Burkina Faso: a retomada da transição democrática

0
337
Esse ato é um protesto contra a ditatura, a corrupção. A vassoura significa uma ferramenta pela cidadania

Por Janaína Oliveira, Por dentro da África 

Um novo capítulo na história de Burkina Faso começou há três semanas das primeiras eleições democráticas na história do país. No último dia 17, um grupo de militares da tropa de elite do exército, o RSP (Regimento de Segurança Presidencial), responsáveis pela segurança presidencial tomou o poder, depôs e sequestrou por alguns dias o presidente Michel Kafondo e o chefe do governo, Isaac Zida.

É uma longa história de idas e vindas, quebras de acordos, violações de direitos, cidadanias roubadas e, sobretudo, do protagonismo de uma população que levou tempo para se organizar, mas que, uma vez organizada, se recusa a ceder das conquistas alcançadas.

Em resumo, Dindéré foi por mais de 27 anos o braço direto de Blaise Compaoré, ditador que em 1987 assassinou Thomas Sankara, então presidente do país. Sankara que, nos anos 80, transformou a ex-colônia francesa do Alto Volta, em Burkina Faso, nome que composto por palavras vindas das duas línguas majoritárias no país (moré e dioula), que significa “terra dos homens íntegros”.

SANLARASankara foi um dos grandes líderes revolucionários do continente africano no período pós-independência, ícone da luta anti-imperialista e defensor dos ideias pan-africanos. Com sua morte em uma emboscada, possivelmente ordenada por Compaoré mas executada por Dindéré, Burkina viveu quase três décadas de franca decadência, sendo hoje um dos países mais pobres da África (5o país no fim da lista do IDH).

Em outubro do ano passado, o povo burkinabé depôs Compaoré. Este tentava mudar a Constituição para que pudesse ser candidato mais uma vez à presidência. No dia em que a proposta seria votada na Assembleia Nacional, o povo saiu às ruas liderado pelo movimento “Le Balais Citoyen” (literalmente, a vassoura cidadã), que, nos últimos anos, fez um belo trabalho de base, rearticulando a oposição e, sobretudo, a juventude do país para combater essa ditadura no intuito de varrer, de uma vez por todas, esses usurpadores do poder.

Claro que não foi assim fácil e as últimas duas semanas provaram isso. Foram centenas de mortos e feridos durante o confronto da população com o exército do RSP. Houve intervenção internacional através dos líderes do CEDEAO (Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental) e das atuações dos presidentes do Benin e Senegal, que foram para Ouagadougou, capital do país. Mas, o que de fato impediu que o golpe de Dindéré e do RSP se consolidasse no poder, foi a resistência do povo de Burkina Faso, sua veemente recusa em aceitar que, mais uma vez, seu destino democrático fosse interrompido.

Ontem Kafondo voltou a ocupar o cargo de presidente, retomando a transição política do país. Com seu retorno ao poder, volta o processo que em 11 de outubro culminará com eleição de novo presidente, encerrando de vez, assim se espera, esse período traumático na história da terra dos homens íntegros.

Nesta quinta (24), Burkina Faso amanheceu feliz e a população saiu às ruas novamente com suas vassouras da cidadania, mas dessa vez, para limpar as barricadas que protegiam a população das investidas dos carros do RSP durante os conflitos. E varreram, felizes e orgulhosos. Esse orgulho presente no modo de ser das pessoas de “Burkina” me impressionou. É um orgulho amável, íntegro. Ao conhecer o país, compreendemos que as mudanças promovidas e pretendidas por Sankara não findaram com a sua trágica morte.

E são com suas palavras que termino aqui. Palavras que Sankara usava sempre para encerrar seus famosos discursos e que foram repetidas e ecoadas com força nos últimos dias nas ruas do país:

“A pátria ou a morte, nós venceremos!”

https://www.youtube.com/watch?v=Ci_jKd62rFs

Janaína Oliveira é pesquisadora, é doutora em História e realiza pesquisas sobre Cinema Negro em África e na Diáspora Coordena também o Fórum Itinerante de Cinema Negro (FICINE)