Música: Grupo de prisioneiros do Malawi é indicado ao Grammy

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Zomba Project - Foto - Marilena Delli
Zomba Project – Foto – Marilena Delli

Natalia da Luz, Por dentro da África

Rio – Num lugar de liberdade cerceada, a música não se curva, ela se manifesta, atravessa os muros de uma prisão do Malawi e ganha o mundo. Essa conquista faz parte da história de um grupo de músicos que se encontram presos e que é indicado ao Grammy deste ano pelo álbum “I have no everything here” (Eu não tenho tudo aqui).

– A nomeação tem sido uma fonte de orgulho e alegria. Essa é a primeira indicação para o Malawi na história dos 58 anos de Grammy. Mais de 80% dos países africanos continuam sem indicações – contou em entrevista exclusiva ao Por dentro da África o produtor musical do Zomba Prison Project, Ian Brennan.

Zomba Project - Foto - Marilena Delli
Zomba Project – Foto – Marilena Delli

Localizada na capital Lilongwe, a prisão Zomba foi projetada para receber 340 pessoas, mas hoje abriga mais de 2 mil prisioneiros acusados ou apenas suspeitos de diferentes crimes. O acesso ao projeto só seria permitido caso Brennan oferecesse uma série de aulas sobre prevenção da violência, e ele topou!

– Ficamos lá por quase duas semanas para produzir tudo. Os homens têm uma banda já estabelecida com tambores e guitarras elétricas. As mulheres não, mas usam baldes como bateria! Elas contribuíram com mais da metade das músicas, enquanto os prisioneiros escreviam as canções. Encorajamos as pessoas, que normalmente não escreviam música, e essas foram algumas das melhores canções – lembrou o produtor sobre o álbum lançado em janeiro de 2014.

Zomba Project - Foto - Marilena Delli
Zomba Project – Foto – Marilena Delli

Perguntei a Ian, que vive hoje nos Estados Unidos, como os instrumentos foram parar em Zomba, e ele disse que a prisão havia recebido uma doação de algumas fundações que trabalham com projetos relacionados à conscientização sobre HIV. Em programas como esse, muitos dos músicos tentam ajudar a espalhar informações sobre a doença que faz muitas vítimas no Malawi. O país tem a nona maior taxa de HIV na África Subsaariana, de acordo com estimativas da UNAIDS. Mais de 40% das novas infecções estão entre jovens de 10 a 19 anos.

mala-MMAP-mdCom mais de 16 milhões de habitantes, Malawi faz fronteira com Tanzânia, Moçambique e Zâmbia. Desde a independência do Reino Unido, em 1964, o país é uma república presidencial multipartidária e democracia representativa. O primeiro contato com o mundo europeu foi registrado a partir da chegada de David Livingstoneno lago Malawi (lago Niassa), em 1859, antes das missões da igreja presbiteriana escocesa. David foi um missionário e explorador britânico que ficou famoso por ter sido um dos primeiros europeus a explorarem o interior da África.

Saiba mais: Malawi: Documentário fala sobre a cultura do país chamado de “coração quente” da África 

Em 1953, o governo britânico criou a Federação da Rodésia e Niassalândia, ou Federação Centro-Africana, onde hoje estão Malawi, Zâmbia e Zimbábue. Em 1962, o governo britânico concordou em conceder à Niassalândia autonomia, acabando com a federação no ano seguinte, mas apenas em 1964 o país se tornou independente.

Grammy

O trabalho que concorre ao Grammy 2016 de melhor álbum na próxima segunda-feira (15/02), junto com artistas como Gilberto Gil, Anjelique Kidjo, Anoushka Shankar e Ladysmith Black Manbazo tem 20 músicas (duas gravadas em chichewa – uma das línguas locais e 18 em inglês). Para esse projeto, que contou com a participação de cerca de 60 pessoas dos 22 aos 70 anos, Ian recebeu apoio da Prison Fellowship.

O Grammy é o maior e mais prestigioso prêmio da indústria musical mundial. As categorias são recomendadas, votadas e escolhidas a partir de um processo complexo entre os membros da National Academy of Recording Arts and Sciences. Formulários com questionários são enviados aos membros associados meses antes da cerimônia do prêmio. Eles respondem aos questionários relativos a certas categorias somente quanto a quem mereceria ser considerado para a votação nestas categorias.

Música na prisão e descoberta do grupo

Zomba Project - Foto - Marilena Delli
Zomba Project – Foto – Marilena Delli

O sistema prisional do Malawi tem 23 estações de prisão. Construída em 1935, Zomba é a única prisão de segurança máxima no país. O sistema prisional remonta aos tempos coloniais, quando Malawi foi dividido em duas regiões: Província do Sul e Província do Norte.

No verão de 2013, Ian Brennan e a esposa, a fotógrafa e cineasta Marilena Delli, viajaram para o sul do Malawi para documentar e registrar a música de prisioneiros. Antes disso, eles já haviam viajado para Ruanda, Sudão do Sul, Palestina, Quênia e Argélia para produzir vários álbuns.

Zomba Project - Foto - Marilena Delli
Zomba Project – Foto – Marilena Delli

Em zonas consideradas delicadas e conflituosas, eles produziram “War is a Wound, Peace is Scar” (de Hanoi Masters) com os veteranos e sobreviventes da guerra no Vietnã. Ian, que já teve quatro produções indicadas ao Grammy, também produziu “Canções de Sobrevivência”, o primeiro álbum solo oficial de Bob Forrest (Thelonious monstro, Celebrity Rehab).

Além dos artistas do Malawi, como Acholi Machon, e Malawi Mouse Boys, Ian descobriu e produziu músicos de Ruanda (The Good Ones) e do Sudão do Sul (Wayo: Trance Percussion Masters). Muitos são os primeiros lançamentos internacionalmente fora de seus respectivos países. No álbum do Zomba, por exemplo, as canções falam sobre AIDS, a preocupação com os filhos e como lidar com a solidão e com o perdão.

A indicação ao Grammy nesta segunda-feira é uma vitória não apenas para o grupo de 16 artistas, não apenas para os que trabalharam e acreditaram no projeto; Ela é, também, uma oportunidade para refletir sobre oportunidades, ensejos, sonhos, justiça. Ela é um exemplo de que é possível contagiar o mundo com esperança, mesmo onde a liberdade é encurralada.

Zomba Project - Foto - Marilena Delli
Zomba Project – Foto – Marilena Delli

– Em Zomba, os crimes vão desde o roubo ao duplo homicídio, mas algumas pessoas são inocentes e estão apenas à espera de fiança ou recursos. Alguns são mantidos acusados de bruxaria e homossexualidade (que continua a ser um crime punível no Malawi). Esse trabalho chama a atenção para a consciência, para a solidariedade. Temos sido capazes de ajudar alguns dos prisioneiros a obterem justiça e gostaríamos de fazer mais por eles e de inspirar projetos como esse – disse Ian.