Por Fernando Guelengue, Por dentro da África
Luanda – Em caminhada longa até a Cidade Alta, em Luanda, lá fui eu de camisa florida, relógio preto, sapato preto também e calça jeans. Longa caminhada que começou na zona do S. Paulo, onde os taxistas decidiram abandonar os passageiros numa paragem inventada pela Polícia Nacional, bem antes do mercado batizado com o mesmo nome, para percorrer até depois da entrada da emissora católica de Angola, conhecida como Rádio Ecclesia, que o diabo matou a virtude por vingança!
Leia o especial aqui com a linha de tempo sobre os acontecimentos
Transpirei e o cheiro de perfume barato desapareceu do corpo quando cruzei com uma donzela e fui atingido por outra fragrância. Até cheguei mesmo a voltar a olhar para ela e vi que se tratava de uma mulher simples e que apenas tinha bom gosto e um pouco de kumbu (dinheiro) em tempos de crise!
Os taxistas corriam para fugir dos agentes reguladores de trânsito que não paravam de encontrar justificativa para bisnar (roubar) os trocos dos candongueiros. “Para não pagar constantemente, nós, os candongueiros, precisamos ter um padrinho na cozinha. Aqui é assim! Tem que ter um amigo, um primo, um vizinho, um conhecido, um tio ou até um sogro na corporação da Polícia Nacional ou em outro posto do governo para exibir poder diante de qualquer agente regulador que vir a nos prender.
Quem me conta isso é o taxista que fazia a rota Cacuaco – São Paulo, um jovem atrevido que a corrupção dos agentes da ordem roubaram o medo. No meio de um discurso sobre o Estado da Nação que não trouxe novidade nenhuma, aliada a uma indisposição momentânea do senhor da primeira linha, fui ao encontro combinado um dia antes.
Posto na zona dos Coqueiros, ao lado mesmo do estádio onde o campeão Jose Sayovo costumava treinar para redobrar as medalhas, mando um SMS para o homem que, em seguida, retribui com: “-localiza um restaurante e solicita a gasosa que eu pago!” O primeiro que apareceu na vista foi o próprio. Sem perda de tempo, pus-me dentro do Tia Maria, nome do restaurante que tem entre seus potenciais clientes homens angolanos e estrangeiros que prestavam serviço adjacente ao restaurante.
Dois a dois, quatro a quatro… Assim era composta as mesas daquela casa de alimentos que tem o leão como símbolo, seguido de um atendimento completamente europeu, à moda tuga, porque quem me deu as boas-vindas. Era um camarada com traços de um cidadão português que deve estar já na casa dos 40 anos. E quando abriu a boca foi suficiente para autografar o livro da desconfiança de que se tratava mesmo de um português ou angolano que viveu muito tempo por aquelas bandas.
O amigo que ia encontrar era o Agostinho Gayeta, um jovem consciente e determinado com os seus ideiais e objetivos, mas que usa a régua para medir os seus passos e contribuições na luta pela consciencialização do povo. Com os seus textos reflexivos e irônicos denuncia as atrocidades quando está em jogo o pensar diferente. É um modelo de pessoa do século XXI que teve uma carreira brilhante na média nacional por meio das suas reportagens na emissora católica de Angola e na Voz da América até o momento. Nesses dias, experimenta a vida mais profunda da comunicação corporativa.
Enquanto aguardava por ele, pensava no estado das detenções dos nossos amigos chamados golpistas desde a acusação pelo Ministério Público. Eles e as duas jovens que se encontram em liberdade provisória, serão julgados no dia 16 de novembro. A notícia caiu como água para toda a janela da liberdade e autoritarismo.
Assim, a Rosa Conde, uma das ativistas que foi constituída no processo dos presos políticos mais midiatizados da história, disse que a sua mãe teve uma crise ao tomar conhecimento pela Rádio Despertar que o julgamento será em novembro. Milhares de pessoas no mundo aguardavam a libertação dos presos políticos e como a pressão era tanta, fez-lhe algo que é raro acontecer em julgamentos midiatizados do país: estabelecer a data do julgamento com tanto tempo de antecedência!
É uma inovação ou é um tiro nos próprios pés face à pressão que a comunidade internacional e os angolanos mexendo até com a Igreja Católica no geral e padres em particular. Neste encontro, falamos de tudo um pouco. Da crise fabricada, dos presos políticos, do futuro desta juventude tida como frustrada e do silêncio das autoridades face à vigília dos ativistas que mexeu com o mundo, principalmente por conta da greve de fome de Luaty e agora Abano (há 10 dias).
Ficamos por aqui até a próxima viagem de candongueiro da liberdade.
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