BOTA A FALA: Projeto aborda hip hop, reconhecimento e educação democrática
Como parte do projeto Bota a Fala, criado em janeiro de 2015 na Unilab de São Francisco do Conde, Bahia, estudantes brasileiros e africanos usam o hip-hop como ferramenta pedagógica para uma educação mais democrática. Uma das composições do grupo foi gravada e apresentada ao público em eventos e encontros na universidade.
– Eles começaram a ensaiar no início do ano para fazer a recepção dos estudantes novos. A música “Preconceito” foi para enfrentar o preconceito/discriminação no Brasil; e “Bem-vindos”, para saudar os novos estudantes – contou ao Por dentro da África, o professor da Unilab e doutor em filosofia pela UFRJ, Marcos Carvalho Lopes, completando que os alunos já fizeram outras canções como a “Integração”.
Marcos destaca que a ideia do primeiro ano do projeto é focar na performance, já que o grupo ainda não tem equipamento ou habilidade para fazer os próprios beats. Os alunos têm ensaios semanais e, junto com o Sistema Kalakuta (formado pelo DJ Sankofa e Dudoo Caribe) organizam, mensalmente, a Noite Africana (com o apoio da prefeitura de São Francisco do Conde) com a ideia de aproximar a comunidade da música africana promovendo a integração através da dança e poesia, por exemplo.
Conheça mais o projeto abaixo:
Por Marcos Carvalho Lopes, Magnusson da Costa, Tania Correa Jaló, lauro José Cardoso, Suleimane Alfa Bás, João Dito Samburg, Victor Cassamá, Kadija Aissa Turé e Ró Gilberto
O projeto Bota a fala: hip hop, reconhecimento e paideia democrática surgiu de um desafio feito pelos estudantes da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-brasileira. Um desafio diferente, ou melhor, uma provocação criativa que gera sentido. Este desafio se “fia” numa lealdade, na confiança, numa” fé” que é a chave pedagógica de qualquer educação que valha a pena.
Afiamos nossas palavras em comum, em diálogo, que retece os sentidos. Porém, seguindo o encontro, houve um movimento, um desvio, uma inversão na direção da ação, uma abertura que desconstrói e redescreve. Explicar em que circunstâncias isso aconteceu ajuda a entender como a aproximação com o hip-hop des-a-fiam e como este projeto pretende contribuir para o desenvolvimento de uma educação (paideia) democrática.
O Bota a fala começou em janeiro de 2015, partindo do desafio de utilizar uma linguagem que os estudantes dominavam e gostavam, desenvolvendo canções que servissem tanto para das boas vindas aos estudantes (estrangeiros e brasileiros que chegavam à UNILAB), quanto como uma forma de denunciar e combater o preconceito, um problema que no cotidiano surgiu como novidade negativa para aqueles que vieram de países lusófonos da África para estudar no Brasil. A miragem da democracia racial ainda engana…
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O resultado da primeira apresentação foi amplamente positivo. De lá para cá o grupo já participou de diversos eventos, bate-papos etc. De todo modo, o sentido do Bota a fala esta mais na autocriação e autodeterminação expressa em suas canções do que em qualquer teoria prévia. De todo modo, há sempre alguns pressupostos que mereceriam ser mais bem descritos.
Leia o artigo inteiro BOTA A FALA_
Identificando-se como um projeto de pesquisa educacional baseado nas artes (Arts-based Teacher Education Project), o Bota a fala desenvolve uma modalidade de investigação qualitativa no campo da educação na qual os produtos artísticos e o processo criativo de construção são reconhecidos como “representando” resultados. Neste sentido, partimos do reconhecimento de que uma performance do grupo apresenta resultados da pesquisa desenvolvida, aproximando o fazer artístico e acadêmico (TELLES: 2006 e DIAS; 2003).
Aqui apresentaremos uma das primeiras canções compostas pelo Bota a fala: “Preconceito”. O desenvolvimento da letra foi feito como um trabalho ao mesmo tempo coletivo e individual, já que as estrofes geralmente foram escritas por uma única pessoa. Por isso mesmo, as letras não deixam de ser polifônicas e a tentativa, desenvolvida na sequencia deste texto, de descrevê-las de modo narrativo e híbrido (sampleando seu sentido com aqueles propostos por textos teóricos) não deve ser tomada como uma reificação, mas como uma tentativa de complexificar e fazer pensar mais e mais com as canções.
Preconceito
O que significa a autoafirmação de ser negro/preto/africano? Este primeiro verso é um gesto de autodeterminação cujo significado é de um desafio. Desafio ao primeiro movimento daquilo que Achelle Mbembe chamou de “razão negra”, como sendo a “consciência ocidental do negro”, um conjunto de práticas discursivas que cotidianamente sustentam a descrição do negro “enquanto sujeito de raça e exterioridade selvagem, passível, a tal respeito, de desqualificação moral e de instrumentalização prática” (MBEMBE, 2014: p.58).
Preconceito
Eu sou negro
Eu sou preto
Eu sou africano
Com muito orgulho
Nada nos possa deter mesmo que muitos nos diga que não
Sempre de cabeça erguida que vamos conquistar
Se dantes éramos levado para a Europa
Trazidos para as Américas
Usados como cobaias
Trabalhando como escravos
Mas agora, é a hora, da nossa afirmação
Negro no poder
Negro no poder
Por que de tanto preconceito?
Por que de tanta discriminação?
Podemos ter diferenças na cultura ou na cor da pele
Mas todos nós pertencemos a uma única raça “a raça humana”
Pra tu que es negro
Pra tu que não é racista
Ponha as mãos no ar e grita numa só voz
Não ao preconceito!
Não à discriminação!
Não ao preconceito!
Não à discriminação!
Podemos ter a diferença na cultura ou na cor
Unidos pela história somos todos iguais
O racismo é mau, quem negar leva tau-tau,
Eu sou africano, 100% black power
Tipo Tina Turner,
Com uma voz gigante,
Venho de São Tomé, pois aqui somos irmãos, vês?!
Sinta a pressão dessa pura mensagem,
Arte e imaginação, sentido sem bandidagem.
UNILAB nas costas, vamos abrir as portas,
Ignorando os preconceitos, firmando novos conceitos.
Sintonia lusófona em terreno brasileiro,
Harmonia autêntica para o mundo inteiro,
Clap-clap, batam as palmas, reflitam sobre o assunto,
Não a discriminação, é esse o bom conteúdo.
Ser negro é bom, transmito isso no som,
Independentemente da cor, escutem bem esse louvor.
Repitam aqui o refrão, deixa entrar no coração,
Somos a equipa de ação, prontos para a intervenção… ya!”
Podemos ter a diferença na cultura ou na cor
Unidos pela história somos todos iguais
não viemos acorrentados em navios negreiros
como no século passado não…
chegamos aqui, uns de terno e gravata,
relógio no pulso, cabeças raspadas, sei lá…
se isso é que chamam de civilização.
que cara é essa brow? sou diferente?
sou. pra frente eu vou.
qual é a parte da minha historia que você não entendeu?
por ser diferente não me faz teu inimigo,
nossas diferenças que fazem do mundo, mundo.
preciso de ti, sei que precisas de mim. brow, sacou?
Negro ou negra
também pode ser
pai ou mãe
por isso pode ter
a diferença
na cultura ou na cor
mas que na verdade
somos todos iguais
Podemos ter a diferença na cultura ou na cor
Unidos pela história somos todos iguais
Somos todos iguais , meu irmão deixa de mania
Ouça bem este beat rap, este flow
Dito Buanh SD, pronto eu estou aqui
-”eu não sou ninguém brother”
“vai, olha para mim, homem como tu, como qualquer um”
Homem malcriado, deixa de maldade não me trate assim, vai
Esquece minha raça, minha fala
Não importa se sou pobre e vivo na senzala ou no gueto
O que é certo mam aqui todos somos iguais
Vai, respeita seu brother,
bora!
Saiba mais sobre o projeto aqui
REFERÊNCIAS:.
MBEMBE, Achille. Crítica da razão negra. Tradução de Marta Lança. 1ª ed. Lisboa: Antígona, 2014.
WEST, Cornel. “Prefácio”. In: DARBY, Derrick e SHELBY, Tommie. (Org.). Hip Hop e a Filosofia. Da rima à razão. Trad. Martha Malvelli Leal. São Paulo: Madras, 2006. p.15-16.