Do campo de refugiados no Quênia para as pistas de atletismo do mundo

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Natalia da Luz, Por dentro da África 

Artigo publicado no Portal AHE!

Londres, Inglaterra – Os pés descalços o tiraram da escuridão. Foram mais de três dias e três noites correndo de um cenário que não é pesadelo, é real ainda hoje em regiões de conflito. Na fuga, ele deixara para trás aqueles que o mantiveram como uma criança-soldado por quase um mês, inserindo-o em uma guerra civil que parece interminável ainda hoje. Lopez Lomong saiu do Sudão do Sul e percorreu mais de 100 quilômetros até chegar a um campo de refugiados do Quênia. Após 10 anos vivendo como refugiado na África, ele cruzou o oceano para correr até o pódio nos Estados Unidos.

–  Ter feito parte da última Olimpíada significa muito, inspira e estimula os outros que vivem na condição em que eu vivi – contou em entrevista especial o atleta finalista dos 5 mil metros em Londres 2012 e semifinalista da categoria na Olimpíada de Pequim, em 2008.

Comunidade onde Lopez cresceu - Sudão do Sul - Arquivo pessoalNa infância, as pernas eram o principal meio de transporte. Correr mais rápido significava chegar ao destino mais cedo. Ele também gostava de competir com os irmãos (quatro meninos e uma menina) para mostrar que poderia ser o mais veloz deles. E era! Os pais o chamavam de “Lopepe”, que, na língua local, significa rápido. À diversão e à necessidade de correr foi adicionado o sentimento de refúgio das lembranças do atleta de 29 anos, que hoje corre pelos Estados Unidos.

No campo de refugiados Kakuma (próximo à capital Nairóbi), ele fora adotado por uma família estadunidense e se mudou para viver no lugar que ele chama de “paraíso”. Lopez já esteve do lado oposto… Ele foi sequestrado aos seis anos e obrigado a lutar em uma guerra que aniquila, ao longo das décadas, a infância de milhões de jovens em toda a África. Estima-se que hoje existam cerca de 250 mil crianças nessa situação em todo o mundo. O país que mais vivencia essa tragédia é a República Democrática do Congo, que segundo a Unicef, concentra mais de 2 mil crianças nas mãos de grupos armados.

Mapa do país após o referendo em 2011 que dividiu oficialmente o território em Sudão e Sudão do SulO Sudão (que era o maior país do continente em extensão, antes da divisão) enfrenta uma tragédia humanitária. O país foi dividido há pouco (em 2011, após um referendo) para tentar amenizar uma guerra civil entre a região do Sul (majoritariamente católica) e a região do Norte (majoritariamente islâmica). Presidente desde 1989, Omar Al-Bashir foi julgado pelo genocídio em Darfur (região oeste do país – palco do conflito entre os janjawid – recrutados por tribos nômades africanas de língua árabe contra os povos não-árabes da área), mas ainda não pagou pelos seus crimes… Estima-se que o número de mortos deste genocídio chegue a 400 mil.

– O país em que eu vivo hoje é um paraíso para mim, porque me deu cidadania (em 2007, ele foi naturalizado), educação, emprego e oportunidade para realizar meus sonhos – diz Lopez, que fez o High School e seguiu para a Northern Arizona University em 2011. A partir do esporte, ele pode dar uma vida melhor para a família (que hoje vive no Quênia) e levar dois irmãos para o país que ele aprendeu a amar.

Longe da África, Lopez corre das lembranças do passado ao encontro de um futuro dourado. Nos Estados Unidos, ele cursou administração de restaurantes. Durante o treinamento e os torneios, ele esteve ao lado dos melhores corredores do mundo, o que potencializou o seu desejo de correr.

Vida de atleta

Lomong ouviu falar de Olimpíada pela primeira vez em 2000, quando viu Michael Johnson correr os 400 metros. No início de 2008, aos 23 anos, ele decidiu que seria profissional. E seguiu a sina: em Pequim, ele ficou na 17ª e, em Londres, na 10ª posição entre os melhores do mundo.

-Pequim foi uma experiência indescritível. Carregar a bandeira dos Estados Unidos na cerimônia de abertura também foi algo incrível. Eu tenho orgulho do país e espero que possa inspirar outras crianças a realizarem seus sonhos – conta o ex-refugiado que viveu em Kakuma, que, no ano passado, recebeu 4.500 sudaneses.

Lopez em torneio dos 5 mil metros - Arquivo Pessoal

Sobre Londres, foi um novo degrau em sua vida profissional. Ele foi o décimo melhor do mundo, com uma final em seu histórico de vencedor.

– Eu vivo do esporte hoje e vejo o quanto ele é importante em uma comunidade onde falta tanta coisa e a violência é um problema. Ele promove esse senso de unidade e identidade, que acaba criando um movimento de solidariedade nacional –diz Lopez.

Inspirando atletas no Sudão

Como fonte impressa de inspiração, ele escreveu “Running for my life”, que revela desafios, barreiras e fronteiras que precisou ultrapassar. O livro parte de um cenário que ele recorda com saudade: Kimotong, cidade natal que ele visita para desenvolver um programa de apoio aos conterrâneos.

Comunidade onde Lopez cresceu, no Sudão do Sul - Arquivo Pessoal

-O “4 South Sudan” é um programa da minha fundação que leva saúde, educação, nutrição e água potável para os sudaneses do sul. Alguns atletas dos Estados Unidos também dão suporte à iniciativa como Kara Goucher, Shalane Flanagan, Sanya Ross e Josh Cox. – fala com orgulho.

Lopez treina pelos Estados Unidos no time de Portland (noroeste do país), mas espera, em breve, se envolver em programas de treinamento para ajudar a formar os atletas sudaneses do futuro.

-Muitos jovens vêm superando desafios e trabalhando juntos para fazerem coisas positivas pelo país. Eu espero que eles se entusiasmem para unir outros cidadãos. Eu espero ver o Sudão do Sul com atletas levando a nossa bandeira na Olimpíada do Rio 2016.

Artigo publicado em 2012 pelo Portal AHE! 

Por dentro da África