Natalia da Luz, Por dentro da África
Túnis, Tunísia – Dentre as muitas interpretações, o sentido de dignidade se apresenta sobre os pilares dos direitos humanos e da justiça. No Fórum Social Mundial de Túnis, na Tunísia, esse é o mantra do encontro que reúne milhares de organizações e mais de 50 mil pessoas em debates que atingem, principalmente, os países em desenvolvimento. A democracia, igualdade entre os sexos, liberdade de expressão, acesso ao próprio território são temas que regem o fórum deste ano, organizado no norte da África.
O encontro acontece em um momento crucial para os movimentos sociais, que ganharam impulso após a queda do ex-ditador tunisiano (Zine al Abidine Ben Ali) em 14 de janeiro de 2011. A nação foi o ponto de partida para a Primavera Árabe (onda de revoltas e protestos pela democracia no norte da África e Oriente Médio) com o seu primeiro mártir da revolução: Mohamed Bouaziz, que em protesto à corrupção e à ditadura de 23 anos, ateou fogo ao próprio corpo em dezembro de 2010. Há um mês, outro jovem, Adel Khazri, de 27 anos, fez o mesmo chamando a atenção do mundo para as mudanças que ainda precisam ser realizadas na Tunísia.
Todo esse movimento gira em torno da dignidade, dos direitos ao trabalho, à vida, ao território, aos recursos naturais, à liberdade – segundo coro dos tunisianos que erguem a bandeira da Tunísia, mas não apenas do seu país. A busca por essa justiça social faz com que seus conterrâneos africanos participem de lutas que estão além de suas próprias fronteiras, como a da Palestina (que expõe o drama da perda de assentamentos para Israel) e o Saara Ocidental (que reivindica parte do seu território sob controle do Marrocos).
– Eu nasci aqui, mas apoio a luta dos palestinos. Sabemos que há muita coisa injusta que acontece diariamente na vida deles. Muitos africanos estão unidos em favor desta causa. Quanto mais apoio, maior será a pressão para fazer com que a situação deles seja, finalmente, revista. Mostrar esse problema no Fórum ajuda a disseminar as informações pelo mundo – conta ao Por dentro da África, a estudante tunisiana Obaia, abraçada à bandeira palestina.
Voz das mulheres
A Marcha das Mulheres, que abriu o Fórum Social Mundial na tarde de ontem, levou milhares de participantes às ruas do centro de Túnis, capital do país. Durante a caminhada de quatro horas, foi possível constatar a liberdade das mulheres em se expressarem e lutarem por diferentes causas, o que talvez não fosse possível antes da revolução de 2011. Por outro lado, para muitas delas, ainda falta um novo desafio a ser superado: a igualdade entre os sexos.
– A nossa referência está nos direitos humanos, e hoje temos um modelo de governo que não respeita a igualdade. Não há nada na lei que diferencie homens e mulheres. Não temos os mesmos direitos, os mesmos salários e a proteção que deveríamos. A violência contra as mulheres cresceu muito nos últimos anos, e o abismo financeiro e social também aumentou – diz Fathia Rizem, da Associação Democrática de Mulheres Tunisianas.
Dezenas de bandeiras serão hasteadas e tremuladas nas dependências, auditórios e assembleias da Universidade El Manar, em Túnis, até o próximo sábado, quando o encontro termina. Andando pelas ruas e corredores da instituição, três delas (bandeiras) ganham destaque: a da Tunísia, país que abriga e lidera discussões como violência contra a mulher e democracia; a da Palestina, que recebe do continente africano a solidariedade para permanecer na luta pelo seu território e a do Saara Ocidental, que vê seus habitantes sendo deslocados por Marrocos, o vizinho do norte que, segundo os saharauis, deseja controlar uma saída estratégica para o Oceano Atlântico.
– Nós, do Saara Ocidental, viemos para mostrar a nossa luta e sensibiliar o mundo. Muitas pessoas deconhecem a nossa condição, e queremos expor a violência, os ataques e a injustiça que estão sendo impostos aos nossos habitantes e ao nosso territórrio, rico em recursos naturais – conta o líder da delegação do país Mohamed Dih Naucha, enquanto mostra cartazes de vítimas do conflito.
O território que faz fronteira com Marrocos, Argélia e Mauritânia está na lista de países não-autônomos, desde 1960. Em 2003, o enviado especial da ONU, James Baker, apresentou um plano para oferecer autonomia à região, colonizada pela Espanha entre 1884 e 1975. A proposta daria autonomia ao país para preparar um referendo, oferecendo aos habitantes a possibilidade de escolha entre a independência ou a integração com Marrocos (que rejeitou a proposta).
Fórum para a África
A realização do evento representa um avanço para o norte da África, pois favorece os debates e dá voz às causas da região conhecida como Magreb, que inclui Marrocos, Saara Ocidental, Argélia, Tunísia, além de Mauritânia e Líbia (os dois últimos fazem parte da Grande Magreb).
O Fórum Social Mundial, que nas discussões africanas trata do desenvolvimento e solidariedade, tem raízes no Brasil em 2001. Ele foi criado em Porto Alegre, como resposta ao Fórum Econômico Mundial, na Suíça. Enquanto os países ricos debatiam as suas estatísticas e projeções econômicas, o mundo em desenvolvimento buscava soluções para tantas questões em comum. Após o Brasil (em 2001, 2002, 2003), o encontro social também passou por Índia (2004), Quênia (2007) e Senegal (2011), antes de desembarcar na Tunísia.
– A minha organização retrata uma necessidade de reconciliação da África com o mundo. Queremos que os países vejam o nosso continente como um produtor, um exportador, um criador. Temos criatividade e potencial para isso. Não precisamos de dinheiro, de subsídios, de doações, apenas de oportunidades – afirma em entrevista ao Por dentro da África, o nigeriano Henri Aboui, que representa a JDPC (Justice Developmente and Peace Comission).
Todo esse movimento reforça a importância da sociedade civil, lembrando que o fórum não é feito apenas de organizações. Simpatizantes e ativistas de todo o mundo se encontram nas ruas em busca de soluções para obstáculos e problemas compartilhados por outros povos. Esse debate, seja sobre a Palestina, sobre o continente africano ou qualquer outro canto do planeta (de 7 bilhões de pessoas) é um bom caminho para pensar que um novo mundo é possível.
Por dentro da África