Boko Haram: O que planeja o grupo terrorista que ameaça a ordem na Nigéria?

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PROTESTO
Foto: Bring Back our Girls

Natalia da Luz, Por dentro da África

Rio – Com a ideia de criar um Estado islâmico na Nigéria, o grupo terrorista Boko Haram (que significa “educação ocidental é proibida”, na língua hauçá), aumenta a sua lista de ações e vítimas na Nigéria. O sequestro de 276 meninas, há quase um mês, provocou uma campanha mundial de repúdio e perseguição aos terroristas, que expõem, de forma sádica, suas vontades ameaçando inocentes.

– O grupo rejeita a influência ocidental e se apresenta como um movimento que recruta seguidores com menor grau de instrução. Os membros querem alterar a ordem Constitucional estabelecendo a Sharia (lei islâmica) em todo o país, mas não têm o apoio do establishment muçulmano – conta, em entrevista ao Por dentro da África, o professor do Instituto de Relações Internacionais da PUC Rio, Kai Michael Kenkel – ressaltando que o governo nigeriano ainda não se engajou em um verdadeiro diálogo com o grupo.

Foto: Sahara Reporters
Foto: Sahara Reporters

O Boko Haram foi fundado em 2002 por Mohammed Yusuf, um clérigo carismático de Maiduguri, capital do estado de Borno, que declarou a cidade como intoleravelmente corrupta e irremediável. Começava naquele momento um período separatista com princípios islâmicos extremistas.

Yusuf foi morto em uma operação de segurança do Exército nigeriano em 2009, e Abubakar Shekau, que era o braço direito dele, assumiu o comando do Boko Haram (nome atribuído pela população local). A violência em suas ações se tornou mais frequente após 2010 e ainda mais brutal nos últimos meses. Na última semana, o extremista Shekau, que já foi dado como morto pelo governo nigeriano, apareceu em vídeos publicados na internet, assumindo a autoria do sequestro das estudantes em Chibok, no estado de Borno, e ameaçou vender as vítimas como escravas sexuais.

Em vídeo publicado nesta segunda-feira, Shekau informa que as meninas foram convertidas ao islamismo e mostra algumas delas vestidas de hijabs (véu) recitando o Alcorão. No mesmo vídeo, o líder do grupo afirma que planeja usá-las como objeto de troca pelos companheiros presos por autoridades nigerianas.

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O líder Shekau no centro – Foto: Reprodução

O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos condenou a ameaça dizendo que ela pode se constituir num crime contra a humanidade. O sequestro em massa é inédito e aconteceu no mesmo dia de um atentado na capital nigeriana, Abuja. Nesta quinta-feira, o governo nigeriano informou que, provavelmente, as meninas foram separadas por grupos e levadas para fora do país.

Uma pesquisa datada de 2012, do United States Institute of Peace – What is BokoHaram? diz que historiadores da Nigéria, incluindo Murray Last da University College London, apontam que há uma longa história de movimentos heréticos na região do Sahel (área de transição entre o deserto do Saara e as terras mais férteis a sul, que inclui Senegal, Mauritânia, Mali, Burkina Faso, Níger, Chade, Sudão, Etiópia, Eritreia, Dijbuti, Somália e norte da Nigéria). Esses movimentos parecem entrar em erupção em resposta a estímulos políticos ou religiosos e podem desaparecer rapidamente.

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Foto: sunnewsonline

Mas o Boko Haram, de acordo com o relatório, surgiu num momento em que havia dois fatores principais que se combinaram para mantê-lo em “bom estado de funcionamento”. Primeiro, o grupo, provavelmente, recebeu  financiamento a partir de grupos salafistas do exterior, principalmente, da Arábia Saudita, que teriam oferecido apoio nos primeiros anos. Segundo, o grupo encontrou um cenário recheado de  questões nacionais que até hoje atraem insatisfação e ódio como pobreza, desigualdade e corrupção.

Segundo o estudo, Boko Haram não pode ser colocado no mesmo grupo do jihadista Al-Qaeda no Magrebe Islâmico ou o al-Shabab, da Somália. Apesar do ao complexo da ONU em Abuja, em agosto de 2011, o Boko Haram não se concentra em atacar interesses ocidentais. Entre as atividades de sustentação do grupo estão os assaltos aos bancos e às empresas bem-sucedidas com a justificativa de que essa atuação é permitida por sua religião, já que o dinheiro é considerado “espólios da guerra”.

Recrutamento

Foto: Bring Back our Girls

Notoriamente, a atuação dos terroristas é mais intensa em regiões economicamente deprimidas (o país tem 70% de sua população vivendo com apenas 1 dólar por dia) e possui um trabalho de persuasão de que “o melhor caminho para combater o sistema de governo corrupto seria a aplicação rigorosa da Sharia“.

O norte da Nigéria possui uma das mais altas taxas de mortalidade infantil e mortalidade materna de todo o mundo. De acordo com artigo de fevereiro passado do United States Institute of Peace (What is behind latest Nigerian attacks by Boko Haram), as principais razões de os jovens se aliarem ao Boko Haram são: desemprego, pobreza, manipulação por líderes religiosos extremistas e falta de consciência dos autênticos ensinamentos do Islã.

– Além desses fatores, uma coisa que não devemos esquecer é que, no norte da Nigéria, existe também uma tensão com base econômica. O norte vê muito pouco dinheiro do petróleo, que está concentrado no sul. Também existe um processo de desertificação, então, as pessoas fogem para o sul, o que acaba provocando conflitos comunitários – destaca Kai, especialista em operações de paz e PhD em Relações Internacionais pelo Graduate Institute (IHEID), em Genebra.

Talibã da Nigéria

Bring Back our GirlsAtentados com bombas e sequestros são armas de terroristas em diferentes partes do mundo, mas qual seria a estratégia do “Boko Haram”, considerado pelos próprios nigerianos, como o “Talibã da Nigéria”?

– O Boko Haram age para desestabilizar o Estado. O terrorismo não é uma prática concreta, exata que segue sempre o mesmo método. Ele tenta alcançar o seu objetivo indiretamente através de ataques à população. Medo e terror serve aos movimentos terroristas – ressalta o especialista, lembrando que, atualmente, outras regiões africanas são igualmente delicadas como o Mali e a Somália.

De acordo com o relatório de 2014 Leadership Analysis of Boko Haram do Combating Terrorism Center, Yusuf (fundador do grupo) seria um admirador do Talibã, de Osama Bin Laden e da Al Qaeda.

Embora a maioria dos ataques seja na Nigéria, há indícios de que os líderes do Boko Haram tenham conexões com outros grupos islâmicos africanos, como a Al-Qaeda no Magrebe Islâmico (AQMI), o Al Shabaab e o Movimento para a Unidade e Jihad na África Ocidental (MUJAO).

Veja mais: Terrorismo: uma ameaça que ronda a Áfric

Além das fronteiras

nigeria_boko_haram_control_mapCom mais de 160 milhões de habitantes, a maior população da África e a sétima do mundo, a Nigéria é habitada por mais de 250 grupos étnicos (os três maiores são hauçás, igbos e iorubás). A referência religiosa é um dos componentes  da tensão entre os grupos cristão (predominante no sul) e muçulmano (predominante no norte). Uma minoria é praticante das religiões tradicionais africanas.

Nos últimos anos, o Boko Haram aumentou consideravelmente suas ações terroristas, assumindo a responsabilidade de ataques a igrejas, universidades e escolas, no norte do país. De acordo com dados da Human Rights Watch, nos últimos cinco anos, as ações do grupo mataram cerca de três mil pessoas. Há suspeitas de que os membros do grupo teriam sido treinados pela AQMI (Al-Qaeda no Magrebe Islâmico) no norte do Mali, entre 2012 e 2013.

Além disso, acredita-se que o Boko Haram esteja presente no Níger, Chade e Camarões, países que serviriam de base para o grupo. Para Kai, essa fronteira geográfica é facilmente ultrapassada, porque o alcance do controle territorial dos Estados na região é bem diferente daquele preconizado pela ideia de Estado soberano.

– Vários desses movimentos não se restringem às fronteiras dos Estados soberanos, porque querem outra forma de organização política. Eles defendem um outro sistema, então, ultrapassam as fronteiras dos Estados westfalianos, tornando-se movimentos transnacionais. Possivelmente, o grupo tem ligação com o Mali, Afeganistão, com o Al-Shabab na Somália. Neste momento, o maior apoio à expansão do terrorismo na África talvez seja o dinheiro da Arábia Saudita, vindo dos petrodólares – supõe o professor Kai.

Mulheres e educação

Foto: Bring Back our Girls

No país da primeira economia da África, com um PIB de cerca de 500 bilhões de dólares, a participação das mulheres na sociedade incomoda os extremistas. Para eles, as mulheres não devem ir às escolas, aprender a ler e escrever. Suas atividades devem estar limitadas a cuidar da casa, dos maridos e dos filhos.

Baseados nessa repulsa de igualdade de gênero, em março de 2012, cerca de 12 escolas da região de Maiduguri foram incendiadas, forçando mais de 10 mil crianças a ficarem longe das aulas.

Em entrevista à CNN, a jovem ativista paquistanesa Malala Yousafzai, que se tornou conhecida por defender o direito das meninas de frequentar a escola, disse que o grupo terrorista “não entende o Islã”.

Malala - ONU
Malala – ONU

– Acho que eles não estudaram o Alcorão. Eles deveriam aprender o que é o Islã. A religião diz que é dever buscar a educação, que você deve buscar o conhecimento e ser gentil com os outros. E esses extremistas negam isso – , acrescentou a jovem de 16 anos que, em outubro de 2012, foi baleada na cabeça por militantes do Talibã, em retaliação ao seu engajamento.

Ajuda internacional

Mais uma vez, o presidente nigeriano Goodluck Jonathan (que só se pronunciou sobre o sequestro – do dia 14 de abril – na semana passada) pede ajuda de fora, principalmente, dos Estados Unidos e do Reino Unido, para tentar combater as atividades do Boko Haram.

O sequestro das estudantes destacou a deficiência das Forças Armadas, apesar do estado de emergência declarado há um ano pelo presidente os estados de Borno, Yobe e Adamawa. A polícia da Nigéria ofereceu 50 milhões de nairas (300 mil dólares) como recompensa a quem puder dar informações que levem ao resgate.

Os Estados Unidos, França e Inglaterra se comprometeram a enviar equipes especiais para o país, e a China a ajudar com informação adquirida com seus satélites ou serviços de inteligência.

Foto: Sahara Reporters

Na semana passada, o primeiro-ministro britânico David Cameron disse que essa não é uma questão nigeriana, mas uma questão global, já que  os extremistas são contra o progresso, contra a igualdade de direitos.

– Conflitos como esse mostram que precisamos tratar o Sahel como uma totalidade. Os Estados daquela região estão passando pelos mesmos problemas: desertificação, fragilidade política e movimentos terroristas. Crescentemente, vemos a presença mais ou menos clandestina das Forças Armadas norte-americanas. Nos últimos anos, a relação dos Estados Unidos com esses países vem se militarizando em nome do combate ao terrorismo – completou Kai.

Por dentro da África