África em Crônica: “Enfim, a liberdade”, por Ademir Barros dos Santos

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Princesa Isabel – Ilustração

Por Ademir Barros dos Santos, Por dentro da África

Assim como Isabel, também eu gostaria de assinar uma lei que libertasse todos os brasileiros; mas que libertasse não só os negros mas, sim, todos, das presilhas mentais que os mantêm atrelados a usos e costumes já de há muito ultrapassados.

Por exemplo: de libertá-los do nefasto costume de matar os negros, apenas porque negros, apenas porque seus algozes, cegos, não veem que o mesmo deus universal que amam, também habita as peles negras, porque também existe deus além da cor da pele”.

Porém esta cegueira, definitiva e incurável, está instalada desde que acometeu os algozes d´África, há mais de quinhentos anos atrás; quinhentos anos em que a humanidade perdeu a humanidade, quando passou a fingir que não sabia que o africano também era humano, porque também gente; com esta desculpa, passou-se a não mais se incomodar em arrancar, do africano, a pele preta para, pretensamente, lhe salvar a alma impura.

Depois, morto o modo negro de pensar, porque julgado diabólico e inferior, lhe deram, seus algozes, como incontornável compromisso, o dever do embranquecimento mental que, na verdade, nunca lhe trouxe nada além da morte, física, social e cultural, Ainda hoje, mesmo para além do Brasil, onde o 13 de maio de 1888 é o dia que não acabou, é fácil demonstrar a crueza com que o algoz do negro lhe preparou a morte em vida; isto porque, em todos os índices de dignidade, apurados em todo o mundo onde se pode encontrar o africano e sua descendência, lá está ele: abaixo do nível mínimo de sobrevivência social.

Por incapaz, será? Sim: incapaz de revidar, a seus costumeiros, constantes e persistentes algozes, com a mesma crueldade com que vem sendo tratado há mais de cinco séculos de insano extermínio, como sendo coisa natural.

Incapaz? Sim: incapaz de tratar seus algozes, quer na África, sua própria e conspurcada terra, quer fora dela, com a mesma incontrolada insanidade com que seus persistentes carrascos o trataram, e tratam, tanto lá, quanto quando de lá o retiraram.

escravidaoPortanto, por já não mais senhores do próprio destino, e para muito além do Brasil do 13 de maio, o dia que não acabou, viram-se eles ensinados a sentirem-se amansados, coniventes e comportadamente subservientes habitantes das periferias, sempre agradecidos porque postos no confortável mundo dos inferiores, onde são tratados, naturalmente, como desiguais. Meros animais.

Adestrados como cães, talvez alguns se sintam, mesmo, confortáveis quando mãos que não calosas lhes acariciam a amansada carapinha onde, antes, só os calos duros das mãos de seus explorados pais eram amolengadamente acolhidos. Mas, quinhentos anos depois do início da tragédia, ainda são os negros, como atestam as mais recentes estatísticas, os maiores perdedores da esperança posta em sua triste juventude, industrialmente assassinada, preferencial e cruelmente, por bem “treinados aparelhos estatais.

Assim sendo e como vítimas preferenciais da chacina anunciada, aí estão seus corpos postos, e expostos, mortos, a asfaltar o barro que recobre os morros cariocas; ou preenchendo os buracos do desgastado asfalto de periferias outras, quer paulistas, nortistas, ou baianas.

Mas não só no Brasil, onde Alagoas é a atual campeã do genocídio da juventude negra, no que é, desde longa data, acompanhada de perto por Salvador, nossa antiga capital onde, já desde os Malês, matam-se negros porque negros, porque se atrevem a expor sua negritude, orgulhosa, pelas vielas de seus instransponíveis bairros de periferia social, o genocídio é dirigido, exclusivamente, à pele preta.

Mesmo porque para além das periferias a que os negros são compulsoriamente destinados, quer no Brasil, quer em Massachussetts ou no Mississipi, ou mesmo no Japão e Rússia onde, mesmo sem a anterior convivência com a escravidão negra, bananas também são atiradas para humilhar os craques negros de seu incipiente futebol, o negro atual ainda recebe, novamente com voz muda, sem esperança e sem esperar, sua malfadada liberdade.

Porque esta liberdade, que lhe é imposta a bala é, simplesmente e enfim, apenas a liberdade de morrer sem paz.