Natalia da Luz, Por dentro da África
(artigo publicado no JB, em 2010)
Johannesburg – “Visite-nos e entenda como toda forma de iniquidade racial leva inevitavelmente à destruição”. O convite assusta, mas é irrecusável. Logo nos primeiros passos, o visitante é rotulado como branco ou não-branco e, por isso, passa por caminhos diferentes até chegar, de fato, ao Museu do Apartheid, que reúne um acervo interminável sobre a cronologia do regime de segregação sul-africana, que vigorou de 1948 a 1994, quando as primeiras eleições democráticas levaram todos os cidadãos (independentemente da cor da pele) às urnas.
Uma infinidade de vídeos, fotos e objetos direcionam o visitante para uma realidade sombria, na qual viveram os negros por décadas consecutivas. As fotos e painéis ilustram o caminho, um labirinto claustrofóbico de arames farpados e forcas sobre as cabeças. O conjunto de cordas penduradas é simbólico e relembra centenas de líderes negros que perderam suas vidas na prisão. O suicídio usado como justificativa do governo era uma declaração criminosa e ingênua.
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Entre os principais motivos para o “massacre” ao longo dos anos estavam: “causa desconhecida”, “queda da escada”, “escorregão no banheiro” e “morte por enforcamento”. O caso de Steve Biko, por exemplo, foi uma alegada greve de fome que, apesar de desmentida pela imprensa (que publicou fotos do corpo cheio de hematomas), continuou impune. O fim trágico do líder da Juventude e criador do Movimento de Consciência Negra foi apenas um dentre tantos que ocorreram durante o apartheid.
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Imagens dos anos 50, 60, 70, 80 e 90 relembram violência, barricadas, protestos, espancamento, execuções, pneus queimados, negros queimados…
O poder do som, e o que se vê na tela, emociona, choca, faz chorar. É impossível não se emocionar. É uma atmosfera opressora relevada aos poucos para quem não experimentou de perto as atrocidades do apartheid. O gigante de seis mil metros quadrados com informação a cada milímetro é real, tocante. Por isso, a experiência é tão envolvente, constrangedora.
O museu foi inaugurado no ano de 2001, quando os donos do local foram obrigados a desenvolver um projeto de responsabilidade social em uma área de puro entretenimento. Parte do cassino dava lugar a uma atração político-social que se tornou o programa imperdível da cidade mais populosa do país. Cidade que abriga Soweto, a maior township da África do Sul e um dos principais cenários da luta contra o regime.
As armas usadas para combater o apartheid, o massacre em Soweto que arrancou a vida de centenas de estudantes, fotos de líderes históricos como Steve Biko, Desmond Tutu, Joe Slovo e Nelson Mandela estão por toda parte, assim como os discursos do governo afrikaaner que insistia em sustentar o apartheid, fazendo uso de justificativas inspiradas no nazismo.
A reconciliação pública entre brancos e negros durante a final da Copa do Mundo de Rúgbi, em 1995, também ganha destaque no acervo. A vitória da Copa fez com que os sul-africanos esquecessem as diferenças, por pelo menos um curto período, e se unissem transformando o retalhado país em um único. Há muito o que aprender durante a visita que é uma verdadeira aula sobre o período que deixará marcas eternas na África do Sul.
Por dentro da África