirmou Bahous, não é um efeito colateral do terrorismo no Sahel — é uma tática deliberada. Só em Burkina Faso, o número de sequestros mais que dobrou nos últimos 18 meses.
No Mali, 90% das mulheres e meninas sofrem mutilação genital feminina. As taxas de casamento infantil estão entre as mais altas do mundo. A mortalidade materna — alimentada por gravidezes precoces e pobreza — está entre as piores do planeta.
Resiliência em queda e atenção internacional em declínio
As distâncias percorridas por mulheres e meninas para buscar água ou lenha aumentam, enquanto sua segurança diminui. Duas em cada três relatam sentir-se inseguras nessas jornadas. As mudanças climáticas agravam a situação, com calor extremo e secas elevando a mortalidade e a insegurança alimentar.
Apesar do aumento das necessidades, o apoio internacional está em queda: até maio, apenas 8% do apelo humanitário para a região havia sido atendido. A ajuda ao desenvolvimento caiu quase 20% em dois anos, levando à suspensão de programas de proteção e empoderamento feminino, enquanto ministérios dedicados à igualdade de gênero perdem financiamento, são fundidos ou fechados.
Espaço político em retração
O espaço democrático e cívico também está se estreitando. No Níger, apenas 14% dos participantes em recentes reformas institucionais eram mulheres. No Mali, apenas duas mulheres participaram da elaboração da nova carta nacional, entre 36 membros.
Leonardo Santos Simão, chefe do Escritório das Nações Unidas para a África Ocidental e o Sahel (UNOWAS), alertou que ataques jihadistas e turbulência política estão minando avanços e alimentando o deslocamento forçado, ao mesmo tempo em que a redução do espaço para a mídia, a sociedade civil e organizações de mulheres ameaça conquistas obtidas com muito esforço.
Ganhos frágeis
Ainda assim, há sinais de progresso. No Chade, as mulheres ocupam agora 34% das cadeiras parlamentares. Em zonas fronteiriças do Mali e do Níger, a participação feminina na construção da paz local subiu de 5% para 25%, ajudando a resolver mais de 100 disputas sobre recursos naturais.
Em toda a região, programas conjuntos da ONU aumentaram em 23% o retorno de meninas adolescentes à escola e dobraram a participação feminina na governança local em 34 comunidades afetadas por conflitos. Uma iniciativa conjunta da ONU e do Banco Mundial já beneficiou mais de 3 milhões de adolescentes com cuidados de saúde, espaços seguros e formação para a vida.
“Não podemos abandonar o Sahel — independentemente da política, do financiamento ou dos ventos geopolíticos”, concluiu Bahous. “Devemos estar ao lado das mulheres do Sahel — não por caridade, mas pelo reconhecimento do seu poder de moldar um futuro melhor.”
*O Sahel é uma faixa de 500 a 700 km de largura, em média, e 5 400 km de extensão, entre o deserto do Saara, ao norte, e a savana do Sudão, ao sul; e entre o oceano Atlântico, a oeste, e ao mar Vermelho, a leste.