Natalia da Luz – Por dentro da África
Johannesburg – Ele é a representação de um país, tem o molde da nação que ajudou a transformar. Por quase 100 anos, Nelson Mandela escreveu a história da África do Sul. Pela sua luta contra a segregação racial, que submetia os negros a uma vida sem dignidade, ele foi chamado de terrorista e encarcerado por 27 anos. Livre das grades, ele caminhou rumo à presidência com o título de primeiro negro a comandar o país.
– Mandela foi a face da revolução sul-africana, mas outros também fizeram parte da luta como o Arcebispo Desmond Tutu, que teve muita força e influência no país e no mundo enquanto Mandela estava preso – conta em entrevista exclusiva ao Por dentro da África o escritor e ativista Terry Crawford-Browne, que também se ergueu contra o apartheid e contra a corrupção quando o regime de segregação terminou.
O escritor empenhou o patrimônio tirando do próprio bolso cinco milhões de rands, cerca de R$ 1,3 milhão, para bancar a campanha anti-corrupção com o objetivo de, segundo ele, abrir os olhos da população denunciando o presidente (Mbeki) e os que estavam à sua volta, especialmente Jacob Zuma, ex-presidente.
– Não podemos nos conter. A corrupção destrói a credibilidade e a legitimidade da democracia – alerta o ex-bancário, lembrando que o regime democrático levou décadas para ser estabelecido e que agora parece ameaçado.
De acordo com as contas de Terry, que escreveu “Eye on the money; One man´s crusade against corruption” (lançado em 2007), os subornos teriam chegado a US$ 600 milhões, e a promessa de estimular a economia e criar pelo menos 65 mil novos empregos não foi cumprida. Segundo ele, em vez dos novos empregos, milhares de postos foram perdidos. “Estudos afirmam que o número de desempregados devido ao acordo pode ter chegado a 200 mil”, fala.
Na lista dos beneficiados do Acordo de Armas entre a Europa e a África do Sul no governo de Thabo Mbeki, que sucedeu Nelson Mandela, estão Jacques Chirac, Tony Blair, Helmunt Kohl…
– O dinheiro, certamente, não foi para a sociedade. Nós ainda não sabemos como eles dividiram entre os políticos da África do Sul e Europa. Mas meu senso diz que o dinheiro grande foi mesmo para os europeus – desabafa o escritor.
A democracia conquistada com a luta de muitos e principalmente de Mandela, eleito pelo CNA no ano de 1994, parece manchada com recorrentes casos de corrupção e descaso, que não cicatrizam a ferida aberta lá no início do século XX.
Terry lembra que o cenário de opressão e desigualdade do apartheid (1948 – 1994) fora testado antes mesmo do nascimento do ex-presidente, em 1918. O Ato da Terra de 1913 confinou os negros a 13% das terras do pais, uma absurda disparidade, já que a população de negros e coloured (os mestiços) representava mais de 90% de toda a nação. Regularizado pelo Parlamento Sul-Africano, o Ato proibia os nativos de serem donos de suas próprias terras.
As mudanças no partido
O partido que levou Nelson Mandela ao poder e símbolo de luta contra a elite branca, o CNA (Congresso Nacional Africano), parece ter deixado seus princípios pelo caminho nos últimos anos. Para milhares de sul-africanos desapontados, ele já não faz jus aos propósitos (de justiça, igualdade e acesso à educação e saúde) que o fundaram em resposta à truculência dos senhores do apartheid. Na presidência desde 1994, ele enfrentou muitas denúncias de corrupção, se dissolveu, perdeu lideranças e membros que criaram outra frente antes da eleição presidencial de 2009, o COPE (Congresso do Povo), e, agora, um novo, o AGANG, lançado há poucos dias.
– O CNA provavelmente será destituído por causa da corrupção. Esse novo partido, o AGANG, é a expressão do povo contra a corrupção. Ele está sendo dirigido por uma educada e privilegiada mulher de 65 anos que trabalhou no Banco Mundial e foi uma importante ativista no Movimento de Consciência Negra – afirma Terry sobre Mamphela Ramphele, que, nesta semana, prometeu reverter todo o estrago feito pelo CNA.
Em comunicado à imprensa, ela atacou o ex-presidente Jacob Zuma dizendo que o povo sul-africano está há 20 anos esperando por empregos e melhores condições de saúde, educação, moradia e que a população precisa agir agora.
– O CNA joga a carta da raça sempre que a corrupção ou qualquer outra questão se coloca, mas isso está perdendo força. Estamos começando a nos mover contra isso. Nós temos aproximadamente 15 partidos. Eu espero que AGANG faça um bom trabalho de união com outros partidos para que nós alcancemos um sistema mais condensado. A democracia é parte do legado de Nelson Mandela para o sociedade, e não podemos deixar que ela perca sua força.
Por dentro da África