Países africanos sem litoral redesenham seu papel no comércio e no crescimento

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© OIT/Marcel Crozet — Fábrica de vestuário no Lesoto, uma nação sem litoral

Com informações da ONU News

Ao aproveitar sua localização central, ampliar a conectividade regional e adotar tecnologias transformadoras, os países africanos em desenvolvimento sem litoral (LLDCs, na sigla em inglês) estão se posicionando como contribuintes vitais para a prosperidade e o desenvolvimento sustentável do continente.

“Estamos em um momento crucial, que marca uma mudança profunda: deixamos de ver essas nações como isoladas e limitadas pela geografia para reconhecê-las como dinâmicas economias conectadas por terra, no coração da retomada socioeconômica da África”, afirmou Samuel Doe, representante residente do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) na Etiópia.

Um novo documento de posição do PNUD – Economias Africanas Conectadas por Terra: Caminhos para a Prosperidade e o Desenvolvimento – apresenta uma nova narrativa para os LLDCs africanos, “reescrevendo a história de limitação geográfica para vantagem estratégica”.

Falando em nome do PNUD na África, Doe apresentou o documento em uma coletiva de imprensa à margem da Terceira Conferência da ONU sobre LLDCs (LLDC3), que acontece desde terça-feira em Awaza, no Turcomenistão.

Por décadas, os LLDCs africanos foram definidos pela falta de acesso direto ao mar — muitas vezes vista como uma desvantagem que limita comércio, crescimento e desenvolvimento. Hoje, porém, eles estão aproveitando sua centralidade estratégica e a conectividade regional para se tornarem centros vitais de atividade econômica, comércio e inovação.

Entre os exemplos citados por Doe está a Plataforma Logística de Kigali, em Ruanda, com 130 mil hectares, que conecta Uganda, República Democrática do Congo e Burundi às economias costeiras do Quênia e da Tanzânia.

Outro caso é o da Etiópia, que facilita rotas comerciais cruciais de Sudão do Sul a Djibuti — reduzindo o tempo de transporte ferroviário de 72 para 12 horas — e aproveita sua companhia aérea nacional para se consolidar como um conector global essencial, ligando a África a mercados internacionais.

Botsuana, Malawi, Zâmbia e Zimbábue também têm papel estratégico no Corredor Norte-Sul, que liga o sul da África a mercados continentais mais amplos.

Globalmente, os LLDCs representam 7% da população mundial, mas respondem por apenas 1,1% do comércio global. Apesar dessa participação modesta, segundo o PNUD, eles abastecem mercados regionais e continentais com bens e serviços estratégicos, como diamantes, cobre, ouro, café, açúcar, além de têxteis e vestuário.

Um elemento essencial dessa mudança é a Zona de Livre Comércio Continental Africana (AfCFTA), em vigor desde janeiro de 2021, que se tornou a maior área de livre comércio do mundo, abrangendo um mercado de 1,2 bilhão de pessoas.

A maioria dos LLDCs africanos faz parte da AfCFTA, que já está reduzindo barreiras comerciais e abrindo vastas oportunidades para que esses países participem ativamente e se beneficiem do comércio intra-africano e global.

“O conceito de land-linked inverte a narrativa: países no interior se tornam pontes, não barreiras. Com a AfCFTA, os LLDCs podem transformar a geografia em vantagem competitiva — movimentando bens, serviços e dados de forma mais rápida e acessível pela África e além”, disse Doe.

Essa transformação exige reformas políticas coordenadas, além de inovação, governança inclusiva, resiliência e financiamento para impulsionar um crescimento sustentável e inclusivo.

O documento também aponta a conectividade digital como um “caminho transformador” para que os LLDCs africanos superem restrições geográficas e estabeleçam conexões diretas com mercados regionais e globais.

Segundo o relatório Facts and Figures 2024 da União Internacional de Telecomunicações (UIT), 39% da população dos LLDCs está online, sendo que o acesso à internet nos LLDCs africanos chega a até 20%.

Embora o cenário digital ainda seja desafiador, o PNUD avalia que esses países estão em posição de aproveitar soluções inovadoras de conectividade que reduzem a dependência tradicional de vizinhos costeiros — embora ainda dependam desses países para acesso a cabos submarinos.

“Também nos preocupa que os países em desenvolvimento sem litoral não tenham fácil acesso a cabos submarinos”, afirmou Cosmas Luckyson Zavazava, diretor do Escritório de Desenvolvimento das Telecomunicações da UIT. “Para aqueles que são duplamente sem litoral, o desafio é ainda maior, pois é necessário manter boas relações com os vizinhos para poder se comunicar.”