Natalia da Luz, Por dentro da África
Rio – Sem receio de sofrer represálias do governo em seus trabalhos diários, jornalistas da Namíbia vivem em um território que, reconhecidamente, é exemplo de liberdade de imprensa no continente africano. Nesta semana, durante uma visita às obras da barragem de Naute Dam, o presidente Hifikepunye Pohamba criticou, publicamente, as condições de trabalho no local e os responsáveis pelo projeto.
– Eu não quero você na “minha empresa”, sai, você é inútil. Não me siga – disse o presidente a John Nekwaya (porta-voz do Namibia Development Corporation), diante de jornalistas e equipes de TV. Pohamba criticou o tratamento dado aos trabalhadores do projeto na cidade de Keetmanshoop, que, segundo ele, era pior do que durante o apartheid. O presidente ficou especialmente irritado por ter encontrado 12 trabalhadores apertados em pequenos quartos.
– Assim, cada pessoa ocupa menos de 1,5 metro quadrado. É desumano, certamente não é aceitável – completou Pohamba diante da mídia, que publicou os desentendimentos internos sem qualquer censura.
Localizado entre Botsuana, Zâmbia, Angola e África do Sul, Namíbia é um país com cerca de 2,2 milhões de habitantes, concentrados, sobretudo, no Norte e na zona da capital Windhoek. A língua oficial é o inglês, embora o afrikâner e o alemão também sejam falados. Em virtude da proximidade com Angola, cerca de 5% da população total é lusófona.
– A Namíbia é um dos países mais livres da África e do mundo. Esta afirmação pode ser confirmada pelos relatórios anuais das instituições que monitoram a liberdade de expressão e de imprensa no mundo – disse, em entrevista ao Por dentro da África, o especialista em direitos humanos na África Domingos da Cruz.
Segundo dados da Freedom House de 2013, a Namíbia ocupa a 64 posição do mundo. Na frente do país, outros africanos em destaque são Maurícius (63), São Tomé e Príncipe (55) , Gana (55) e Cabo Verde (52).
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Com uma série de pesquisas, artigos e um livro de 700 páginas (Direitos Humanos na África), Domingos conta que, com frequência, o presidente da Namíbia visita universidades públicas e privadas para trocar impressões com estudantes.
Paradoxo com realidade angolana
– Se você comparar com a realidade angolana, percebe-se um contraste demasiado, uma vez que a saída do presidente namibiano não movimenta meios bélicos nem homens, com exceção da sua pequena guarda mais próxima. Em Angola, qualquer saída do palácio, o presidente José Eduardo dos Santos movimenta cerca de 3 mil militares com armas de alto calibre operacional por toda capital e com ordem expressa para matar em caso de qualquer sinal, mesmo que não haja certeza de que represente risco para a integridade física do “príncipe”. Parece ficção, mas é a realidade – compara o angolano.
A comparação é bem oportuna, visto que, em Angola, nos últimos anos, muitos jornalistas foram perseguidos e reprimidos pelo Estado. Levado a julgamento sob a acusação de incitar a violência em Angola, o também jornalista Domingos foi liberado após audiência realizada no dia 6 de setembro do ano passado.
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A obra “Para onde vai Angola: A selvageria apocalíptica onde toda a perversidade é real” é o grande motivo de perseguição política que inclui, principalmente, ameaça de morte. Pela quarta vez no Tribunal de Luanda por conta dos adiamentos da justiça angolana, o caso dele foi resolvido. Publicamente, ele havia afirmado que, caso não encerrassem o caso, ele não voltaria mais no tribunal…
Exemplo do presidente
Apesar do desentendimento público com o presidente, John Nekwaya ainda continua oficialmente no cargo até a próxima etapa da investigação. Após a repercussão na imprensa nacional, a Namibia Development Corporation anunciou que vai melhorar as condições dos trabalhadores. Para Domingos, tal ato, diante da imprensa, configura transparência, mas também é possível suspeitar de razões de “charme político”. Ele acredita que muitas pessoas poderão questionar a dureza das palavras do presidente.
– Eu acho que a atitude foi relevante por três motivos: Primeiro, porque o presidente mostra que é preciso lutar para que as pessoas vivam de forma diferente da época do apartheid; segundo, dá exemplo de como, enquanto presidente, deve ser guardião da Constituição e dos direitos humanos e, terceiro, em qualquer sociedade africana de matriz Bantu, o líder deve demonstrar sinais de verticalidade e interesses da comunidade – justifica o angolano, ressaltando que essa é a chave para que as próximas gerações reforcem uma cultura política de promoção da dignidade humana.
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