Por Fernando Guelengue, Por dentro da África
Luanda – Conheci-o há três anos no pátio de uma instituição de ensino superior do país. Com uma roupa de rapper, muito cabelo e um boné na cabeça, ele estava ao lado de Domingos da Cruz, que recebeu hoje a maior pena no julgamento dos ativistas angolanos. Meses depois, eles organizaram uma discussão sobre a reforma educativa em Angola.
Mas não tardou muito para voltarmos a nos cruzar. Em meados do ano passado, concretamente dois meses antes de ser detido sob acusação de crime de rebelião e preparação de um suposto golpe de Estado para destituir o presidente Eduardo dos Santos, Nuno Álvaro Dala, docente universitário da Universidade Católica de Angola e pesquisador da Associação Internacional dos Surdos e Mudos há mais de 10 anos.
Apareci num sábado e assisti a aula do mestre. A primeira aula foi, sem sombra de dúvidas, uma aula magna que nunca tínhamos assistido em quatro anos de academia. Ele falou sobre a pirâmide do ensino superior, da carreira docente, dos fracassos do nosso sistema de ensino e da necessidade de não se vender monografia.
“É uma figura que dispensa comentários e carrega uma simplicidade que jamais encontrei numa pessoa. Não precisou papel nenhum para as aulas que tivemos sobre metodologia” , disse-me o jovem Ramiro Francisco, professor de uma escola pública em Angola e formado em psicologia.
Debate nas ruas
Durante a sessão intensiva da formação em metodologia que frequentávamos aos finais de semana, num dos colégios do Cazenga, Nuno Dala, também pesquisador e articulista do portal Observatório da Imprensa, mostrou o seu lado crítico em relação a vários assuntos relacionados à vida sociopolitica do país.
Recordo-me que, dada a sua humildade e simplicidade, preferia caminhar do que pegar logo um táxi para, num passo lento e tranquilo, falar sobre o que pensamos sobre a Angola que temos. Foi quando discutimos a necessidade da Unita criar novos líderes baseados na juventude emergente, ao contrário de tentar no mesmo líder que não teria coisas novas para mostrar aos liderados. “A força e dinâmica que o Chivukuvuku criou, se fosse na UNITA faria alguma diferença”, teria frisado num táxi.
Outra conversa que tivemos foi sobre as manifestações… Ele é mesmo bem formado e informado. Falou sobre o processo das revoltas e citou o livro do jornalista Coque Mukuta e o seu companheiro Cláudio Fortuna. E como ele é um observador devido a sua carreira em pesquisa científica, falei do caso do PADEPA, um partido criou por jovens corajosos, as primeiras raízes revolucionárias das manifestações pacíficas e lutas contra o que convencionou chamar de regime ditatorial. “Os angolanos possuem uma memória muito curta. Há quem pense que são os únicos a fazerem por esta Angola. Precisamos registar a história por meio das nossas pesquisas”, frisou.
Um certo dia, uma antiga colega de formação em metodologia me falou das qualidades do Nuno. Ela contou que decidiu chegar ao seminário de metodologia mais cedo e se deparou com o Nuno explicando um exercício longo de matemática por telefone para alguém.
A prisão arbitrária
Com mais 16 ativistas, Nuno Dala é réu do processo 0148/15, que se encontra em julgamento. O também autor do livro a ser editado “O Pensamento Político dos Jovens Revús – Discurso e Acção”, foi detido sem mandato de captura e nem mesmo uma comunicação prévia, tendo contraído várias doenças durante os meses de prisão preventiva sem tratamento adequado e humanizado.
Em gesto de tentativa de reposição da legalidade
O réu decidiu boicotar o julgamento por meio de protesto de ausências nas sessões, o que lhe valeu a prisão na Comarca de Viana por cerca de 20 dias, dos quais cerca de 15 em greve de fome. Quem está a pagar pela sua detenção, para além de estudantes inscritos no programa do curso de metodologia de investigação científica, os irmãos, os amigos, cada angolano que olha ao caso como uma palhaçada de injustiça, é a sua esposa Raquel, que não resistiu ao ver o seu marido abandonado sem assistência médica em Viana.
O recado de Nuno Dala
“Não irei a todas as próximas sessões de julgamento, que é, aliás, uma mentira e um lembrete triste de como este país está transformado numa anedota civilizacional. Ao terminar, deixo claro e reitero que a cadeia, suas sevícias e o discurso dos angolanos cúmplices da ditadura do demônio José Eduardo dos Santos, NÃO DESTRUÍRAM MEUS VALORES, PRINCÍPIOS E CONVICÇÕES DE LUTA PARA QUE ANGOLA SEJA DEVOLVIDA AOS ANGOLANOS”, subscreveu na nota de responsabilização aos governantes angolanos datada de 5 do corrente mês.
Nuno nasceu no dia 24 de Julho de 1984, na província do Uíge, município de Negage. É graduado em Linguística pela antiga Faculdade de Letras e Ciências Sociais (FLCS) da Universidade Agostinho Neto e graduado em Pedagogia e Estudos Clássicos pela Faculty of Arts da University of Winnipeg (Canadá), e Mestre em Ciências da Educação (pela mesma universidade).
É Professor das cadeiras de Pedagogia, Língua de Sinais, Linguística e Educação Especial; Investigador em Ciências da Educação, Linguística, Antropologia e Estudos Surdos; Intérprete de Língua de Sinais; Consultor em Educação Especial e Atendimento Educacional Especializado e Colaborador do Semanário Angolense e de vários sites e blogues especializados em notícias, educação, linguística e antropologia. Ao longo dos anos publicou dezenas de artigos, tais como Identidade Linguística dos Surdos Angolanos, Análise Crítica ao Dicionário de Língua Gestual Angolana, Fundamentos para a Educação dos Surdos Angolanos, Ouvintismo e Surdalidade, Lógica Economicista contra a Qualidade de Ensino nas Universidades Angolanas, O Estado Superior da Fraude, Escola Livresca, A Celebração da Futilidade e Complexo de Negro.