Suazilândia: os desafios da política no país que abriga a última monarquia absolutista da África

0
1508
Foto: thepolitic.org

Natalia da Luz, Por dentro da África

Mbabane, Suazilândia – Localizado na África Austral, um país de cerca de 1,2 milhão de habitantes é a última monarquia absolutista do continente africano. Comandado desde 1986 pelo rei Mswati III (que herdou o trono do pai), o governo é acusado de perseguir partidos opositores e de controlar todos os aspectos da vida da população.

– Nós sustentamos que não pode haver nenhum caminho a seguir para o país até que todos os partidos políticos sejam liberados, até que todos os exilados políticos voltem para casa, até que todos os presos políticos sejam libertados. Acreditamos que um bom caminho seja incluir todas as pessoas da Suazilândia em uma eleição multipartidária livre, justa e democrática. Atualmente, os partidos políticos não são autorizados a participar das eleições – disse, em entrevista exclusiva ao Por dentro da África, Skhumbuzo Phakathi, dirigente do PUDEMO (People United Democratic Movement).

Phakathi explica que  a monarquia não é em si um problema, que o maior problema é o fato de a monarquia controlar todas as esferas da vida suazi, sendo tendenciosa para aqueles que compartilham seus pontos de vista políticos. No continente africano, as outras monarquias são Marrocos e Lesotho, que, em relação à Suazilândia, se diferem em essência.

Comandado por Mohamed VI e independente da França e da Espanha desde 1956, Marrocos, no norte da África, experimenta uma monarquia constitucional assim como Lesotho, localizado na África Austral – que independente da Inglaterra desde 1966, é comandado por Letsie III.

– Lesoto é uma democracia. Os partidos políticos são permitidos e não há problemas… Em muitos outros países, como Grã-Bretanha, Dinamarca e Suécia,  a democracia convive ao lado dos reinos. O problema com o sistema Suazi é a monarquia absolutista com todo o poder nas mãos da família real –explica o ativista.

mapa suaziA Suazilândia é um pequeno país limitado a leste por Moçambique e em todas as outras direções pela África do Sul. Suas capitais são Mbabane (administrativa) e Lobamba (legislativa). A sociedade, patriarcal e formada por clãs, admite a poligamia. Sua economia se baseia na agropecuária, mas o país não é autossuficiente na produção de alimentos.

A partir de 1880, a presença branca resultou em numerosas concentrações de terras e minérios. Em 1888, os suazis consentiram, em seu território, representantes do governo britânico, sul-africano e suazi, mas em 1893, recusaram uma proposta para instituir ali uma administração sul-africana. No ano seguinte, no entanto, foi assinado um acordo que estabelecia a administração sul-africana em anexação do território suazi.

democracy1O pluripartidarismo foi banido da Suazilândia em 1973. Por isso, as eleições parlamentares são vistas com suspeitas por observadores internacionais. Phakathi lembra que todo o Congresso é aliado do rei, e as legendas de oposição são proibidas. Na Assembléia, os candidatos não representam seus partidos, isso porque a monarquia impede por lei que eles façam isso.

– Uma das razões pelas quais o PUDEMO continua a boicotar as eleições é a própria estrutura do Parlamento. Mesmo que um partido político viesse a ganhar 100% da casa, o rei nomearia dois terços dos membros. Dessa forma, ele possui o controle total do processo legislativo – explica o suazi, completando que o rei nomeia o primeiro-ministro, o que faz com que o partido majoritário eleito pelo povo não seja capaz de formar um governo, mas ser submetido a um governo nomeado pelo rei.

O ativista detalha que o rei nomeia os comandantes de todas as forças de segurança, o chefe da Justiça e chefes de departamentos governamentais. Então, dessa forma, ele controla tudo. Curiosamente, há um grande número de partidos no país, mas, como lembra Phakathi, o governo Suazi gosta de dizer ao mundo que o povo da Suazilândia não quer partidos políticos.

Foto: UNDP

– Agora, há mais de 10 partidos políticos, todos eles formados em desafio à lei. Então, isso mostra a fome do povo pela democracia multipartidária. O rei e a família real são acusados de gastar uma fortuna dos contribuintes com altos níveis de corrupção e nepotismo. As pessoas que não forem favoráveis são expulsas do país, caso ajam contra as leis – revelou.

Pressão internacional

A pressão internacional contra a monarquia absolutista está aumentando. Phakathi  afirma que, se os países democráticos do mundo realmente querem ajudar o povo da Suazilândia para ser livre, devem impor proibições de viagens sobre as autoridades da Suazilândia e os seus amigos.

– As pessoas estão envolvidas, mas ainda com medo porque elas não veem a comunidade internacional ao lado delas. Também é importante notar que nós estamos lidando com uma geração que foi despolitizada desde a proibição de atividade política em 1973, mais de 40 anos atrás! Nós queremos uma reforma total do sistema monárquico, que deve ser derrubado – disse, ressaltando que os suazis vivem hoje uma ditadura.

Desafios além da política

Ruas de Mbabane – Foto: Natalia da Luz

A Suazilândia possui um dos piores indicadores, quando o assunto é a epidemia de HIV. O país viu a sua expectativa de vida cair de 61 (em 2000)para 32 anos (a mais baixa em todo o mundo), de acordo com o relatório da ONU de 2009.  Este mergulho no abismo está diretamente ligado ao HIV, revelando uma prevalência que assustou o mundo: 26% da população.  Felizmente, um misto de conscientização da população e de expansão do tratamento vem provocando avanços nesse cenário.

– Como resultado da má gestão do país, nos deparamos com as maiores prevalências de HIV/ AIDS no mundo. Somos classificados entre os primeiros países com desconfiança dos investidores no mundo e com a maior despesa militar per capita. A educação e sistema de saúde entraram em colapso, e a pobreza está a devastar o nosso povo com o desemprego em mais de 40% – desabafou.

Veja mais: Especial! Dia Mundial de luta contra a Aids na Suazilândia 

O rei de muitas rainhas

Mswati III – Foto: sahistory.org

O palácio do rei Mswati III é a casa de muitas rainhas, o que contribui para aumentar os gastos públicos. Esse comportamento é uma das maiores críticas contra o rei, conhecido por escolher suas esposas em um festival cultural chamado Reed Dance ou Umhlanga, que possui uma cerimônia na qual jovens da Suazilândia dançam e se mostram para o monarca. A “festa” de oito dias acontece, anualmente, entre agosto e setembro.

Reed Dance – Divulgação

– A Reed Dance é um festival bonito e cultural do país, mas é uma forma de apoiar o estilo de vida do rei. O estilo de vida dele está drenando a economia… Os departamentos governamentais têm de apoiar as festividades da família real, incluindo eventos onde o rei escolhe suas esposas- contou o ativista.

O fato de que pessoas frequentarem o festival que acontece todos os anos não é necessariamente uma indicação de seu apoio. Phakathi  conta que as pessoas são intimidadas por seus chefes e, às vezes, multadas se deixarem de comparecer naquele que é um dos eventos mais importantes do calendário do país.

Reed Dance – Divulgação

– Como há muita pobreza no país, essa é uma oportunidade de ter refeições decentes para a semana do festival. Para algumas famílias atingidas pela pobreza, é a esperança sincera de que, talvez, o rei escolha uma mulher de sua família ou comunidade. Desta forma, a família e a comunidade serão recompensados ​​com postos de trabalho no exército e tudo mais. Apesar desse apoio, a democracia é para todos, e a Suazilândia precisa dela. As pessoas deixaram claro que querem democracia.

Este conteúdo pertence ao Por dentro da África. Para reprodução, entre em contato com a redação.

Por dentro da África