“Eu vejo um futuro brilhante, mas os africanos devem assumir a responsabilidade de moldá-lo”, diz o Herói Africano 2013

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Francis B. Nyamnjoh, herói africano 2013 - Divulgação Natalia da Luz, Por dentro da África 

Rio – Ele assumiu como missão inspirar e fortalecer a crença de que um mundo melhor é possível, de que uma África mais justa e próspera pode se tornar realidade. Como professor em universidades de Camarões, Botswana, Senegal e África do Sul, ele cultiva em suas aulas os temas da democracia, da esperança, da coragem – formato de ensinamento que deu a ele o título de Herói Africano 2013.

– Eu acredito que o mundo não precisa cuidar da África. A África deve cuidar dela sozinha e assim estaria cuidando do mundo como um todo – disse, em entrevista exclusiva ao Por dentro da África, Francis B. Nyamnjoh, vencedor do prêmio oferecido pela União de Estudantes Africanos da Universidade de Ohio, nos Estados Unidos.

Campus da UCT - DivulgaçãoAlguns dos estudantes que escolheram Francis já haviam passado por suas aulas, já haviam experimentado um terreno semeado pelas ideias do intelectual camaronês, homenageado em março por sua notável contribuição de avanço para a África.

Em um de seus renomados livros “Africa’s Media, Democracy and the Politics of Belonging”, ele conta que a democracia na África é uma vítima da estreita articulação neoliberal de autonomia e direitos, que ignora as identidades culturais e étnicas – muito reais na vida de indivíduos e instituições, que pagam por essa abstrata noção de liberdade e participação.

– No final do dia, tanto o indivíduo quanto a coletividade vão sofrer com essa democracia de fachada e cheia de oportunismo – comentou o pesquisador do Centro de Antropologia Social da Universidade da Cidade do Cabo, na África do Sul.

Orgulhoso pelo título que também foi oferecido a Nelson Mandela, no ano de 1993 (o primeiro a ser contemplado com o prêmio), o professor usa como objeto de estudo o cotidiano africano, os desafios, as fragilidades e as múltiplas identidades que formam essa região de mais de 1 bilhão de habitantes.

Escrevendo a própria história

Protesto em Darfur - Albert Gonzalez - ONUO trabalho de Francis, distribuído em seis livros publicados, é alimentado pela descoberta e exposição das necessidades e avanços do continente. Esses esforços são diários, permanentes, porque, para ele, a pesquisa crítica é imprescindível para o continente, já que ela desvenda os impasses atuais vividos pelos africanos. Isso convoca os estudiosos da África para assumirem a liderança na definição da agenda de seus países e do continente como um todo.

– Há a necessidade de desafiar a prática de agendas de pesquisa projetadas com pouca consideração com a África e as suas prioridades. Devemos evitar esse modelo no qual não somos protagonistas e dialogamos com cenários que não se aplicam aos nossos  – afirmou, lembrando que os estereótipos acabam afetando a maneira de redefinir um caminho para o continente.

As invenções da África

Os registros de sociólogos e historiadores que pisaram na África, no século XVIII, deram o ponto de partida para uma interpretação, hoje comprovadamente equivocada sobre a forma de vida de muitas comunidades africanas e consequentemente do continente como um todo. A incapacidade de enxergar e aceitar o diferente produziu teorias absolutamente preconceituosas como a do alemão Friedrich Hegel  (1770 – 1931). “O negro representa o homem natural em toda a sua barbárie e violência; para compreendê-lo devemos esquecer todas as representações europeias. Devemos esquecer Deus e a lei moral.”

Na maioria desses documentos, o negro era considerado um primitivo, desprovido de moralidade. Ele era parte de uma sociedade longe de qualquer traço de desenvolvimento e racionalidade. Todas as teorias já não estão mais vigentes, mas deixaram um legado que até hoje atinge o imaginário das pessoas quando pensam no continente de 54 países que não pode ser reduzido a meia dúzia de características e às interpretações europeias.

P. Mugabane - tribo Ndebele na África do Sul - ONU

– Eu não fico surpreso que muitos estereótipos sobre a África existam. Eu faço uma brincadeira: “se a África não existisse, os europeus e asiáticos a criariam porque as pessoas precisam de estereótipos para sobreviverem!” A nossa ideia de civilização é sempre ter alguém para olhar para baixo, é inventar uma pessoa onde ela não exista – destaca Francis, completando que desafia os africanos a trabalharem ativamente para garantir que, no futuro, não exista fundamentos nesses estereótipos.

Um dos maiores desejos dele é encorajar os africanos a contarem as suas próprias histórias, não apenas para combater os estereótipos, mas também para favorecer a produção em massa, o consumo em larga escala sobre a verdade da África e a realidade vivida pelos africanos.

Reconhecimento de heróis

Milton Grant - Nelson e Kofi Annan em 1998Antes de receber o prêmio, o antropólogo já assumira a posição de um herói africano, de um cidadão que trabalha de maneira incansável, ciente da sua missão, do seu poder de questionar, apresentar e contribuir para o avanço da África em transição. Para ele, os países (sociedade e governo) precisam reconhecer seus heróis porque eles inspiram, eles auxiliam o movimento que o mundo precisa.

– Heroísmo é, muitas vezes, indevidamente limitado, e eu acho que todas as esferas da vida têm espaço para o heroísmo. Um motorista de táxi que cuida bem de seus clientes está trabalhando o seu caminho para ser reconhecido como um herói, da mesma forma que um jogador de futebol que honrou seu país com muitas vitórias e troféus. Vale a pena olhar para os nossos heróis em lugares prováveis e improváveis.

Nesse caminho, ainda existe o desafio de desenvolver as habilidades e manter aceso o orgulho por ser africano. É onde, para Francis, detecta-se a necessidade de o africano ser tratado com dignidade, ter autoconfiança, liderança e coragem para desafiar aqueles que os tomam como incapazes.

África do Sul P. Mugabane - ONUEm meio aos conflitos étnicos, às guerras civis, aos obstáculos da pobreza e da corrupção, que são como areia movediça, há também um continente que emerge, se mobiliza, reivindica, cresce cerca de 5% ao ano, cria, produz, preserva e reinventa a cultura.

– Eu acredito que a África tem um futuro brilhante, mas os africanos devem acordar e assumir a responsabilidade de moldar o futuro, de modo que eles sejam capazes de reconhecê-lo como fruto da sua inovação criativa quando se materializa.

Por dentro da África