Natalia da Luz, Por dentro da África
Rio – Levado a julgamento sob a acusação de incitar a violência em Angola, o jornalista Domingos da Cruz foi liberado após audiência realizada no dia 6 de setembro. Apesar de não ter sido considerado culpado, Domingos acredita que a perseguição à liberdade de imprensa não cessará.
– Não existe nenhuma pendência jurídica. Efetivamente, esse processo terminou, mas a qualquer momento podem abrir outro. Em Angola, há jornalistas com mais de 70 processos judiciais. São processos essencialmente motivados por razões políticas – disse em entrevista exclusiva ao Por dentro da África Domingos da Cruz, também autor de Direitos Humanos na África.
A obra “Para onde vai Angola: A selvageria apocalíptica onde toda a perversidade é real” é o grande motivo de perseguição política que inclui, principalmente, ameaça de morte. Pela quarta vez no Tribunal de Luanda por conta dos adiamentos da justiça angolana, o caso de Domingos foi resolvido em uma audiência de 30 minutos que ele chamou de “sessão forçada”. Publicamente, ele havia afirmado que, caso não encerrassem o caso, ele não voltaria mais no tribunal…
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– A minha posição configurou um xeque-mate para o poder político, que encomendou a acusação. Digo xeque-mate porque, sendo a acusação baseada numa lei revogada, não havia crime. Estávamos diante de uma denúncia ancorada sobre o nada – explicou o angolano, lembrando que, caso ele fosse julgado à revelia, o condenariam a que pena?
Para Domingos, não restava outra hipótese senão realizar a audiência e encerrar o romance político-jurídico. A acusação aceitou o despacho do juiz que deu por arquivado o processo, mas, antes disso, tentou encontrar um crime possível na nova lei que substitui a anterior. Efetivamente, Domingos destaca que o juiz manifestou desejo em condená-lo.
– O juiz perguntou se eu estava com o batimento cardíaco tranquilo. Deu alguns conselhos ridículos que não têm nada a ver com papel de um juiz e perguntou se eu gostaria de reagir aos seus conselhos, e respondi-lhe o seguinte: “ não”!
O ativista acredita que a decisão é fruto da pressão da sociedade civil jovem e da mídia nacional einternacional, que deram destaque ao caso e às ameaças do governo angolano aos jornalistas.
Novos casos de ameaça à liberdade
Um dos correspondentes da Voz da Alemanha em Angola, Nelson Sul D’Angola, foi interrogado nas instalações do Hospital Militar Central de Luanda, sobre supostas atividades de espionagem contra o país. Em declarações ao jornal Maka Angola, Nelson disse, na última quarta-feira, que sargentos do Hospital Militar confiscaram a sua câmara fotográfica quanto fazia retratos do mural do hospital.
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– Perguntaram-me se, além das minhas atividades jornalísticas, eu prestava colaboração para serviços secretos alemães. O correspondente da Voz da Alemanha disse que os coronéis também queriam saber sobre as atividades de outros colegas da imprensa estrangeira.
Domingos acredita que o caso de Nelson e de outros jornalistas fazem parte de um comportamento que não cessará.
No dia 19 de setembro, a polícia deteve 22 manifestantes perto da Praça da Independência de Luanda que procuravam manifestar-se e distribuir panfletos que clamavam por justiça social. Dois manifestantes soltos no mesmo dia foram citados nos meios de comunicação locais, alegando terem sido espancados enquanto estiveram detidos. Em 20 de Setembro, três jornalistas que tentaram entrevistar alguns manifestantes recém-libertados foram também eles detidos, ameaçados e agredidos pela polícia.
– Aqui, no meu caso, só cessa quando eu me assumir como membro do partido no poder e bajular permanente o presidente e seus aliados poderosos. Enquanto mantiver os meus valores, manifestarei de forma clara que sou contra a corrupção, o nepotismo, a falta de transparência e toda trama política do regime.
No dia 19 de setembro, a polícia deteve 22 manifestantes perto da Praça da Independência de Luanda que procuravam manifestar-se e distribuir panfletos que clamavam por justiça social. Dois manifestantes soltos no mesmo dia foram citados nos meios de comunicação locais, alegando ter sido espancados e vítimas de outros maus-tratos enquanto estiveram detidos. Em 20 de Setembro, três jornalistas que tentaram entrevistar alguns manifestantes recém-libertados foram também eles detidos, ameaçados e agredidos pela polícia.
Menor detido por difamar o presidente José Eduardo dos Santos
Agentes da Polícia Nacional detiveram na semana passada, em Luanda, o ativista Manuel Civonda Baptista Nito Alves, de 17 anos, por difamação ao presidente José Eduardo dos Santos.
A detenção do jovem teria sido motivada pela produção de 20 camisas que foram impressas com “José Eduardo fora! Ditador nojento”. Na parte de trás das camisas foram impressas as inscrições “Povo angolano, quando a guerra é necessária e urgente” – a expressão é o título de um artigo e do livro do jornalista Domingos da Cruz, publicados em 2009.
Domingos disse que a detenção do adolescente viola as normas nacionais e internacionais. Representa a negação do artigo 40 da Constituição da República de Angola, referente ao Direito à Liberdade de Expressão e o artigo 47 sobre o Direito à Manifestação, igualmente da Constituição. Para ele, este ato tem um agravante, uma vez que mesmo que tivesse cometido um crime, o que não é o caso, não se pode deter alguém por mais de 24 horas, sem culpa formada e sem formalização da mesma por um Procurador.
– Levantemos a hipótese de que ele tenha cometido uma ação que configure crime. Mesmo assim, sendo menor é inimputável, pelo que não pode ser responsabilizado criminalmente. É preciso reafirmar que, no caso de Nito, nada fez se não o exercício da Liberdade de Expressão e de Manifestação, amparados no Direito Interno e Internacional dos Direitos Humanos.
Para Domingos, essa ação expressa, de forma clara, que Angola é um Estado autoritário a caminho do totalitarismo, e que isso só agrava ainda mais a impopularidade do presidente e a imagem geral do regime frente aos cidadãos e perante a comunidade internacional.
– Importa frisar que, neste momento, a única TV de dimensão nacional, TPA, está a levar a cabo uma campanha de propaganda de grandes proporções que visa a “diabolizar” o adolescente e a intimidar a população em geral. Nesta campanha, a tônica dominante é a de que o “jovem quer retorno da guerra e difamou a honra do presidente”.
Por dentro da África