Natalia da Luz, Por dentro da África
Bruxelas, Bélgica – Ela foi uma das maiores líderes africanas. Na luta contra a escravidão e pela valorização da identidade do povo bakongo (grupo étnico banto que vive ao longo da costa centro-africana), Kimpa Vita foi condenada e assassinada. Nascida em 1684, no território onde hoje é Angola, ela terá sua história contada no filme Kimpa Vita: a mãe da revolução africana.
-Qualquer pessoa que aprenda sobre a história de Kimpa Vita fica surpreendido pelo caráter e coragem dela. O mundo precisa saber dela, precisa saber dos seus feitos, da sua influência – disse em entrevista exclusiva ao Por dentro da África, Ne Kunda Nlaba, diretor do documentário de 70 minutos, produzido a partir de crowdfunding.
Ne Kunda conta que, quando criança, ouvia sobre Kimpa Vita, mas que nunca aprendeu de verdade sobre a história da heroína angolana na escola. Aos poucos, ele foi descobrindo mais e mais sobre a jovem corajosa de família nobre do Reino de Kongo (região onde hoje estão Angola, República do Congo, República Democrática do Congo e Gabão).
-Não ter referências dela na escola é um absurdo porque a escola nos ensina sobre Joana d’Arc, Napoleão, Luís XIV, Charles de Gaule e outras pessoas que não são africanas. Não aprendemos sobre os nossos próprios heróis. Antes de nos encontrarmos com os europeus, vivíamos em paz, tínhamos nosso sistema político, nossas instituições, ciência, artes, cultura, espiritualidade -, disse o congolês que assina a direção, roteiro e edição da obra com legendas em francês, inglês e português.
Saiba mais: O Reino do Kongo vivia em democracia quando os portugueses chegaram
A primeira aparição dos portugueses na região foi marcada com a chegada de Diogo Cão, em 1482. Em 1491, o cristianismo foi implementado provocando uma drástica mudança na vida social/religiosa da população.
Com o rei João II de Portugal (que morreu em 1495), além do cristianismo, o tráfico de escravos foi instituído. Em seguida, os portugueses passaram a levar africanos escravizados para países como Estados Unidos, Brasil, Jamaica, Cuba e Martinica.
-Nos séculos seguintes vimos o declínio do Reino do Kongo. Diante do crescimento do cristianismo, que reprimia os costumes locais, Kimpa passou a lutar contra a escravidão e massacre de cidadãos bakongo. Foi então que ela formou o “movimento antoniano”, reconstruiu a cidade de Mbanza-Kongo e tentou reunificar o Reino – disse o diretor, que já exibiu o filme na Bélgica, Angola, Estados Unidos e República Democrática do Congo.
O movimento religioso de Kimpa (que foi batizada em 1691) era chamado de “antoniano” porque ela dizia ter sido convocada por Santo Antônio de Pádua para fundar uma nova igreja. Neste período, o catolicismo tinha atraído um grande número de seguidores, mas Kimpa afirmou que, durante um encontro espiritual, Antônio lhe havia dito para criar um catolicismo congolês. Santo António de Pádua foi um doutor da Igreja que viveu na virada dos séculos séculos XII e XIII, em Portugal.
Nesta missão, Kimpa teria incorporado várias práticas nativas e tradições ao seu movimento. As principais diferenças entre o catolicismo romano e o movimento antoniano foram a rejeição da cruz, batismo, confissão e oração. Entre suas crenças estava a de que Jesus era um homem negro e que o Reino do Kongo era o verdadeiro lar do cristianismo.
Conforme Kimpa ganhava mais seguidores, a Igreja Católica perdia poder. Como castigo, ela foi julgada, e aos 22 anos, em 2 de julho de 1706, foi queimada viva. As idéias de Kimpa foram mantidas em diversos cultos messiânicos. Dois séculos depois, o movimento de Kimpa tomou nova forma na pregação de Simon Kimbangu (1887-1951), líder religioso congolês que criou o kimbanguismo.
-Muito dessa história do Reino do Kongo e de Kimpa é contada no filme. Quem assistir verá que Kimpa ficou conhecida como a restauradora da espiritualidade tradicional africana, como uma grande revolucionária e exemplo de que as mulheres tinham voz em nosso Reino.