Moçambique: Manifestações contra ataques e sequestros unem o povo em pedido de paz

0
812
Foto do site Moz e Tu - Divulgação
Foto do site Moz e Tu – Divulgação

Natalia da Luz, Por dentro da África

Rio – Desde o dia 21 de Outubro, após a ruptura do Acordo de Paz assinado em 1992 entre a Renamo (Resistência Nacional Moçambicana) e o partido governista Frelimo (Frente de Libertação de Moçambique), a tensão vem aumentando em Moçambique. Nesta terça-feira, houve mais um confronto no norte do país, sinalizando preocupação.

– Hoje, o que mais se fala é sobre o apelo de paz. A movimentação pelas redes sociais é forte. É a partir dela que sabemos o que está acontecendo. Como é um país “pequeno”, sempre há um amigo de um amigo que nos conta o que viu, e isso se torna viral – disse, em entrevista ao Por dentro da África, Lidiane Chiva, empresária que vive em Maputo, capital do país.

Províncias de Moçambique Na última semana, o país, localizado na costa oriental da África, vem enfrentando ataques, sequestros e rumores de que a guerra civil, terminada em 1992, pode bater a sua porta. Nos últimos dias, houve vários ataques, incluindo a ocupação pelo Exército de Satungira, em Gorongosa, base onde estava isolado (há um ano) o líder da Renamo Afonso Dhlakama, que continua com paradeiro desconhecido.  No último sábado, um ataque armado deixou um morto e nove feridos na província de Sofala, no centro do país.

– O sentimento de “não guerra” é geral. Ninguém está satisfeito com o atual governo, mas não vemos um moçambicano incitar a guerra. Vimos que o país foi destruído pela guerra civil. É uma economia que está em bastante crescimento… Há mais empregos, formação e uma guerra só viria a atrapalhar um país que já sofreu tanto… Ninguém quer isso” – destaca Chiva.

Economia de Moçambique

Foto aérea de Maputo - Wikipedia Com importantes reservas de petróleo, gás natural e carvão, Moçambique vem crescendo, nos últimos anos, acima dos 7%. Para 2013, a previsão supera os 8%. De acordo com o FMI (Fundo Monetário Internacional), o país de cerca de 25 milhões de habitantes deverá ser o Estado dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP) com melhor desempenho econômico neste ano.

O Produto Interno Bruto (PIB) deste país de praias paradisíacas deverá crescer a uma média anual de 6,88%, entre 2012 e 2017, de acordo com previsões da consultoria Ernst & Young. No relatório “Ernst & Young’s  Attractiveness Survey Africa 2013”, a empresa adianta que o PIB moçambicano registrará, até 2017, o segundo crescimento mais elevado de todos os países africanos, sendo apenas ultrapassado por Malawi, com 7%, ficando à frente de Angola e Ruanda, ambos com 6,5%.

Insatisfação com o governo

Foto do site Moz e TuApós a independência da ex-colônia portuguesa, em 1975, uma Guerra Civil desestabilizou o país opondo o Exército de Moçambique à Renamo. Um Acordo de Paz assinado em 1992 pôs fim aos conflitos, mas 24 anos depois, a insatisfação com o governo se tornou visível nas ruas e nas redes sociais. Segundo Lidiane, a população fica confusa diante das contradições em relação às informações divulgadas pelo governo e os números de ataques e mortes.

– A TV pública ‘camufla’ muita coisa, só dá para saber que o presidente continua na presidência e que deseja diálogo com a Renamo. Buscamos veículos que fazem frente ao governo e que sejam mais comprometidos com a realidade – disse, completando que a ausência de informação sobre a quantidade de militantes da  Renamo e do tipo de armamento que usam ajudam a aumentar a tensão.

Em carta aberta aos “Libertadores da Pátria”, Maria Alice Matoba, da Liga Moçambicana dos Direitos Humanos, desabafa,  recordando momentos da guerra civil e os anos que se seguiram em paz.

– Joaquim Chissano saiu do poder e deixou os cidadãos com alguma moral e esperança. Que me lembre não deixou muita gente tão descontente como estão os cidadãos hoje, sem esperança, sem moral, sem dignidade, onde cada um só pensa em roubar para ser rico. Nunca ouvi o povo tão revoltado e sem esperança como está agora.

– A incompetência dos governantes se acentuou mais, e passamos a ver ministros que nem sequer sabem o que fazem, não conhecem a casa que governam, os problemas dos seus pelouros e não medem palavras quando se dirigem aos cidadãos – disse a moçambicana Maria Alice Matoba.

Manifestações pelas redes sociais

Kevin Macaringue em foto do site Moz e Tu
Kevin Macaringue em foto do site Moz e Tu

Pelo facebook, muitos moçambicanos registram mensagens de paz. A comunidade Moz és tu vem exibindo fotos da população que reforça a sua luta pela paz. Na próxima quinta-feira, eles preveem uma grande manifestação em Maputo, capital do país, onde a situação de confronto armado ainda parece distante.

– Recebi algumas mensagens para ter alimento em casa no caso de algo fugir ao controle. As pessoas dizem que a guerra nunca chegou diretamente a Maputo e se sentem minimamente seguras aqui – conta Chiva, lembrando que o maior problema da capital é outro:  os sequestros.

Aumento de sequestros

Nos últimos dias, houve um aumento recorrente no número de sequestros. Uma mãe que teve seu filho sequestrado e morto pelos criminosos denunciou o fato afirmando que, entre os sequestradores, havia policiais e influência do governo. Assista ao vídeo aqui 

Esse tipo de crime não é de agora, após a ruptura do acordo de paz entre os partidos políticos. De acordo com Lidia, ele acontece há mais de um ano.

– Antes, tínhamos conhecimento de um por mês, tendo sempre como vítimas grandes empresários. Mas nos últimos dois meses, foi se tornando algo muito comum. Chegamos a contabilizar 5 sequestros em 72 horas.

Mia Couto - divulgação Mia Couto, uma das maiores personalidades moçambicanas reconhecidas internacionalmente pelo talento literário e busca pela paz, afirmou, em discurso durante evento da STV (emissora de TV), realizado no dia 25 de outubro, que sua família vem sendo ameaçada.

– Há três dias, a minha família foi alvo de várias e insistentes ameaças de morte. Essas ameaças persistiram e trouxeram para toda a nossa família um clima de medo e insegurança. A intenção foi-se revelando clara, depois de muitos telefonemas anônimos: a extorsão de dinheiro. A mesma criminosa ameaça, soubemos depois, já bateu à porta de muitos cidadãos de Maputo” – disse o escritor.

Confira aqui o discurso de Mia Couto

Por dentro da África