Natalia da Luz, Por dentro da África
Rio – No dia 21 de setembro, um ataque terrorista acendeu o sinal de alerta no mundo por um grupo que cresce na África. Al Shabaab (que significa Juventude, em árabe) nasceu na Somália, em 2004, como resultado da derrota sofrida pela União dos Tribunais Islâmicos (UTI) durante a Guerra da Somália (2006-2009). No atentado que deixou mais de 70 mortos e 170 feridos, em um shopping de Nairóbi, no Quênia, o grupo mostrou a sua força preocupando africanos e dirigentes de todo o mundo.
– Não é incomum uma organização terrorista tentar efetuar a retirada de tropas de uma intervenção por meio de um ataque ao país que envia seus soldados. Isso revela que a organização está enfrentando resistência e sendo combatida em mais lugares – disse, em entrevista exclusiva ao Por dentro da África, Kai Michael Kenkel, professor do Instituto de Relações Internacionais da PUC – Rio.
Kai recorda que ações de retaliação como essa aconteceram repetidamente nos países europeus que participaram da ISAF (Força Internacional de Assistência para Segurança) no Afeganistão e até na invasão do Iraque pela OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte). Nessas regiões, as organizações passaram a enfrentar mais resistência, com apoio explícito de forças de países ocidentais.
– Esse atentado é, com certeza, uma forma de mostrar que o alcance do Al Shabaab vai além das ruas de Mogadíscio e de lugares isolados da Somália. Essa situação explicita a própria condição da Somália, onde a pressão aumenta a cada momento.
A partir do Iêmen, atravessando o golfo de Áden, chega-se na Somália, país-sede do Al-Shabaab, que, no ano passado, alinhou-se oficialmente à Al-Qaeda. A preocupação exposta nos últimos dias não é recente, pelo menos, não para os Estados Unidos.
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Como o professor lembra, a África Oriental é uma região que possui um forte componente religioso, com grande parte da população muçulmana, o que, pela política atual dos Estados Unidos, atrai mais atenção.
Alguns dos motivos desta fiscalização permanente foram os ataques, em 1998, contra as embaixadas norte-americanas de Dar es-Salaam, na Tanzânia (com 11 mortos e 70 feridos) e de Nairóbi, no Quênia (com mais de 200 mortos e milhares de feridos). Em 2000, no Iêmen, houve um ataque ao navio USS Cole da Marinha dos Estados Unidos. Na ocasião, cerca de 20 marinheiros americanos foram mortos e outros 39 ficaram feridos. Nos dois episódios, a Al Qaeda assumiu os atentados.
– O terrorismo internacional, durante a última década, tem contribuído para a mais séria ameaça à paz mundial, à segurança e ao desenvolvimento. Esta situação lamentável e todas as suas manifestações no mundo, e particularmente na África, minam os valores e os princípios fundamentais do século XXI, incluindo o desenvolvimento, a democracia, os direitos humanos e as liberdades – alertou Alpha Oumar Konaré, ex-presidente do Mali e ex-presidente da Comissão da União Africana.
Ampliação das atividades da Al Qaeda
Diante do atentado da última semana, uma dúvida é lançada sobre a possibilidade de o grupo ampliar a sua atuação na Magreb (região que compreende Marrocos, Sahara Ocidental, Argélia, Tunísia, Mauritânia e Líbia), já que ainda há muitas armas pelo caminho, provenientes das milícias do Mali e da Líbia.
– A Magreb não representa, por enquanto, o mesmo nível de engajamento que estamos vendo na Somália ou até, por apoio direto e indireto, na grande área de alcance de MOJWA (Movement for Oneness and Jihad in West Africa) ou AQIM (Al-Qaeda do Magreb Islâmico) – ressalta Kenkel, PhD em Relações Internacionais pelo Instituto de Altos Estudos Internacionais, atual Graduate Institute (IHEID), em Genebra.
Há 3 anos, a Al-Qaeda do Magreb Islâmico vem sequestrando europeus, às vezes, para conseguir resgates milionários; outras, simplesmente para assassiná-los. Um exemplo foi o sequestro de uma base de gás na Argélia, em janeiro deste ano. No episódio, mais de 35 reféns estrangeiros e 30 terroristas morreram.
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Para Kai, o AQIM quer expulsar os estrangeiros ocidentais do Magreb e ver o estabelecimento de governos islamistas, sob instituição da lei islâmica sharia (código de leis regido pelo islamismo) na região.
– Neste sentido, os objetivos são semelhantes àqueles do Boko Haram, na Nigéria, e de outros movimentos do Sahel, que é uma zona de confronto entre o Islã e outras religiões e tradições, inclusive o cristianismo – destaca o especialista sobre a zona que foi um dos principais alvos da luta contra o terrorismo, lançada por George W. Bush após o 11 de Setembro de 2001.
Neste domingo, um ataque atribuído ao Boko Haram deixou mais de 50 estudantes mortos em uma escola agrícola da Província de Yobe, no nordeste da Nigéria. Os militantes teriam invadido dormitórios e atirado nos alunos enquanto eles dormiam.
Recrutamento de combatentes na Europa e Estados Unidos
No atentado em Nairóbi, a presença de três cidadãos americanos, um canadense, um finlandês e um britânico entre os terroristas causou enorme surpresa, sinalizando uma atuação terrorista que transpõe as fronteiras da África e Oriente Médio.
– Não posso dizer com certeza se é uma tática explícita. O fato é que, hoje em dia, muito da radicalização de uma parte da população muçulmana acontece em madrassas (palavra de origem árabe usada para designar qualquer tipo de escola religiosa) e mesquitas. Essa atuação no Ocidente é financiada, frequentemente, com dinheiro saudita (Arábia Saudita). Dessa forma, é comum encontrar nesses movimentos e entre os combatentes na Líbia e na Síria cidadãos que estão “voltando” depois de uma geração no Ocidente.
O atentado prova que os países que contribuem para operações contra os movimentos jihadistas terão que combatê-los em seu próprio território, já que o fenômeno não se limita a uma zona geográfica restrita.
Ansar Dine e Al-Shabaab
O Ansar Dine é um grupo armado que busca instaurar a sharia no Mali inteiro. Iyad ag Ghaly é um antigo líder da rebelião tuareg dos anos 90, no norte do Mali. Filho de uma família nobre da área, ele ficou conhecido como negociador de liberação de reféns ocidentais.
– Ele não conseguiu a posição de liderança que queria dentro do Movimento Nacional para a Liberação do Azawad, principal grupo armado rebelde no norte do Mali, então, ele fundou o Ansar Dine e se aliou com o AQIM e o MOJWA para combater o governo.
Segundo fontes militares norte-americanas, o AQIM e o Ansar Dine têm conexões com o Boko Haram, e o Boko Haram com o Al-Shabab, mas ainda não ficou comprovada a conexão direta entre fundamentalistas armados no Mali e na Somália.
O professor acredita que a motivação dos jovens que entram para os grupos é causada por fatores locais, predominantemente, econômicos e sociais. O elemento do islamismo fundamentalista acrescenta a esse descontentamento um conteúdo político e de identidade, o que, de certa forma, globaliza o assunto.
– Um dos piores efeitos é o compartilhamento por islamistas de outras zonas de combate – como o Afeganistão e Paquistão – de técnicas de combate e habilidades, como a construção de bombas. O local vira identitário, religioso e global! A ameaça é real, e não é descartada a hipótese de tais movimentos, com ajuda dos jihadistas e salafistas globalizados, alcançarem o Ocidente.
Futuro da África
Na última sexta-feira, o Secretário-Geral da ONU Ban Ki-moon, chamou o terrorismo de “um dos maiores desafios do nosso tempo de segurança.” Em mensagem, o dirigente afirmou que o extremismo e a radicalização no Sahel estão afetando a estabilidade nacional e regional.
David Cameron, primeiro-ministro do Reino Unido disse, recentemente, que o terrorismo na África pode durar décadas… Os conflitos étnicos, os golpes de estado e os rebeldes e mercenários não são novidade. Então, o que, de fato, poderia reforçar a declaração do político?
Kai destaca que o terrorismo na África possui numerosas motivações, como étnica e religiosa, com a entrada dos movimentos afiliados ao jihadismo/salafismo global. O pano de fundo do conflito é o subdesenvolvimento econômico e seu caráter desigual.
– O Mali foi o país onde, em 1994, uma Comissão de Inquérito da ONU explicitou, pela primeira vez, a estreita ligação entre segurança e desenvolvimento e destacou o papel da disponibilidade de armas leves. Neste sentido, o premiê britânico está correto em presumir que a solução do conflito vai muito além das armas… O que preocupa nos eventos recentes na África, porém, é que grupos violentos de semelhante retórica extremista podem ser encontrados em diversos países – completou Kai.
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