Estudos mostram que o vírus ebola pode persistir em fluidos corporais – tais como sémen e leite materno – de sobreviventes durante meses. O recente ressurgimento do ebola na Guiné-Conacri e na República Democrática do Congo tem estado ligado aos fluidos corporais dos sobreviventes.
Magassouba N’Faly, da Universidade Gamal Abdel Nasser, em Conacri, explica a importância do sequenciamento do genoma na determinação da origem dos surtos de ebola.
Por que foi importante realizar o sequenciamento do genoma depois de o atual surto ter sido declarado?
Um dos objetivos do nosso laboratório de virologia é o apoio epidemiológico, ou epidemiologia molecular. Em suma, isso permite aos epidemiologistas identificar a fonte da infecção e o modo de transmissão dos vírus. O sequenciamento desempenha um papel importante neste processo porque identifica a estrutura genética do vírus. Também permite que uma porção do genoma do vírus seja comparada com as de outras estirpes conhecidas.
Os resultados do sequenciamento revelaram duas descobertas-chave. Primeiro, este vírus foi o mesmo vírus responsável pela epidemia de 2014-2016. Segundo, o vírus não é de fonte animal, mas foi transmitido de um humano para outro. Esses resultados permitem aos decisores políticos e aos cientistas implementar medidas de saúde pública adequadas para evitar um ressurgimento semelhante e realizar investigações que poderiam responder às múltiplas questões levantadas por esta descoberta.
O vírus do atual surto não provém de fonte animal. Que questões suscita isso?
Se o vírus pode permanecer latente durante um período de tempo tão longo, levanta muitas questões, dado o grande número de sobreviventes nos três países afetados pela epidemia anterior (Guiné, Libéria e Serra Leoa).
Teremos de determinar que tipo de ameaça representa a dormência deste vírus e estar preparados para lidar com a possível estigmatização dos sobreviventes. Além disso, temos de considerar como é que tal latência no corpo pode ser detectada. Isso levanta também a questão de quais as medidas de saúde pública devemos colocar em prática. Finalmente, teremos de determinar se a vacinação é uma solução ou se o tratamento é uma opção mais eficaz. No caso desta última, será necessário determinar qual a molécula a escolher.
Devemos temer uma propagação silenciosa do ebola, uma vez que o vírus pode sobreviver por muito tempo no corpo humano?
Eu diria que é mais uma latência, e não uma propagação. É certo que existe uma latência num órgão alvo com anticorpos limitados onde, com a combinação de certos fatores ainda não bem compreendidos, o vírus poderia sofrer um ressurgimento (um regresso às formas vivas ativas) e causar uma viremia secundária (presença de um vírus no sangue) que poderia ser a origem da transmissão do vírus de humano para humano. Existe também a possibilidade de o vírus poder ser secretado em pequenas quantidades por um sobrevivente e transmitido a um profissional de saúde durante o parto ou cirurgia.
O que deve ser feito melhor ou de forma diferente em termos de monitorização dos sobreviventes do ebola?
Teremos de estabelecer um programa a longo prazo que inclua a identificação regular do estado virológico e imunológico dos sobreviventes. Precisamos continuar a vacinar as pessoas próximas dos sobreviventes se estes forem imunocomprometidos. E precisaremos também gerir os efeitos secundários do vírus e estabelecer um sistema de notificação de doenças com febres de uma etiologia desconhecida, ou seja, as resistentes a antipalúdicos, antibióticos, bem como as mortes em torno dos sobreviventes.