Alexandre Costa Nascimento, Por dentro da África
Lisboa – Gênero, imigrantes, racismo, refugiados, excluídos sociais, jovens ou vítimas de perseguições políticas. As frentes de luta dos movimentos ativistas negros, africanos e afrodescendentes são diversas – e todas elas, igualmente legítimas. Mas elas só fazem sentido, individual ou coletivamente, se estes movimentos forem capazes de dar voz às pessoas que sofrem com a invisibilidade social. Esta é a percepção dos participantes do Fórum de Ativistas, evento que deu início nesta quarta-feira (11), em Lisboa, à Conferência Internacional “Ativismos em África”.
O encontro reuniu sete lideranças de movimentos sociais, plataformas políticas e associações ligadas aos direitos dos negros e afrodescendentes que atuam dentro e fora de Portugal. A necessidade de se discutir tais questões foi pontuada pelo ativista e militante antirracista de origem senegalesa Mamadou Ba. “Há um tabu no debate sobre o racismo, ninguém quer discuti-lo. Ele está arraigado a uma herança luso-tropicalista que prega que discutir o racismo não é o caminho. Estamos aqui para provar que este é o caminho”, afirma. “Estamos reivindicando porque existe um problema. Apenas reconhecendo que o problema existe é que podemos superá-lo e pensar como cada um pode contribuir [para sua solução]”, avalia.
Em sua intervenção, a representante da Plataforma Afrodescendentes Portugal Ana Fernandes compartilhou as experiências do grupo na luta contra o racismo institucional visando medidas diretas que possam resolver a questão dos imigrantes afrodescendentes em Portugal. A plataforma surgiu em 2016 e esteve na origem da Carta Aberta ao Comitê para a Eliminação da Discriminação Racial da ONU, em que 22 coletivos manifestaram desacordo ao relatório apresentado pelo governo português a esse comitê.
“A carta foi distribuída para contrariar essa resolução e mostrar que os afrodescendentes não concordam com essas posições [do governo português]. Faz falta olhar para essa realidade, existir um plano nacional estratégico que dê respostas às questões.”. O movimento reivindica a realização de um censo étnico-racial em Portugal para servir de base à formulação das políticas públicas voltadas à população negra e afrodescendente. “A carta foi lida na ONU e houve reações do governo português –o Alto-Comissariado diz que não ia implementar essas recomendações. Esperamos uma resposta do governo e esperamos contribuir. É responsabilidade do governo construir este plano e queremos fazer parte deste processo”, afirma.
A ativista da organização SOS Racismo e fundadora e dirigente da Associação de Afrodescendentes, Beatriz Dias, salienta que a luta deve ter como objetivo a ocupação dos espaços pela população negra. “Há uma recusa quase patológica de aceitar o racismo na sociedade portuguesa. Por acaso não há negros com capacidade para serem eleitos pelos diferentes partidos? Ou para serem professores universitários? Faz sentido que na escola portuguesa, em pleno século 21, haja poucos professores negros e que, ao mesmo tempo, quando as aulas terminam, são as mulheres negras que limpam as salas?”, questiona.
O happer e ativista do movimento Hip Hop Ermelindo Quaresma, de origem são-tomense, lembra que o acesso à cidadania ainda é negado a muitos negros e afrodescendentes nascidos em solo português. “Na sociedade portuguesa continuam dizendo que não existe racismo — está em estado de negação . O pior é o institucional, aquele que nos impede de avançar – que não nos atribui número de segurança social. Situações em que, sem amparo legal, o Estado começa a negar acesso a saúde, educação ao seguro social”, afirma. Quaresma reforça que é preciso reescrever a história de Portugal colocando a figura do negro em seu contexto. “Não existe a figura do negro nos livros do ensino português. Nós negros viemos cá e ajudamos a construir a história. Também somos heróis. Esta é um luta que tem que ser travada”.
Por sua vez, a ativista antirracista e dos direitos humanos e presidente da Associação de Mulheres Negras, Africanas e Afrodescendentes em Portugal, Ana Raquel Mendes Rodrigues, lembra que a mulher negra é vítima maior das invisibilidades na sociedade portuguesa “É um rol de invisibilidades que nos tornam ainda mais frágeis nesta questão ligada ao racismo, ao machismo e ao classicismo”, aponta.
Segundo Ana Raquel, o debate sobre a mudança deste quadro de desigualdade não pode recair apenas sobre as mulheres. “Os homens também devem fazer parte desta luta, que não tem só a ver com uma questão de gênero. As mulheres negras são economicamente as mais fragilizadas. Recai sobre nós toda a dureza do machismo, do capitalismo e do racismo”, aponta.
A presidente da Associação das Mulheres de S.Tomé e Príncipe em Portugal e da Associação de Mulheres Negras, Africanas e Afrodescendentes em Portugal, Maria Maomé Jordão Gomes, reconhece que existem avanços na legislação que diz respeito à mulher no continente africano. Entretanto, a execução destas leis na prática ainda deixa a desejar. “O desconhecimento das leis proporciona que as mulheres continuem tendo um papel secundário na sociedade. Existe um longo caminho a percorrer. Quer queira ou não, vivemos em uma sociedade machista”, pontua. Segundo Maria, promover o acesso à educação é a melhor forma de empoderar as mulheres na luta pelos seus direitos.
Finalizando o fórum, a consultora em Direitos Humanos Lisa Rimli lembrou que o ativismo enfrenta maiores desafios em um contexto de vigilância permanente, como ocorre em muitos países africanos. “É um clima que existe. A repressão tem duas vertentes: uma mais bruta, contra os povos marginalizados. E outra mais sofisticada, contra os ativistas. É preciso ser muito forte mentalmente e fisicamente para ser ativista em Angola, por exemplo”.
Segundo ela, os movimentos ativistas enfrentam uma tendência global de restrições, com a formulação de leis que dificultam associações sob o pretexto do combate ao terrorismo. “Acontece essa adoção da luta contra o terrorismo sob pressão dos países ocidentais, o que acaba por tornar-se um instrumento de controle da sociedade civil. Mas diante disso, é crescente a importância dos movimentos da sociedade civil. Os governos autoritários têm medo dos movimentos jovens”, afirma.
As oportunidades, segundo Lisa, estão no uso das redes sociais e na sua importância para articulação de grupos e para escapar da censura. “É um espaço importante onde muita coisa acontece. Por outro lado, há uma capacidade cada vez maior dos governos em controlar estes espaços e usar estes mecanismos para reprimir movimentos associativos”, pondera.
Ativismos em África
A Conferência Internacional “Ativismos em África” ocorre até o dia 13 de janeiro. O evento é promovido pelo Centro de Estudos Internacionais (CEI) do Instituto Universitário de Lisboa (Iscte-IUL).
Serviço
Conferência Internacional Ativismos em África
Data: 11 a 13 de janeiro.
Local: Iscte-IUL – Av. das Forças Armadas, 1649-026 Lisboa, Portugal.
Evento é gratuito e aberto a toda a comunidade interessada.