Massacre em Angola: “Entre heróis e mártires de uma causa promovida por todos nós”, por Albano Pedro

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Estrada para Huambo – Foto: Wikipedia

Por dentro da África 

O jurista Albano Pedro enviou sua análise para publicação em Por dentro da África sobre o massacre na província de Huambo, no centro de Angola. O governo da região declarou que nove policiais e 13 civis foram mortos em um confronto, quando a polícia tentou prender José Kalupeteka, líder da seita religiosa “Luz do Mundo”, no dia 16 de abril. Moradores da região e a União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA) falam em até 1.000 mortos.

Luanda – Em países em que os talentos e a dignidade da pessoa humana são admirados e respeitados, um homem como José Kalupeteka, capaz de mobilizar mais de 3 mil almas para uma causa religiosa que arranha todos os marcos do ceticismo comum nos homens, seria visto como um verdadeiro gênio. Tendo surgido nos ecrãs dos médias com os inusitados eventos que vem promovendo envolvendo os fiéis da seita religiosa (Igreja do 7º dia Luz do Mundo) que fundou há mais de 10 anos, seria chamado a dar entrevistas em jornais, apresentar palestras em conferências e, até mesmo a ser convidado a escrever um livro ou a permitir que um escritor qualquer rabiscasse algumas notas da sua estranha e fulgurante trajetória de missionário a título biográfico.

Seria repentinamente uma pessoa notável cujas ideias seriam facilmente difundidas entre os seus concidadãos dando possibilidade de serem condenadas por uns e defendidas por outros. Ou seja, se fosse nos EUA, José Kalupeteka já teria amealhado alguns milhões de dólares pela fama repentina desde que a TPA, RNA e Jornal de Angola começaram a campanha de difamação contra sua genial figura. Em Angola, indivíduos assim, não passam de dementes que até são condenados por especialistas em criminalística, psicologia e todos os “ofícios”, em nome de um fanatismo partidário qualquer, sem chegarem se quer a perceber a pessoa ou a estudar os fenômenos sociais que desencadeiam e assim matam-se os talentos inatos que muito contribuiriam para o desenvolvimento desde país.

O fenômeno José Kalupeteka só não está a ser devidamente percebido, e por isso está a ser gravemente manipulado, por duas principais razões: A primeira razão, está no fato das pessoas não conhecerem os meandros da DOUTRINA ADVENTISTA que sustenta a ação missionária de José Kalupeteka e a obediência aparentemente “cega” dos seus fiéis, muito longe de se confundirem com valores religiosos comuns aos católicos e outras igrejas cristãs. E disto vem a ignorância sobre as motivações dos fiéis pelas pessoas que vão acompanhando os eventos pelos meios de comunicação social. A segunda razão, está no fato de as pessoas que vão precipitadamente condenando as ações dos fiéis e do seu líder, não perceberem que a ordem pública ou os bons costumes só podem ser violados pela via da Lei. Ou seja, só violando a Lei é que José Kalupeteka e seus seguidores podem estar agir contra a ordem pública ou social contrariando os bons hábitos e os bons costumes.

Albano Pedro

E o que é certo é que antes das mortes dos agentes da PN (Polícia Nacional) e da “carnificina” que vem assolando os fiéis (incluindo os indivíduos estranhos à seita visto como suspeitos de seguirem José Kalupeteka – e fala-se em mais de 700 fieis já mortos em retaliação), nenhum especialista que se emprestou as manipulações da imprensa foi capaz de explicar que leis foram violadas por José Kalupeteka e seus sequazes. A irresponsabilidade de tais especialistas apurou apenas os mesmos “lugares comuns” que podem ser veiculados por quitandeiras e roboteiros em conversas de praça. Ou seja, sabem apenas falar de condutas indecorosas ou contra os bons costumes (e sem fundamento na lei) muito longe de perceberem que contribuíra criminosamente para o ambiente de INTOLERÂNCIA RELIGIOSA que levou a condenação da Igreja do 7.º Dia Luz do Mundo pelos cidadãos por essa Angola fora e a agressão dos agentes da Polícia.

Houve atrevidos cotados no mercado da bajulação como “experts” em vender serviços de culambismo que não tiveram dificuldades de comparar a pequena seita de Kalupeteka ao gigantesco e multinacional grupo de guerrilheiros islamistas conhecido como BOKO HARAM, num claro exagero que só demonstra desconhecerem este último grupo. Nos argumentos assoberbados e sem “iluminação científica” de um outro que entendeu rotular Kalupeteka de psicopata deu para ver um amontoado de inveja e “mau-olhado” pela fama repentina desse líder religioso. Para estes especialistas, sem brilho para ganharem fama e prestígio no meio de um simples grupo duas pessoas, tudo foi mais fácil chamar José Kalupeteka de maluco.

Os absurdos nesse episódio que me ajudaram a descobrir o genial e modesto Kalupeteka foram tais que a própria administração do Município da Cáala “conseguiu” encerrar uma Seita (a própria Igreja Adventista do 7º dia A Luz do Mundo) que afinal nem é legalizada. Como é que a administração pública encerra algo que não foi reconhecida pelo Estado? Ou já é possível ILEGALIZAR algo que é ilegal?!!!

OS FATOS

A verdade é que os fatos não estão claros para todos que estão fora do campo de batalha entre os fiéis e as forças da ordem pública. A ocultação e a manipulação dos fatos que ocorrem, pelas autoridades e pela comunicação pública, em nada ajudam a descobrir a verdade dos fatos. A primeira vez que ouvi falar do caso Kalupeteka nos mídias, fazia-se referência ao abandono e venda de moradias por parte de cidadãos identificados com a seita Kalupeteka no Bié. As imagens da TPA mal chegaram a apresentar uma quantidade de casas que justificasse a quantidade de populares que alegadamente tinha abandonado o local.

A segunda vez, a situação já era em Luanda. Uma rádio luandina relatou o acontecimento convocando vários populares que condenavam o genial Kalupeteka por alegadamente estar a levar as pessoas a abandonar os empregos, as escolas e as próprias moradias. Uma das senhoras entrevistadas lamentava o fato de o seu filho ter deixado de frequentar a escola (já estava na 7ºa classe) pela ação persuasiva de Kalupeteka. A estes acontecimentos seguiu-se uma onda de agitação promovida pela comunicação social pública misturando depoimentos dramáticos de cidadãos que mal percebiam o problema e as opiniões infamatórias de alegados especialistas chamados a analisar a situação. Esta incitação à condenação da seita de Kalupeteka promovida pela imprensa abriu brechas para manipulações políticas.

maka angola
Maka Angola – José Jolino Kalupeteka (à direita), o líder da seita Sétimo Dia a Luz do Mundo, sob custódia da polícia.

A dada altura surgiram depoimentos alegando que Kalupeteka estava ligado a interesses de partidos da oposição. O que se seguiu a tudo isso, foi o contato entre agentes da PN e fiéis que acabaram num ambiente dramático onde a quantidade de mortos continua a somar até ao momento. Já não consegui perceber o que os agentes da PN (ainda por cima oficiais) foram fazer – sem mandato ou ordem de captura – no monte em que se encontravam os pacatos cidadãos? E depois vem a estranha versão de que os agentes da PN interpelaram os fiéis sem armas e estes ripostaram violentamente quando é certo que os órgãos de comunicação oficial parecem ocultar as mortes produzidas entre aos fiéis até que os agentes da PN acabaram abatidos a golpes de vários instrumentos contundentes ou cortantes. Para justificar (ou minimizar) a agressão que os fiéis vêm sofrendo, a mesma imprensa pública veicula um comunicado oficial condenando a seita pelas mortes dos agentes da ordem pública.

No meio disso, a TPA vem mostrar imagens em que “descobre” que Kalupeteka maltratava os fiéis chamando-lhes por KAPANGA numa clara descontextualização do credo religioso praticado pela seita, quando a palavra SERVO DO SENHOR (o mesmo que escravo do senhor) passa vezes sem contas nos programas religiosos oficiais apresentados pela mesma televisão pública sem quaisquer comentários pejorativos (inclusive nos tais cultos em que chamam os fiéis de SERVOS aparecem figuras proeminentes da nossa sociedade que, em situação normal, jamais aceitariam ou tolerariam que alguém os chamassem em tom pejorativo). Para sublinhar a situação vem o próprio presidente da República em comunicado oficial a condenar as ações da seita, numa estranha contribuição ao ambiente inflamado, quando nem sequer se pronunciou quando os nossos concidadãos do Lobito foram vitimados pela calamidade natural ocorrida recentemente. Portanto, não é difícil perceber que o caso Kalupeteka vai resvalando para um caso de TERRORISMO DE ESTADO contra os cidadãos no pleno exercício das suas liberdades (no caso, religiosas) por ação de uma manifesta manipulação política.

AS QUESTÕES RELIGIOSAS (DOUTRINA)

No contexto da religião cristã de cariz protestante, o ADVENTISMO tem a suas particularidades. É a única que observa INTEGRALMENTE os 10 mandamentos da Bíblia Sagrada (é a única que observa o Sábado como dia santo, daí ser Adventista do 7º Dia); os seus fiéis obedecem parcialmente o Antigo Testamento (por uma lado não comem certas carnes e certos peixes tal como vem escrito nas escrituras sagradas e por outro lado não apedrejam os adúlteros embora as mesmas escrituras recomendem essa conduta). Entretanto, a principal marca do ADVENTISMO consiste na crença de que Jesus, o salvador, está às portas. A qualquer momento chegará para resgatar a humanidade da destruição que vai ocorrer em todo o universo através do fim-do-mundo. O próprio Jesus pressagia esse advento “NÃO RESTARÁ PEDRA, SOBRE PEDRA”. Tal é percepção ecuménica da destruição do mundo (universo). Porém, essa destruição será antecedida de sinais evidentes que levarão os fiéis a prepararem o encontro com Jesus Cristo, o salvador. O livro do Apocalipse fala na manifestação do ANTICRISTO. Esse é o ponto fulcral da doutrina adventista que é de certeza aquela que entre as doutrinas cristãs que melhor explora os recursos que serão utilizados para a perseguição daqueles que amam e seguem a Deus. Por entenderem serem os únicos que observam integralmente os 10 mandamentos, os adventistas crêem serem os verdadeiros filhos de Deus aos quais Jesus Cristo virá salvar. Portanto o resgate da humanidade não é mais do que o resgate dos adventistas do 7º dia.

AS QUESTÕES DE DIREITO (LEGAL)

Depois de percebido os eventos, o que é que se pode ver de ilegal nas ações de José Kalupeteka? Existirão certamente vários motivos que levaram a exaltação do KALUPETEKISMO como escândalo social que arrastou os angolanos a condenarem as ações identificadas com os seus fiéis. Mas analisando aquelas que se tornaram evidentes nos meios de comunicação social interessa examinar as seguintes:

1. Seita ilegal – Diz-se que a Seita Igreja Adventista do 7º Dia a Luz do Mundo não é reconhecida pelas autoridades administrativas e, por conseguinte é ilegal. Ainda bem que o caso Kalupeteka destapa esse problema completamente “maltratado” na ordem jurídica angolana. Há uma confusão engendrada pelas autoridades nesse caso que leva a limitar direitos e liberdades consagradas constitucionalmente. Simplesmente porque se confunde deliberadamente a liberdade de religião e culto com a instalação de igrejas (espaços em que se exercem a religião e o culto).

Na verdade, o Estado sendo laico, portanto separado da igreja, não pode intervir na liberdade de religião e culto. Intervindo nesta esfera, o Estado deixa de ser laico para fazer prospeções sobre as boas ou más doutrinas religiosas capazes ou não de entrar em choque com os interesses do Estado. Não deve e, nem pode, intervir na forma como as pessoas praticam a religião e fazem os seus cultos. O que o Estado faz é o chamado CONTROLO EXTERNO da liberdade de religião e culto. O que significa que o Estado controla as ações das pessoas prevendo aquelas que violam ou não a lei. Aqui, a consequência jurídica de um ato religioso é o que interessa. Portanto, é pela violação da lei que o Estado deve estabelecer parâmetros de controlo da liberdade de religião e de culto. Não há problemas nenhuns em termos muçulmanos entre nós, se há interesse em encerrar as suas mesquitas, basta que os seus cultos e práticas religiosas violem alguma lei. Aqui os argumentos de que os bons costumes estão a ser violados pelas práticas religiosas sem que ofendam efetivamente a Lei não fazem qualquer sentido (há até governantes que veiculam orgulhosamente esse disparate). É claro que mesmo por essa via não seria fácil apanhar José Kalupeteka cuja ficha missionária não parece entrar em contradição com a lei.

SOLUÇÃO PARA O CONTROLO DO KALUPETEKISMO

Foi por perceber que nós, os angolanos, estamos a correr o risco de condenar pessoas inocentes, violentando suas vidas particulares, por estarmos envolvidos em ânimos incentivados com fins manipuladores, que entendi emprestar a voz para o caso Kalupeteka. É um ato de irresponsabilidade monumental que devia envergonhar os chamados intelectuais que não perderam tempo em se ridicularizar investindo contra os seus concidadãos. A NOSSA CONSCIÊNCIA NÃO DEVE DESCANSAR (ou acobardar-se) diante das violações injustas sofridas pelos nossos compatriotas só porque a maioria PATETICAMENTE manipulada se vê no direito de condenar os outros por representarem minorias indefesas. Não podemos viver numa sociedade em que as pessoas são condenadas pela comunicação social (através de bocas alugadas – inocentes ou invejosas) antes de serem ouvidas em Tribunal, violando o PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DA INOCÊNCIA de que gozam as pessoas suspeitas de cometerem crimes. O que significa que ninguém deve ser considerado criminoso sem ser julgado e condenado em tribunal.

Assim viola-se o Estado de Direito e promovemos um ambiente de incerteza e insegurança jurídica generalizada. Os angolanos que se precipitaram a condenar os “feitos miraculosos” de Kalupeteka não fizeram mais do que negar o Estado de Direito. Porquê é que o Presidente da República não deixou as autoridades judiciais intervirem no caso antes de se pronunciar oficialmente contra a seita? Qual é o crime provado contra José Kalupeteka e seu seguidores se o próprio Tribunal nem sequer apreciou a situação? Quem foi que aconselhou o Presidente da República a agir nesse sentido? Que sociedade ou valores éticos e morais sãos estes que estamos a promover afinal?

Os agentes da PN, os quais lamentamos as mortes e nos solidarizamos com a dor dos seus ente-queridos, foram vítimas da ação irresponsável das próprias autoridades públicas que não souberam lidar com a situação, sem verem fantasmas “revolucionários” contra os interesses ditos públicos que defendem. Mas as mortes dos agentes da PN não são as únicas a lamentar. Entristece-me que os Estado através dos meios de comunicação social pública (os mesmos que exaltaram e promoveram criminalmente o caso Kalupeteka) não considerem as centenas de civis que vão perdendo vidas na sequência das agressões que se seguiram a morte dos agentes da PN e a captura de José Kalupeteka. Onde está o interesse público que o Estado angolano está a defender nesse caso? Onde está a proteção da vida que o Estado garante aos cidadãos? Aqui dirijo a minha sentida homenagem a essas vítimas de INTOLERÂNCIA POLÍTICA (aparentemente religiosa) do próprio Estado.

Leia o artigo O KALUPETEKISMO – ENTRE HEROIS E MÁRTIRES DE UMA CAUSA PROMOVIDA PELA IGNORÂNCIA DE TODOS NÓS