Por Fernando Guelengue, Por dentro da África
“Quem fala verdade vai para o caixão. Que raio de democracia é essa? Esse é apenas um dos trechos da música de um dos artistas revolucionários que mexe com a governação angolana por mais de uma década. Também é esta a canção que ouvi hoje no último ‘candongueiro da liberdade’ de regresso à casa.
Não estava nos planos escrever um ‘candongueiro da liberdade’ ontem, até que, depois de uma reunião de trabalho, ouvi uma notícia que mexeu comigo. Alguém podia pensar que ouvi na rádio Cacuaco, por ser a que se encontra no município mais ao norte de Luanda, ou então, na rádio Ecclesia que já não recordo o dia em que ouvi porque as atrações profissionais já não labutam por esta praia, ou também na própria estação MFM, batizada por “mudei e gostei”, por congregar uma elite de escribas de tarimba com ofertas milionárias.
Ouvia a única rádio que emite para o país: a Rádio Nacional de Angola (RNA). E como eu estava caladinho num carro privado não pensei em candongueiro nenhum até ouvir uma apresentadora, não sei se era a Mara ou outra radialista, informando que o jornalista Sedrick de Carvalho, um dos integrantes do processo dos 15+2, decidiu acabar com a sua vida por meio de um suicídio.
Não acreditei. Se estivesse a ouvir uma notícia que favorecesse a oposição política acredito que seria uma mentira ou até um tipo de notícia fabricada. Afinal, a mentira pode acabar com uma verdade absoluta quando dizem que a mídia pública apenas serve a certos interesses. Dizem que na RNA também noticiam verdade! Isso é verdade mesmo, apenas quando lhes favorece porque respeitam a linha editorial.
Foi uma verdade que nunca esperava ouvir porque feriu o meu estado de humor o dia todo e mexeu com a cabeça de dezenas de angolanos que se encontram no país e além das fronteiras. Terminei a notícia e decidi ligar para a esposa deste que faz parte da minha agenda de jornalistas que merecem distinção.
-Oi Neusa, como estás? Perguntei na primeira ligação a tardinha, quando a informação ainda estava fraquinha.
– Olá Guelengue, não estou bem! Respondeu friamente a guerreira.
Decidi então publicar alguma coisa no mural do facebook e encontrei alguns colegas pedindo para sermos solidários com o Sedrick. São várias as mensagens a solicitar que o escriba não faça a vontade de quem o acusa. “Sedrick não vai morrer”, “Tudo vai ficar bem”, “Não abaixe a cabeça”, “Aguente a barra”, “Lute até ao fim”, “Deus está no Comando ” e outros.
Depois, decidi voltar a ligar para a esposa do jornalista que me detalhou a ocorrência.
– Oi Neusa, sabemos o que estás a passar e tens de ser mais forte ainda, mas me diga algo por favor: o que está acontecendo de fato? Dei uma dica mais soft devido à suposta pressão. Ela respondeu com todas as palavras.
– Guelengue, no sábado ele falou comigo alegando que estava cansado das injustiças que estão a acontecer diante de uma situação que ele considera não ter qualquer culpa. Disse que não iria mais ao tribunal nem mesmo a pedido do advogado porque não precisava mais a assistência do mesmo.
– Hoje, o meu esposo tentou se suicidar e tomamos conhecimento do problema porque alguém ligou à minha sogra e disse que ele havia tentado tirar a vida.
“Não faz sentido viver desta maneira”, disse a jovem, parafraseando o seu marido que se encontra ainda numa cela solitária sem acesso à visita de amigos, colegas e familiares.
Esperamos uma posição da mídia nacional e internacional em relação à decisão do jornalista que, segundo a sua carta de denúncia, os amigos têm sido alvo de torturas e de outras violações de direitos humanos.
A detenção ocorreu no dia 20 de junho do corrente ano e o julgamento na mesma data do mês de novembro. Queremos uma carta aberta de pessoas e instituições influentes ao presidente José Eduardo dos Santos, queremos atos de solidariedade.