Gerson Brandão, Por dentro da África
O rio Nilo flui do sul em direção ao norte pelo leste da África. Ele começa nos rios que deságuam no Lago Vitória (localizado entre Uganda, Tanzânia e Quênia) e, a mais de 6.600 quilômetros ao norte, desemboca no Mar Mediterrâneo. Os três principais afluentes são o Nilo Branco, o Nilo Azul e o rio Atbara, tornando o Nilo um dos maiores rios do mundo.
O Nilo foi e continua sendo fundamental para o desenvolvimento, sobretudo, do Egito, um país onde mais de 90% do território é coberto por áreas desérticas. Além do Egito, o Nilo e seus afluentes atravessam 10 outros países africanos como: Burundi, Tanzânia, Ruanda, República Democrática do Congo, Quênia, Uganda, Sudão, Etiópia e Sudão do Sul.
Assim sendo, tendo em vista os diferentes interesses e dinâmicas relacionadas ao rio Nilo, não é de se estranhar que o anúncio do governo etíope de construir uma barragem no Nilo Azul, esteja causando tanta polêmica. A “Grande Barragem do Renascimento Etíope” (identificada pela sigla em inglês, GERD), em construção desde 2011, será a maior hidrelétrica da África, quando entrar em operação.
Este projeto visa fornecer eletricidade para mais de 65 milhões de etíopes (quase 2/3 da população do país), que carecem de abastecimento regular e convivem com constantes cortes de energia. O Egito, há muito tempo, se opõe a qualquer projeto de desenvolvimento no rio Nilo que possa reduzir a quantidade de água que o país recebe e, considera o projeto etíope uma ameaça eminente não apenas para a economia egípcia, mas para a própria existência do país.
Egito e Etiópia, junto com o Sudão, são os 3 países por onde passa a corrente do Nilo que tem origem na Etiópia, chamado o Nilo Azul. Os três países vêm negociando há quase uma década um compromisso que resolva de maneira justa e amigável, os diferentes interesses e necessidades relacionadas com as águas do Rio Nilo.
Em 23 de março de 2015, em Cartum, capital do Sudão, os três países assinaram
um “Acordo de Princípios”. Entre alguns pontos, o documento destacou o ‘espírito de cooperação’ que deveria existir dentro da gestão do projeto. Entretanto, o Egito sente que exatamente esse ‘espírito de cooperação’ inexiste, pois apesar das negociações, a barragem continua a ser construída. Outro ponto relevante é a violação da Convenção das Nações Unidas sobre os ‘Cursos de Água’, que exige que os países rio acima consultem os que estão rio abaixo antes de iniciar projetos de tal magnitude.
O Nilo é visto como a força vital do Egito. Sem as águas desse rio, é a sobrevivência do país que está em risco. Dentro das discussões sobre a construção da represa, o governo egípcio afirma repetidamente que continua comprometido com a resolução por meio de negociações. Mas, geralmente, adiciona a advertência de que ‘todas as opções permanecem na mesa’ – uma frase que muitas vezes alude a um possível conflito militar entre os dois países.
O povo egípcio considera a questão da barragem uma questão de ‘vida ou morte’. Uma afirmação que é particularmente verdadeira, especialmente se houver, como previsto no projeto, uma redução substancial da quantidade de água que chega ao Egito em função da nova barragem.
Não apenas no Egito a bacia do Nilo garante o sustento de milhões de pessoas, mas também na Etiópia, Sudão e Uganda, principalmente como água para a agricultura e energia hidrelétrica. Os recursos trazidos pelo rio são o foco de projetos de desenvolvimento, não apenas entre os países rio acima e rio abaixo, mas também de países fora da região.
O papel vital da União Africana na resolução de conflitos
O conceito de um projeto de barragem tão grande foi concebido pela primeira vez pelo imperador etíope Haile Selassie, um dos artífices da ideia de unidade Africana, que culminou na criação da União Africana, na década de 1960.
Cidadãos etíopes ajudaram a financiar o projeto da barragem orçado em 4,6 bilhões de dólares, com pequenas doações individuais, tornando o projeto um importante ponto de orgulho nacional, além da inegável importância para a infraestrutura do país.
Para a Etiópia, a energia gerada pela barragem é essencial para o desenvolvimento econômico do país. Além disso, a água retida no reservatório da barragem ajudará o país a atender às necessidades de água da população.
A Etiópia é um país constantemente afetado por secas, o que prejudica a agricultura com efeitos catastróficos na segurança alimentar da população. O Egito e o Sudão solicitaram, sistematicamente, que a Etiópia não começasse a encher a barragem até que os países chegassem a um acordo sobre gerenciar os fluxos de água durante as secas ou mesmo durante estações chuvosas.
Em julho passado, após a estação de chuvas mais forte dos últimos 60 anos, que causou inundações incomuns em várias partes do país, a Etiópia anunciou que havia finalizado a primeira fase de enchimento da barragem de 74 bilhões de metros cúbicos, provocando uma reação violenta dos governos do Cairo e de Cartum.
Agora, e graças ao enchimento parcial da represa, a Etiópia poderá testar duas das turbinas de geração de energia do projeto. O país planeja encher o restante da barragem nos próximos cinco anos. Uma perspectiva que preocupa profundamente o Egito, que depende exclusivamente do Nilo para ter acesso à água potável. Para o Egito, qualquer redução no fluxo de água pode ser devastador, pois hoje, 95% dos egípcios vivem a poucos quilômetros do rio Nilo.
Há uma infinidade de canais que trazem água do Nilo para irrigar fazendas e abastecer cidades. O Nilo apoia a agricultura e a pesca. Historicamente, o rio também serviu como importante rota de transporte por milhares de anos no Egito antigo. Mas agora, com a primeira fase de enchimento da barragem concluída, a pressão será ainda maior para que a União Africana faça jus ao ideal de unidade e solidariedade promovido pelo próprio Haile Salassie para resolver essa disputa de uma vez por todas.