Natalia da Luz, Por dentro da África
Rio – Debruçada sobre a cultura do seu próprio povo, a fotógrafa Joana Choumali quer destacar a identidade africana de mulheres de diferentes partes do continente. Partindo da pergunta “A tradição é tão importante para nós como costumava ser no passado?”, a artista organizou seu projeto, chamado Resilientes, pensando em como definir as mulheres no século XXI resgatando a importância da tradição.
Joana lembra que a definição de resiliência é o poder ou capacidade de retornar à forma original, à posição, é a capacidade de se recuperar rapidamente de uma doença, da depressão, da adversidade. O dicionário Houaiss (2001, p. 2347) caracteriza o verbete como propriedade que alguns corpos apresentam de retornar à forma original, capacidade de se recolocar facilmente ou se adaptar à má sorte ou às mudanças.
– Origens e tradições persistem, mesmo em um mundo em que nós ainda temos tantas informações e influências. Mulheres são resilientes, mulheres africanas, em particular. Mas eu acho que as mulheres de todo o mundo podem se relacionar com esta ideia – contou Joana em entrevista exclusiva ao Por dentro da África.
Com uma série de 30 fotos e 30 personagens (de países como Chade, Sudão, Senegal, Mali e Madagascar), a artista conta que optou por modelos urbanas que vivem atualmente na cidade de Abdijan, maior cidade da Costa do Marfim. Ao longo do processo de produção, Joana pediu que as mulheres usassem roupas tradicionais, que pertencessem à mães, avós ou tias. Um detalhe era de que as roupas já estivessem desgastadas, que pudessem contar uma história.
– Como uma viagem de volta no tempo, essas mulheres usaram roupas de um ancestral. Através desta abordagem, elas sentiram emoções contraditórias: alegria e tristeza, nostalgia e, às vezes, algumas sentiram desconforto ao usar roupas de uma avó falecida, de uma mãe amada e admirada, de um parente com quem tiveram questões que não foram ditas…
Diante de um armário de t-shirts e calças jeans, muitas modelos mudaram de atitude ao vestir roupas tradicionais. Joana conta que, nesse trajeto entre o moderno e o tradicional, elas tiveram uma postura mais séria, um olhar mais profundo, um ar de celeridade e maturidade com memórias de tias, mães e irmãs mais velhas.
Modernidade x Tradicional
No livro “Consequências da Modernidade”, o sociólogo britânico Anthony Giddens lembra que, quando falamos de modernidade, nos referimos às transformações institucionais que têm suas origens no Ocidente. Se formos pensar em agrupamento institucional, tanto o estado-nação quanto a produção capitalista sistemática têm suas raízes em características específicas da história europeia e têm poucos paralelos em períodos anteriores ou em outros cenários culturais.
“A mudança radical da tradição intrínseca para a reflexividade da modernidade cria uma ruptura, não apenas com as eras precedentes, mas também com outras culturas. Desde que a razão se revele incapaz de fornecer uma justificativa definitiva de si mesma, não faz sentido fingir que esta ruptura não repousa sobre o compromisso cultural (e o poder)” (pag.154).
Giddens, renomado por sua Teoria da Estruturação, destaca que a argumentação discursiva envolve critérios que suprimem as diferenças culturais. Para o autor, as sociedades industrializadas, acima de tudo, entraram em um período de alta-modernidade, solto de suas amarras no resseguro da tradição e no que foi, por muito tempo, uma “posição de vantagem” fixa (tanto para os “de dentro” como para outros) — o domínio do ocidente.
“Embora seus iniciadores procurassem certezas para substituir os dogmas preestabelecidos, a modernidade efetivamente envolve a institucionalização da dúvida. Toda reivindicação de conhecimento, em condições de modernidade, é inerentemente circular, embora “circularidade” tenha uma conotação diferente nas ciências naturais em comparação com as sociais. (pag.155)
O papel da mulher em diferentes regiões da África
Em artigo sobre a exposição, o escritor e sociólogo Stéphanie Melyon-Reinette disse que as mulheres africanas reproduzem, atam e desatam a sociedade africana. Elas são, muitas vezes, apenas uma estrela dentro do contexto familiar, onde, muitas vezes, são objetivadas, diminuídas, subjulgadas e destinadas a aumentar a prole. No entanto, elas também experimentaram a posição de rainhas. Desta forma, o papel do sexo definido para as mulheres na África muda de acordo com a cidade ou vila onde vivem, toma novos contornos no caminho entre a “ruralidade e a cidade-moradia”.
“A cidade é libertadora, e os países suportam grandes metrópoles em seus núcleos, os portais para o exterior, o mundo externo, onde os costumes e tradições ensurdecerão, violados pelas promessas do Ocidente. Assim, as mulheres são mais livres por aí. Elas usam roupas ocidentais, trabalham menos, se envolvem com a política, têm acesso a tecnologias, viajam, descobrem, comparam, criticam, escolhem. Elas deixam a aldeia e os seus costumes que consideram retrógrados. A globalização em movimento na África, através de uma semeadura das culturas locais com as grandes culturas ocidentais, leva a uma modernização exponencial”, disse Stéphanie.
Envolvimento com o passado
O projeto de Joana levou dois anos para ser concluído, porque ela fazia questão da roupa e dos acessórios certos para essa exposição. Para este fim, ela esperou que cada personagem encontrasse a vestimenta que estava além das fronteiras da Costa do Marfim. Muitas das modelos tiveram que viajar até sua terra natal para colher a matéria-prima de Resilientes.
– Esses laços fortes foram timidamente retratados. Uma certa intimidade nasceu como (re)descoberta de um passado e ligação com o presente. Muitas descobriram uma parte de si nesses objetos, que pareciam tão datados para elas”, disse a artista, que está com a exposição em exibição no Hotel Onomo, em Dakar, Senegal, e que, no ano passado, venceu o POPCAP Prize Africa com o trabalho “Hââbré, the last generation”.
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Para Joana, esse trabalho representa o empoderamento das mulheres, a cultura africana, o olhar que parte do passado para encontrar um caminho para o futuro. Ele também representa a beleza da cultura, da história e da ligação entre passado e presente.
– Estimular o seu potencial em termos de artes e questões políticas poderia abrir novas portas para as mulheres na África. Isso ajuda a aumentar a consciência e o orgulho pelo nosso continente, ajuda a pensar sobre o que somos, para redefinir o que é a África no século XXI. Nós, africanos, precisamos contar as nossas próprias histórias e a fotografia pode ajudar em retratar a África do interior.
Por dentro da África