Natalia da Luz – Por dentro da África
(artigo publicado no G1, em 2009)
Cidade do Cabo – Nelson Mandela, principal líder da luta anti-apartheid na África do Sul, e Jacob Zuma, atual presidente do país, ficaram presos em Robben Island, na Cidade do Cabo, durante 18 e 10 anos, respectivamente. Tempo de sobra para que eles experimentassem todos os horrores de um regime de segregação que também castigou vários prisioneiros anônimos.
Hoje, alguns desses anônimos voltam à ilha para contar um pouco sobre esse período da história sul-africana.
Durante um tour pela Robben Island, que fica a cerca de 20 minutos de barco do centro da Cidade do Cabo, os turistas (700 por dia na baixa temporada, 2.000 na alta) ouvem dos guias os detalhes de como era o dia a dia na prisão de segurança máxima.
– Além da opressão, tínhamos que manter toda a ilha limpa e fazer a nossa própria comida, seguindo um cardápio definido por quem nos controlava – conta Itumeleng Malcuela, de 50 anos, que foi prisioneiro por sete anos. Ele nos mostrou uma prova de que havia segregação até mesmo na hora da refeição. Existia um menu para os negros e outro para os coloureds (denominação para os que não são negros nem brancos) e indianos.
Os prisioneiros eram divididos pelos sete setores em que se dividia a prisão de acordo com o grau de periculosidade. Zuma, por exemplo, era da ala G, diferente da de Mandela, a B, dedicada aos presos mais perigosos e líderes anti-apartheid. Mandela passou a maior parte do tempo na cela 4. Ele era o prisioneiro 466/64.
Malcuela nos mostra a cela lembrando que, por pouco, não conheceu o Nobel da Paz de 1993.
– Cheguei um ano depois de ele ter sido transferido”, lamenta o preso de número 18/83, morador da Robben Island entre 1983 e 1990. – Os dois últimos números são referentes ao ano em que a gente chegava aqui. Por isso, o meu é 83, e o do Mandela, 64 – explica o sul-africano aprisionado por participar de movimentos e protestos.
A prisão ficou conhecida como um dos símbolos do apartheid, mas a história dela é antiga. No início do século XVII, abrigou prisioneiros políticos, depois foi base militar dos ingleses antes de voltar a ser prisão. Entre 1910 e 1960, com a epidemia de lepra no país, a ilha passou a receber os doentes, que eram tratados em hospital especial e enterrados em cemitério só para as vítimas da doença. A prisão para os milhares que lutavam contra o apartheid passou a funcionar a partir de 1960.
– Após 31 anos (em 1991), ela foi desativada para os presos políticos. Ganhamos liberdade, e os prisioneiros que ficaram aqui eram criminosos comuns, sem relação com a nossa luta – diz o guia.
O local se tornou museu e atração turística em 1996. Toda a história é contada durante o tour de duas horas, com paradas em pontos estratégicos, como o setor B da prisão (onde Mandela morou), o cemitério para os doentes com lepra e a caverna onde os negros se reuniam para estudar e, especialmente, para falar sobre o apartheid, quando não estavam nas celas ou trabalhando.
– Corríamos para lá para conversar sobre o nosso destino e o futuro da África do Sul. Antes de anoitecer, voltávamos – diz Malcuela, completando que, de volta à cadeia, muitas vezes, eles dormiam no piso gelado. Para passar o tempo e, quando eram autorizados, ele e outros prisioneiros praticavam esportes. Mesmo controlados, vigiados, eles conseguiam alguns momentos de distração. Em relação às visitas de seus familiares, ele lembra que o encontro só acontecia de três em três meses.
– Além de esperar esse tempo todo, nós não poderíamos nos comunicar em nossa língua materna. Éramos obrigados a falar em inglês, acredita?
Ouvir um pouco sobre a história da África do Sul é interessante e surpreendente para quem vem de longe e visita a ilha pela primeira vez. Poder entrar na cela onde Mandela ficou preso durante tanto tempo é surpreendente.
Por dentro da África