Natalia da Luz, Por dentro da África
Rio – Quando o dia amanhece em Mathare, Nairóbi, as crianças vão correndo para as escolas, um porto seguro para o presente e uma chave para o futuro. Nesse sentido, duas brasileiras incentivam-nas. A partir de uma campanha de plantação em sacos (que você pode ajudar), Tatiana Belluf implantou a “Saco Vazio Não Para em Pé”. Com o apoio de Manoela Baltar, o projeto vai garantir a alimentação de mais de 800 crianças pelos próximos três anos.
– Uma amiga que passou uma temporada como voluntária aqui me contou sobre as plantações em sacos, e eu amei a ideia. Daí, eu comecei a pesquisar como eu poderia fazer isso também. Escrevi e apresentei o projeto ao AIESEC (a maior organização de jovens universitários do mundo, com mais de 86.000 membros) de Nairóbi, e eles aprovaram – contou, em entrevista ao Por dentro da África, Tatiana, que já havia trabalhado em projetos com crianças em Santa Catarina, sua cidade natal, e que, desde cedo, já tinha escolhido a sua estrada: trabalhar com crianças.
A estudante, que está no quinto ano de nutrição da Universidade Federal de Santa Catarina, foi apresentada ao AIESEC pelo irmão e, desde então, ficou apaixonada pela ideia de viajar e trabalhar como voluntária. Quando sua amiga Ana lhe mostrou fotos de Nairóbi, inclusive de voluntários em plantações, ela decidiu para onde ir. Inspirada, ela manteve contato com as pessoas que contribuíram com o projeto em 2011, até embarcar para o país em dezembro do ano passado.
Neste processo de intercâmbio (que geralmente dura de 6 a 12 semanas), a brasileira destaca que, normalmente, o jovem se candidata a várias vagas e faz várias entrevistas até ser selecionado. Com a sua proposta direcionada para as duas escolas de Mathare, ela foi rapidamente contratada.
– Como eu só tinha o dinheiro para a minha viagem e não podia gastar além do planejado, resolvi abrir a fan Page “Saco Vazio Não Para em Pé” para arrecadar dinheiro para a plantação. A meta inicial era dar subsistência às crianças de 2 escolas, pois foi o que a AIESEC conseguiu planejar antes de eu chegar aqui. Mas agora, a meta dobrou – vibrou Tatiana, de 23 anos, que além de ter implementado o projeto nas escolas de Mathare, ajudou uma escola de Uganda e agora contribui em Mukuru, ao lado de outra brasileira (Manoela Baltar). Ao todo, a iniciativa dela vai beneficiar, pelo menos, 820 crianças!
Unindo forças em Childrock
Há seis semanas, Manoela Baltar, de 22 anos, desembarcou para trabalhar como voluntária no Quênia e descobriu que, em nome de um bem maior, deveria ir além de suas atividades pré-estabelecidas no programa de intercâmbio. A brasileira promoveu a campanha Impact Kenya: uma campanha pela África (que você pode ajudar até o dia 19 de fevereiro) de arrecadação que vai garantir a reforma da escola Chilrock na favela de Mukuru, que abriga mais de 200 crianças.
Estudante de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Manoela disse que, desde que teve a ideia do voluntariado, optou pela África. Por trabalhar na AIESEC do Rio de Janeiro, ela teve um olhar mais crítico em relação à reputação dos escritórios da organização por toda a África e já sabia que a cidade de Nairóbi concentrava projetos nos quais ela gostaria de trabalhar.
– Sabia que queria vir aqui e fazer algo que pudesse durar e ser aproveitado, mesmo depois da minha volta para o Brasil, algo que realmente fizesse diferença na vida das pessoas a longo prazo – contou, em entrevista ao Por dentro da África, Manoela, que está vivendo com uma família queniana que a abraçou como filha.
Quando chegou, a carioca ficou inquieta porque percebeu que poderia multiplicar as suas atividades e a sua missão por lá. Inspirada pela ideia de Tatiana, ela decidiu unir a reforma da escola à segurança alimentar para as crianças. Em sua segunda semana de intercâmbio, ela contatou Tatiana e deu uma incrementada no projeto e na vida das crianças de Childrock.
A Iniciativa Childrock nasceu por causa da preocupação social com os órfãos do HIV e outras crianças vulneráveis, inicialmente nas favelas “Mitumba” e, mais tarde, nas favelas Mukuru Futa Nyayo. Como a maioria dos assentamentos não é planejada, a área carece de ajuda. A maioria das crianças da região é diretamente afetada pela pobreza, insegurança alimentar e pelo HIV.
– Minha campanha surgiu baseada no trabalho do Bruno Sterenberg (que arrecadou cerca de 30 mil reais e, com este dinheiro, comprou o terreno da atual escola, construiu um banheiro, comprou materiais escolares para todas as turmas, alimentos e efetuou o pagamento de salários a todos os professores). Eu já sabia que queria ajudar alguma instituição da forma que ele fez e, conversando com ele ainda no Brasil, soube que a situação da Childrock era bem precária, mesmo depois disso tudo.
A Childrock sobrevive com a contribuição de indivíduos, como o diretor e fundador da escola, Eric Mathew, e outros intercambistas que já passaram pela escola e decidiram fazer sua parte por ela, como Manoela, que decidiu arrecadar fundos para finalizar a construção da nova escola e implementar o projeto de alimentação.
– Meu objetivo final é R$18 mil reais, para que a escola nova seja completamente finalizada e as crianças possam estudar em um ambiente melhor. Isto inclui acabamento na estrutura, pintura e itens escolares, tais como carteiras e quadros-negros. Minha meta foi reduzida porque, no início, ela incluía o valor necessário para compra dos materiais das plantações, mas o orçamento do projeto Saco Vazio Não Para em Pé ficou mais folgado do que o esperado e a Tatiana resolveu financiar sua implementação na Childrock também!
Manoela conta que está fazendo os investimentos conforme o dinheiro entra e se certificando de estar presente para coletar os recibos de todas as compras. Por se tratar de uma obra, o processo será mais demorado do que a sua estadia no Quênia. Por isso, uma pessoa ficará responsável pelo monitoramento da finalização da obra, depois que ela retornar ao Brasil.
Saco Vazio Não Para em Pé: Projeto em funcionamento nas escolas
Na primeira escola, que possui cerca de 400 crianças, Tatiana plantou cinco sacos de couve, espinafre e coentro, mas o projeto tem uma preocupação que vai além… O cultivo dos vegetais é o pilar da iniciativa, mas ela também precisa de água, cozinha, materiais e tudo que estiver envolvido para aproveitar os vegetais que são plantados. As plantações são feitas levando em conta a necessidade do local e o espaço disponível (na primeira escola, era de 6x3m; na segunda, de 6x6m).
– O objetivo é garantir que os alimentos cheguem às crianças da melhor maneira possível. Após limpar o espaço, comprar os materiais e realizar as reformas necessárias, começamos o trabalho com as crianças – explica, lembrando que todas as turmas da escola possuem uma aula teórica com o queniano Musa Juma, que participou do projeto de plantações em 2011.
A origem das plantações
A ideia para a plantação surgiu da ONG francesa Solidarites International, que começou com esta técnica em Kibera (a maior favela de toda a África) no ano de 2011. Musa Juma virou um grande amigo e aliado de Tatiana, mas só esteve presente dois dias durante a sua campanha. O queniano foi há 3 semanas dar aulas teóricas e práticas para as crianças da primeira escola e, ontem, ministrou na segunda escola.
– Em 30 minutos de aula teórica, abordamos todo o ambiente que envolve os “sacos”. Os materiais necessários e os motivos pelos quais eles são usados. Também falamos de reciclagem e da questão ambiental ao explicar o que as plantas necessitam para viver bem e crescer. O povo queniano enfatiza a necessidade de os vegetais serem orgânicos e a desvantagem dos fertilizantes químicos – destaca a voltária nascida em Cuiabá (MT).
A proposta da “plantação em sacos” já existia. A estudante fez uma adaptação à situação das escolas que ela já sabia que ia trabalhar e escolheu a couve e o espinafre como os principais vegetais. Além disso, a intenção é de que as crianças mais velhas passem a ideia adiante e levem-na para as suas casas, em vez de só ajudarem a plantar na escola
– Duas crianças de cerca de 10 anos chegaram para mim com vários sacos, depois que havíamos terminado o plantio, dizendo que estavam indo para o homework. Fiquei tão feliz!!!
Neste processo de plantação, vale ressaltar que os sacos não ficam guardados prontos. Tatiana os compra vazios e os preenche no local onde eles ficarão pelos próximos 5 anos. Os sacos são bem fortes e pesam cerca de 90 kg. Os materiais mais pesados como terra e fertilizante são transportados nas carroças das favelas.
Garantia de refeição
No país, onde a atividade rural é responsável por empregar mais de 70% dos quenianos, a subnutrição ainda é um grave problema. De acordo com o ranking da Organização Mundial de Saúde de 2009, o Quênia é considerado o 41º país em níveis de subnutrição do mundo. Os cultivos mais expressivos são: milho, trigo, soja, mandioca, banana, batata e especialmente chá e café.
Tatiana conta que, na primeira escola, as crianças só tinham uma refeição por dia; o almoço só começou a valer depois que ela consertou a panela e ajeitou a cozinha.
– Na segunda escola, a situação é melhor. Eles têm o café da manhã e o almoço. A escola tem mais estrutura, pois recebe apoio do projeto brasileiro 50 sorrisos, que reformou a escola. Mas ainda assim, a vida das crianças ao sair da escola não é fácil. Não acho que elas se alimentem em casa. Por isso, a importância de uma alimentação adequada garantida no ambiente escolar.
A campanha
O amigo Rodrigo Acosta fez a logomarca, e o irmão revisou o texto da campanha, que já recebeu a ajuda de muita gente a partir do facebook. Na página, Tatiana explica melhor como a doação de qualquer pessoa pode contribuir. Para se ter uma ideia, com apenas R$10,00 é possível garantir duas refeições ao dia para duas crianças durante cerca de três anos.
– Agora, estou terminando a 2ª escola nesta semana. Na verdade, terminei tudo hoje; amanhã, só vou organizar tudo e assinar o “contrato” com as crianças. E vamos plantar hoje à tarde na ChildRock!
Manoela contou que, durante a plantação de hoje, a presença das crianças foi fundamental, para que eles tivessem um senso de responsabilidade em relação ao alimento que a horta vai lhes prover.
– Geralmente, este é um momento de ótima interação entre nós, do projeto, e as crianças. Elas gostam de ver que estamos ali fazendo aquilo por elas, e nós gostamos. A partir daquele momento, elas não precisam depender de mais ninguém para ter seu alimento!
Com o retorno marcado para daqui a duas semanas, Tatiana espera garantir uma alimentação segura para os próximos anos.
– O meu maior desejo é que as crianças tenham alimentos nutricionalmente saudáveis e necessários ao seu desenvolvimento e aprendizado, garantidos ao menos 1 vez ao dia.
Você também pode contribuir com a campanha de segurança alimentar doando qualquer valor para (Banco do Brasil /Agência: 1453-2 /Conta Corrente: 49719-3 /Favorecido: Tatiana Belluf Inoue). A prestação de contas e o acompanhamento estarão aqui!
Para contribuir com a campanha da reforma na Childrock, você também pode doar qualquer valor para (Banco Santander / Agência: 4212 / Conta corrente: 01003438-4 / Favorecido: Manoela Baltar da Silva /
CPF: 129.125.777-21). A prestação de contas e o acompanhamento estarão aqui!
Trabalho Voluntário de Brasileiros na África
O trabalho voluntário de brasileiros vem se destacando no continente africano. Em reportagem recente, Por dentro da África divulgou o trabalho de Mariana Nicolau Oliveira “Se a Sorte lhe Sorriu, Por que Não Sorrir de Volta”.
As três estudantes (Mariana, Tatiana, Manoela) formaram parcerias. A ajuda mútua em seus projetos criou uma amplitude maior, uma forma de ultrapassar suas próprias metas. A cumplicidade para o “Bem” serve de exemplo para tantos brasileiros que atuam no voluntariado.
Por dentro da África