As eleições do dia 23 de agosto levaram os angolanos às urnas para a escolha do próximo presidente. Por dentro da África reproduz parte do artigo de Rafael Marques, publicado pelo Maka Angola. Leia o artigo completo aqui
Em 21 de setembro, Angola terá um novo presidente, depois de 38 anos de José Eduardo dos Santos. A Comissão Nacional Eleitoral, sem o apuramento legal dos votos em 15 das 18 províncias, já certificou João Lourenço como presidente-eleito. O MPLA vai continuar a governar, mantendo-se 47 anos no poder. Quem acha que a lei tem algum valor quando estão em jogo os interesses dos mandantes do MPLA, desengane-se.
Interessa, no entanto, revisitar a história do poder presidencial em Angola e a sua legitimidade popular.
Em 1975, Agostinho Neto ascendeu à presidência por via da declaração unilateral da independência, após ter expulsado de Luanda os movimentos de libertação FNLA e UNITA. Os três movimentos chegaram a formar um governo de transição, e o processo de declaração de independência deveria ter ocorrido após a realização de eleições. Ganhou o mais esperto e estratégico dos líderes, e consagrou-se, assim, a ditadura de Agostinho Neto.
O povo nada teve a ver com essa escolha.
José Eduardo dos Santos ascendeu ao poder com a morte de Agostinho Neto, em 1979, não pela vontade popular mas pela escolha dos seus pares no Bureau Político do MPLA.
Em 1992, a única vez em que o povo foi chamado a escolher directamente o seu presidente, José Eduardo dos Santos e o então líder rebelde Jonas Savimbi deveriam ter disputado uma segunda volta. Essa segunda volta nunca aconteceu e Dos Santos lá ficou, mesmo sem o mandato do povo. Savimbi aceitou formalmente os resultados eleitorais e aguardava pela segunda volta. A guerra é outra história que temos de contar com verdade e imparcialidade.
O próprio José Eduardo dos Santos fez questão de encomendar, em 2005, um acórdão ao Tribunal Supremo que declarou a nulidade dos seus mandatos presidenciais por falta de legitimidade popular, democrática. O seu objectivo era óbvio. Manter-se na presidência, ignorando o limite de dois mandatos da Lei Constitucional de 1992.
Tivemos, então, as eleições legislativas de 2008. Muitos angolanos já esqueceram que, nessa altura, a fobia da liderança do MPLA sobre eleições presidenciais directas tinha-se agravado. José Eduardo dos Santos justificou que as eleições presidenciais deveriam ter lugar em 2009, um ano depois das legislativas. Em 2009 não houve eleições presidenciais.
Lá veio a Constituição de 2010, que resolveu a fobia da liderança do MPLA. Consagrou o impedimento do povo para escolher livre e directamente o seu presidente.
Só assim José Eduardo dos Santos aceitou concorrer, em 2012, como deputado e para ser automaticamente presidente, como o primeiro nome da lista do partido vencedor das eleições legislativas. Livrou-se do julgamento do povo. Passou essa lição a João Lourenço, que escolheu como seu sucessor.
Nada previa, em 2017, que João Lourenço fosse roubar as eleições por junto e atacado. Aguardava-se a sua eleição com a batota habitual do MPLA, exercida através do controlo absoluto do processo eleitoral.
E assim temos o terceiro presidente da história de Angola, desta vez sem qualquer disfarce de legitimidade.
Este percurso demonstra a profunda divisão e resistência passiva dos angolanos perante o poder do MPLA.
Abençoado seja o povo, malditos os seus líderes impostos.