Por Fernando Guelengue, Por dentro da África
Luanda – A iniciativa que muitos consideram ilegal, a aplicação de uma lei que não estava ainda em vigor para o caso da prisão domiciliária dos ativistas detidos desde o dia 20 de junho, foi um verdadeiro alívio espiritual para centenas de pessoas que estão a acompanhar de perto este “filme”. Assim, seguiu o candongueiro mais livre que a própria liberdade.
– Deixa-me na paragem do Zango por favor, ordenei o taxista que fazia a rota Cimangola-Cacuaco, despachando a família para mais uma jornada de trabalho que, com liberdade, dá sempre prazer.
A bateria do meu celular estava acabando… Bem rápido subiu uma jovem no banco da frente e um rapaz quando eu solicitei a sua compreensão para me ceder aquele assento para facilitar carregar o celular. O jovem aceitou sem muitos rodeios e comecei uma amizade com a Juventina Félix.
Até certo ponto cheguei a pensar que fosse filha do Félix Miranda ou irmã do jornalista Félix Abias, mas ela disse que os seus pais eram catetistas, ou seja, nasceram em Catete, zona conhecida como terra do primeiro presidente do país, Agostinho Neto. Ela foi simpática e não deu margem de abandono no diálogo quando afirmou que precisava chegar depressa em casa porque teria uma prova de recurso da cadeira de Recursos Humanos.
Depois da carga entrar um pouquinho naquele candongueiro com uma música boa, solicitei ao motorista para que me permitisse tocar algumas músicas agradáveis do meu celular. Coloquei no prato a música de Adão Minjy com o título Ndolo ku Muxima, em kimbundu que, em português, significa dor no coração.
– Ele canta bem! Disse a mais nova amizade que também vivia no Zango 3, bem na penúltima paragem. O motorista do candongueiro também estava a curtir o cenário nas calmas, sobretudo quando ela disse que não gostava de música romântica.
O carro acelerava na via expressa que não falta buracos. Quando passamos a ponte de Viana decidi fazer uma ligação. E como os presos não podem receber ligações porque os celulares estão com os agentes dos serviços prisionais, a chamada foi direcionada à Neusa de Carvalho, esposa e guerreira do jornalista e ativista Sedrick de Carvalho.
– Alô, boa tarde Neusa. Está tudo bem?
– Oi Guelengue, estamos bem sim. Respondeu a Neusa. Depois de umas falas não estávamos a nos entender bem e ela pediu para desligar e voltar a ligar. Fiz e consegui receber o endereço da nova casa do jornalista.
Posto na paragem aproveitei comprar algumas bananas e mangas para uma visita almejada. Tentamos em Kalomboloca e na prisão do São Paulo, mas fomos completamente barrados porque nem colegas e nem amigos podiam ter acesso.
Deixei o candongueiro e apanhei um cassule numa kupapata, até a uma paragem referência na qual o irmão mais novo do Sedrick de Carvalho e mais três me encontrariam. Vi um grupo de meninos a chegarem e jamais imaginei que fossem eles até que uma menina muito parecida com a Neusa de Carvalho cruzou um olhar comigo. – Você é irmã da Neusa não é? Sim tio, respondeu a menininha que aparentava ter mais ou menos 9 anos de idade.
Fui pensando o número de policiais que devia encontrar e quais seriam as exigências deles para conseguir visitar o escriba que deu-me um susto quando um dia antes desta deliberação de prisão domiciliária decidiu suicidar-se.
– Oh FG, Chegaste!
– Ya, mano Sedrick. Reagi a saudação e recepção do colega que estava ladeado de dois agentes devidamente armados e sentados na porta de entrada da sua residência. Essa era uma visão do beco, mas quando cheguei mais perto me deparei com mais dois na esquina e um me interpelou questionando se estava alí na qualidade de amigo ou colega. Apenas sei que respondi bem rápido sim sim e passei. Outro questionou o meu nome assim rapidinho para saber se estava na lista dos que estão permitidos a visitar.
Um grande abraço tomou conta de nós e o Sedrick disse: “Vamos entrar mano. – Aqui é a nossa mais nova casa”. Eu disse para ele ficar calmo que tudo ficaria bem, pois os que se encontram aqui fora da prisão estão a sofrer mais do que vós.
– FG esta senhora é a minha mãe. – Prazer em conhecer mãe e tens um filho bastante inteligente e promissor. E ela respondeu está bem. Eu sou mesmo a mãe deste senhor aí!
Falamos de tudo um pouco, começando no susto que ele deu à sociedade angolana e à comunidade internacional quando mencionou o suicídio. Enquanto matávamos as saudade dos tempos livres, a Neusa de Carvalho já bem motivada, fazia um bolo gostoso que brindava todos os visitantes, incluindo a sua sogra.
– Guelengue, bebes o quê? – Perguntou a Neusa. – Penso que apenas vou beber água. Muita gasosa também faz mal – Neusa, com o seu tom calmo disse que tem funje com uma boa kizaca e aceitei. Alinhem diante de um desafio bom e reconfortante. A Sadrine, a primogênita do casal estava bem motivada, mas apenas depois do seu pai ter cortado o cabelo e a barba toda porque não estava reconhê-lo.
Por que tanto aparato policial para a prisão domiciliária? Está foi a minha inquietação durante a minha visita. A comunidade nacional e internacional estão de olho nos ativistas e o Estado tem a responsabilidade de garantir a devida proteção deles. Segundo o próprio Sedrick, a residência ainda não tem quintal.
Afinal, os encontros são mesmo necessários porque o Sedrick ficou bastante descontraído e bem determinado. Quando arrumava as malas para partir, a Neusa recebeu a ligação do jornalista Paulo Sérgio a solicitar o seu endereço. Era uma campanha que o primeiro jornal diário privado estava a realizar em todas as residências.
Saí de lá com o sentimento de missão cumprida e tudo que ontem esteve complicado ficou mais calmo, sobretudo, tendo a missão moral e cultural de não deixar morrer os nossos compatriotas.