Homenagem a João Candido, líder da Revolta da Chibata

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Ilustração Robson Araújo - Livro Diário de bordo do Almirante Negro
Ilustração Robson Araújo – Livro Diário de bordo do Almirante Negro

Elisabete Nascimento, Por dentro da África

Trecho do livro infantojuvenil (Diário de bordo do Almirante Negro, de Elisabete Nascimento) que apresenta a ficcionalização da Revola da Chibata ocorrida em 1910. A obra recupera a memória do protagonismo de João Candido, líder do movimento de insubordinação contra os castigos, a subalternidade e o racismo presentes na Marinha brasileira, mesmo após a abolição da escravatura, 22 anos depois.  Vale à pena conferir a consonância com a Lei 10639, que trata a obrigatoriedade do ensino de História e cultura da Afro-brasileira.

Três princesas aparecem para o menino João. As senhoras Yadetá, Yakalá e Yanasso. Não são de faz de conta e nem de contos de Fada. Trabalham muito. Conversam com plantas, búzios e bichos. Conhecem mazelas e curas. Trazem, no corpo, marcas de herança: cabelos trançados, vestes de tradição, traços de linhagem no braço, nas costas, no colo e colares coloridos como a vida. Assim se comunicam.

As matriarcas construíram um Ilê encantado, uma casa mágica, um barracão na Barroquinha… De lá vieram como sopro para fazer uma revelação ao menino gaúcho, nascido na Encruzilhada do Sul.

Unidas, pedem que preste muita atenção nos corações ao longo da travessia. Corações não são adornos. Mas portadores de afeto. E enigmas devem ser decifrados no mapa do tesouro. São portadores de sentido Axé, no pergaminho encantado. Cada palavra imantada deve ser lida com amor dentro dos corações. E então as Ias iniciam.

“Serás Poeta dos Sete mares, no seio das águas da Guanabara. Imponente. Humano. Deveras humano. Firme. Altivo. Carinhoso. Justo guerreiro. Aguerrido-amoroso. Divisor de águas oceânicas. Bordarás amor: curas. Aprenderás a língua Eubá. Com ela escreverá um diário. Aprenderás a ginga. Serás perseguido pelos dragões como um malta. Muito apenderás com o Besouro, o Cordão de ouro. Serás iniciado para Yangi, o mensageiro dos deuses, senhor de muitas veredas. Descobrirás com o próprio sangue e suor que a Lei de Ouro, a Lei aúrea, não distribui pão, milho e nem terra para o plantio…

João Candido, líder da Revolta da chibata

João Cândido na primeira página do jornal
João Cândido na primeira página do jornal

A escravidão no Brasil foi abolida em 1888, mas, no início do século XX, a Marinha, que era composta de muitos marinheiros negros e ex-escravizados, continuava a submeter seus marujos a castigos severos com 25 chibatadas, caso cometessem alguma falta grave. Era uma prática racista que perdurou até a insubordinação naval liderada por João Candido. As péssimas condições de trabalho e as punições eram motivo de reivindicação de melhorias das condições de trabalho.

Mas em 1910, o marujo Marcelino Rodrigues de Menezes foi preso por ter embarcado com uma garrafa de cachaça. Como castigo exemplar, foi condenado a 250 chibatadas na frente de toda tripulação. Esse episódio foi o estopim para o início da Revolta da Chibata. João Candido liderou mais de dois mil marinheiros e tomou o controle de 3 encouraçados e um cruzador. Os insubordinados apontavam os canhões para a cidade do Rio de Janeiro e uma carta foi enviada ao governo reivindicando mudanças na legislação sobre os castigos.

Oficialmente o governo aboliu as chibatas, mas logo em seguida, o presidente Hermes da Fonseca assinou um decreto que garantiu a expulsão de mais de mil marinheiros. Muitos foram presos ou mortos. João Candido foi preso como líder da revolta, às vésperas do natal. Junto com outros 31 marinheiros, ele foi levado à prisão, cujas celas estavam repletas de cal para a higienização. Nos dias que se seguiram, apenas dois marujos haviam sobrevivido: João Candido e João Avelino Lira.

João Candido, muito debilitado, foi levado para o hospício como um alienado. Após se recuperar, voltou a prisão da Ilha das Cobras. João Candido ficou conhecido como o Almirante Negro, líder da Revolta da Chibata, herói que aboliu o uso da chicotada como castigo na Marinha de Guerra. A revolta é um marco na luta pelo fim dos açoites, das desigualdades sociais e contra o racismo na Marinha de Guerra.