Sentença desumana em Uganda: Presidente assina lei que condena homossexuais à prisão perpétua

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Foto: Protesto Gay on Move
Foto: Protesto Gay on Move

Natalia da Luz, Por dentro da África

Rio – No momento em que a democracia faz parte das reivindicações que tomam os protestos pelo mundo, paradoxalmente, diferentes governos mantêm a criminalização da homossexualidade. Em Uganda, por exemplo, os homossexuais são denunciados com fotos expostas em jornais como se fossem criminosos e sujeitos à punição de 14 anos de detenção. Neste caminho de violação contra os direitos humanos, o presidente do país Yoweri Museveni assinou hoje a lei que intensifica a sentença ao punir com prisão perpétua os seus próprios conterrâneos.

Cartaz da campanha da All Out!
Cartaz da campanha da All Out!

– Após a aprovação da lei no Parlamento de Uganda, uma parte da população aplaudiu o feito, pois ela acredita que os homossexuais devam ser exterminados para proteger a geração mais jovem contra aquilo que consideram um grande mal. O posicionamento do presidente  nesta manhã foi um desastre para os direitos humanos – disse, em entrevista ao Por dentro da África, Walusimbi Moises, responsável pela organização Uganda Gay On Move, criada em janeiro de 2013 para defender a igualdade e os direitos humanos, principalmente dos ugandenses LGBTT (Gays Lésbicas, Bissexuais, Transexuais e Transgêneros).

Em uma população de mais de 30 milhões de habitantes, Uganda contabiliza, aproximadamente, 1,5 milhão de pessoas pertencentes à comunidade LGBTT, segundo  a organização. Desta forma, cerca de 5% de um país estaria sujeito à violência legitimada e à condenação baseada apenas na orientação sexual de seus cidadãos.

O projeto de lei foi entregue pela primeira vez em 2009, com proposta de pena de morte para alguns atos homossexuais, o que provocou um intenso debate entre os defensores dos direitos humanos. Após muita pressão internacional, em dezembro de 2013, o Parlamento removeu a pena de morte e inseriu a prisão perpétua para “os casos mais graves de homossexualidade”. Lembrando que a homossexualidade já era ilegal em Uganda, mas a nova lei oferece uma ameaça ainda maior para os direitos humanos.

Presidente de Uganda - Foto: ONU
Presidente de Uganda – Foto: ONU

No texto da lei está escrito que o governo poderá “proibir e penalizar o comportamento homossexual e práticas relacionadas, já que as mesmas constituem uma ameaça à família tradicional.”

– Com a lei em vigor, certamente, teremos um aumento da pregação contra os homossexuais pelos líderes religiosos, e uma perseguição injusta aos cidadãos que não se encaixam no que o governo chama de tradicional – lamentou Moises.

A homofobia alimenta a cultura de intolerância baseada na orientação sexual. Os que defendem a marginalização dos homossexuais fazem-na usando justificativas religiosas, morais e outras desconexas como a de David Bahati, membro do Parlamento de Uganda, que afirma que “a homossexualidade seria também uma ameaça ao crescimento populacional…”?

Foto: Protesto Gay on Move
Foto: Protesto Gay on Move

Em comunicado oficial, a organização Human Rights Watch disse que a lei em Uganda viola as obrigações de direitos humanos do país. Embora defendida pela maioria dos ugandenses, que insiste que a homossexualidade é um “vício” dos países ocidentais, o projeto tem atraído críticas de líderes mundiais como o presidente dos EUA, Barack Obama, que chamou o projeto de lei de “odioso” e advertiu que, caso o presidente a assine, isso complicaria as relações entre os países.

Matovu Julius, vice-presidente da organização, conta que as entidades de apoio à comunidade LGBT em Uganda não são funcionais porque são sufocadas pelo governo. Nota-se que a Constituição de Uganda ainda mantém a lei colonial britânica, que visava punir as pessoas LGBTT. O projeto de lei recente é um incremento para reciclar a lei antiga, relembra ele.

– Por isso, as organizações estão trabalhando em segredo. De fato, muitas pessoas mal sabem da existência dessas organizações em Uganda. Toda a comunidade LGBTT tenta encontrar seu caminho fora do país por conta do medo de ser preso, espancado e assassinado – conta Matovu.

Matovu e Moises vivem em asilo em Amsterdã, Holanda, e diariamente são contatados pelos seus conterrâneos desesperados com a “caça aos homossexuais” em sua terra natal. Na semana passada, o presidente fez um discurso “declarando guerra contra o ‘lobby homossexual’ e pediu que todos os ugandenses ficassem do seu lado.

Alguns trechos da lei: 

– Uma pessoa que ajuda, aconselha ou alicia outro a se envolver em atos homossexuais comete um crime e é condenado à prisão por sete anos

– Uma pessoa que pretende se casar com outra pessoa do mesmo sexo deve ser condenado à prisão perpétua.

– Uma pessoa em posição de autoridade, que esteja ciente da prática e que omita a denunciar o crime no prazo de 24 horas, comete um crime passível de condenação a três anos.

Estímulo à perseguição nas mídias locais 

Exemplo de jornal de Uganda
Exemplo de jornal de Uganda

Muitos jornais de Uganda estampam o preconceito em suas páginas e utilizam frases como “enforquem os homossexuais”. Essa postura contribui para a propagação do ódio entre seus próprios cidadãos. Muitos ativistas foram assassinados nos últimos anos com o incentivo de propagandas como essa. Um caso que ganhou repercussão internacional foi do David Kato, espancado até a morte em 2011, quando a punição para o crime de “homossexualidade” era de até 14 anos de prisão.

– Não há nenhuma mídia alternativa autorizada pelo governo para apoiar os direitos dos homossexuais, simplesmente, porque o governo não aceita. Alguns veículos temem o fechamento de suas empresas se falarem alguma coisa em prol dos direitos LGBTT. A forma de promover esses direitos é através da internet, que tem pouco controle por parte do governo – conta Moises.

Na África não há homossexuais”? 

Na África, os atos homossexuais são considerados criminosos em 38 países, de acordo com a Anistia Internacional. Essa ideia (“de que na África não há homossexuais”) ainda é reproduzida por muitos líderes africanos como o presidente do Zimbábue Robert Mugabe. Mugabe encoraja atitudes homofóbicas, justificando que o colonizador inglês, supostamente, tentou impor a homossexualidade aos africanos como parte de um programa mais amplo do imperialismo ocidental… O rei da Suazilândia, os presidentes da Namíbia, Quênia, Zâmbia e Uganda, bem como os líderes de muitas igrejas que atuam em todo o continente, seguem essa mesma estrada da intolerância.

– É amplamente acreditado na África que a homossexualidade é uma cultura ocidental. A homossexualidade é vista como um tabu, mas devemos lembrar que muitos africanos eram homossexuais, mesmo antes de os europeus pisarem na África! Um exemplo é o do rei Mwanga II, que prosperou no século XIX; outro era o rei ShakaZulu (século XVIII), que, segundo muitos registros, também era homossexual  – destaca Katende Robert, assistente de mídia da organização.

Exemplo de jornal de Uganda
Exemplo de jornal de Uganda

Os direitos dos homossexuais no continente africano parecem ser mais limitados em comparação a outras partes do mundo. Muitos líderes africanos afirmam que os direitos dos homossexuais são contra seus sistemas de valores culturais e religiosos e acreditam que têm o direito de rejeitar o que é visto como uma “imposição” do Ocidente.

A luta contra os homossexuais

– O fator religioso têm muito peso nessa relação, onde líderes de todas as religiões marcam a homossexualidade como um pecado que deve ser punido. Sheik Mufti Shaban Mubajje foi citado em 2010 dizendo que todos os homossexuais em Uganda deveriam ser recolhidos e colocados na ilha mais remota no lago Victoria para serem deixados para morrer lá porque são uma blasfêmia para a sociedade de Uganda – contou Katende, completando que, sob a pressão de líderes religiosos, o pastor Scot Lively e o Pastor Sempa saíram para convencer o público a salvar seus filhos de serem “recrutados para a homossexualidade”.

Outro fator que sustenta o preconceito, para o ativista Moises, é a falta de educação e capacidade de reflexão.  O presidente disse que “muitos ugandeses têm recorrido a homossexualidade simplesmente por razões mercenárias, devido ao desemprego e fome”. Em sua declaração recente, ele confirmou que os homossexuais são anormais e devem ser tratados como vira-latas que precisam de terapia mental, a fim de deixarem de ir a esse vício.

Desmond Tutu: “Eu prefiro o inferno a um céu homofóbico” 

Desmond Tutu - ONU
Desmond Tutu – ONU

Conhecido pela sua luta contra o apartheid e pelo direitos dos homossexuais, o arcebispo emérito da Cidade do Cabo Desmond Tutu, durante seus discursos anti-homofóbicos em julho de 2013, disse que preferiria ir para o inferno a um céu que condena a homossexualidade como um pecado.

“Eu não iria adorar um Deus que é homofóbico. Eu me recusaria a ir para um céu homofóbico. Não, eu diria que sinto muito, eu quero dizer que seria muito melhor ir para outro lugar” –  disse Tutu durante Conferência contra esse preconceito na Cidade do Cabo, África do Sul.

Para o Prêmio Nobel da Paz de 1984,  racismo e a homofobia estão no nível de atrocidades cometidas pelo homem.

Na legislação, o abismo entre países como Uganda e África do Sul 

Que caminho, do ponto de vista do ativismo, Uganda precisaria percorrer ao encontro da África do Sul (a nação africana mais “alinhada aos direitos humanos internacionais” no quesito liberdade sexual, a primeira do continente a legalizar a união homoafetiva, em 2006)?

De acordo com o autor Marc Epprecht, em “A História da Homossexualidade na África”nos últimos anos, a homofobia e homossexualidade são termos que têm vindo à tona na África e chocado, envergonhado e enfurecido muitas pessoas. “A luta pelos direitos dos homossexuais ainda está em desenvolvimento na maior parte da África. Ela começou praticamente em 1990, apesar de os africanos saberem – há séculos – da existência de pessoas que não se enquadravam no perfil heterossexual.”

Campanha da Rivos - Foto Rivos.org
Campanha da Rivos – Foto Rivos.org

Veja mais: “Primeiro casamento zulu estimula discussão sobre tradição” 

Durante o apartheid (de 1948 até 1994 – ano das primeiras eleições democráticas), a homossexualidade era um crime. Após as eleições democráticas de 1994, a África do Sul incluiu na sua Constituição de 1996 o princípio da não-discriminação com base na orientação sexual, tornando-se um dos primeiros países do mundo a tomar tal atitude. Apesar de uma legislação absolutamente evoluída do ponto de vista dos direitos humanos, ainda são registrados muitos crimes de origem homofóbica em todo o país.

Na contramão da África do Sul, a comunidade LGBTT de Uganda não possui praticamente nenhuma proteção legal. No país, tanto a atividade homossexual masculina quanto a feminina são ilegais. De acordo com o Pew Global Attitudes Project 2007, 96% dos ugandenses acreditam que a homossexualidade é um modo de vida que a sociedade não deveria aceitar.

– É muito difícil de os homossexuais se protegerem diante de uma lei como essa. É uma vida onde todos precisam ficar escondidos porque as humilhações, perseguições e assassinatos, infelizmente, fazem parte da rotina. Desejamos que as pessoas reflitam sobre o direito do outro, sobre o respeito às diferenças e que lutem contra essa campanha que dissemina o ódio  – conta Matovu.

Algumas medidas contra a homofobia no Brasil 

A homofobia no Brasil mata um cidadão a cada 26 horas. O Grupo Gay da Bahia, a mais antiga associação de defesa dos direitos humanos dos homossexuais no país, informou que, em 2012, 338 pessoas foram assassinadas por serem gays, lésbicas, travestis ou transexuais no Brasil, 27% a mais do que no ano anterior, com 266 homicídios, e 317% a mais do que em 2005, quando a organização contabilizou 81 casos.

Para combater o crime, algumas medidas públicas vem sendo criadas como o Rio Sem Homofobia, um canal do governo do Rio de Janeiro desenvolvido com o objetivo de cuidar do enfrentamento da homofobia. No dia 26 de fevereiro, a entidade realizará um ato em repúdio aos casos mais recentes de homofobia como: o do casal de lésbicas, brutalmente agredidas no centro do Rio de Janeiro, a morte do cabeleireiro Waldemir Estrela, em São Gonçalo, e o ataque à sede do Grupo Diversidade Niterói. Conheça mais aqui 

No território brasileiro, para denunciar qualquer violação contra os direitos humanos, principalmente contra a população LBGTT, fale com o Disque Direitos Humanos (Disque 100). Não apenas o agredido, mas qualquer pessoa pode fazer a denúncia (que será absolutamente sigilosa). De acordo com a entidade, após o registro, o processo será encaminhado (em até 24 horas) para um órgão competente do município. Após 72 duas horas, o cidadão (que fez a denúncia) saberá qual órgão atuará sobre a sua denúncia.

Por dentro da África