Pedalando para o futuro: o poder transformador das bicicletas adaptadas em comunidades africanas

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Natalia da Luz – Por dentro da África

Um exemplar do Bike4School em Kisumu - Quênia - Coop-AfricaRio – Em muitas comunidades africanas, a bicicleta é utilizada não apenas como meio de transporte, mas como ferramenta para o desenvolvimento social e econômico. “Pedalando para fora da Pobreza” é o nome inspirador de um projeto implantado em regiões de Uganda, Rwanda, Burkina Faso e Quênia, onde as  bicicletas são transformadas em ambulâncias, em reboques, em veículos de apoio para a vida de muitas pessoas.

– Os programas tratam  de um meio acessível e sustentável de transporte. Ter acesso a uma bicicleta aumenta a renda disponível de uma família. Não só porque ela economiza em outros meios de transporte, mas também porque ela pode gerar mais renda – contou em entrevista exclusiva ao Por dentro da África, Luuk Eickmans, fundador da CooP-Africa (Cycling out of Poverty Foundation), que após cursar Economia e Marketing dedicou-se a administrar centros de saúde e esporte na Holanda e agora na África.

Luuk com sua equipe em Kisumu, Quênia - Coop-Africa

Vivendo em Kisumu, Quênia, desde 2009, ele tomou ciência dessa ferramenta para a realidade africana. A consciência de que a bicicleta é importante para a mobilidade existe desde a infância, já que, como holandês, ele cresceu entre as bicicletas que se multiplicam pela capital Amsterdã e cidades vizinhas. Mas o impacto na vida dos africanos foi uma surpresa reveladora para ele, que acaba de se mudar para Jinja, Uganda.

Orgulhoso do projeto, Luuk explica que o programa reúne três formas de intervenções: Bike4Work (bicicleta para o trabalho) com foco em empreendedores; Bike4care (bicicleta para a saúde) dedicada aos profissionais de saúde e Bike4School (bicicleta para a escola), que atende estudantes e professores. Segundo o fundador da organização, os  projetos atendem às necessidades de cada comunidade. A adaptação das bicicletas para o mercado africano é feita pelo Design Africano de Bicicleta, que estabelece o modelo de acordo com características da comunidade e finalidade da bicicleta.

Adaptações das bicicletas na Coop-Africa
– Nós trabalhamos com unidades que estejam disponíveis e que possam ser reparadas na comunidade. No início, costumávamos usar bicicletas chinesas e indianas. Embora essas bicicletas fossem muito baratas, a qualidade não era boa. Agora, trabalhamos com bicicletas projetadas especialmente para o programa. Elas são feitas na China, mas podem ser reparadas em todos os locais, com peças de reposição disponíveis – detalhou Luuk, completando que as modificações feitas em solo africano incrementam a estrutura transformando a “bike” em ambulâncias, por exemplo.

Cuidando da saúde 

Além das bicicletas usadas pelos profissionais de saúde, o programa utiliza trailers que atendem casos mais graves.

– Quando uma mulher está prestes a dar à luz, por exemplo, ela pode ser levada para um hospital onde terá atendimento mais apropriado. Sem isso, o bebê nasceria em casa oferecendo riscos a ele e à  mãe. Muitas mulheres têm seus filhos na estrada, enquanto caminham até o hospital. O trailer é uma solução muito eficiente, que ajuda a salvar muitas vidas.

Um exemplar do Bike4Care em Kisumu - Quênia - Coop-AfricaSegundo relatório da ONU do ano passado, na África Subsaariana, uma mulher tem uma em 39 chances de morrer durante a gravidez ou devido às complicações no parto. De acordo com a pesquisa, o número de mulheres que morrem na gravidez e durante o parto caiu pela metade nos últimos 20 anos, mas ainda permanecem altos os índices de mortalidade materna no continente africano. De acordo com os números de 2010, as taxas mais altas de mortalidade materna são na República Democrática do Congo, Paquistão, Sudão, Indonésia e Etiópia.

Entusiasmado pelos resultados positivos que se multiplicam com o uso da bicicleta, Luuk lembra que há diferentes organizações parceiras unidas à Rede da Bicicleta Africana e que essa troca é uma forma de aproveitar o conhecimento e de aprender com experiências do outro.

Envolvimento Social 

Um exemplar do Bike4Work em Kisumu - Quênia - Coop-AfricaO programa que existe desde 2006 atinge cerca de 500 comunidades onde vivem aproximadamente um milhão de pessoas. A bicicleta contribui na maneira de a sociedade se organizar, de se ajudar, de aprimorar as tarefas, principalmente quando as longas estradas são o caminho diário de milhões de africanos.

Como o programa funciona de maneira a beneficiar diferentes agentes da sociedade, as bicicletas para o trabalho são dadas em um sistema de empréstimo, em condições favoráveis para os africanos. Mediante o pagamento de uma espécie de  “caução”,  os comerciantes recebem o seu “veículo” e pagam o saldo restante em muitas parcelas.

– Nos quatro países, mais de 1500 bicicletas foram destinadas ao Bike4Work, 800 ao Bike4Care e 100 ao Bike4School. Essas famílias viram o seu rendimento disponível crescer, em média, 35%. Mais de 80 mil famílias passaram a ter acesso a cuidados básicos de saúde através de agentes comunitários de saúde, e centenas de alunos viram o seu acesso melhorar por conta da bicicleta.

Uganda, Quênia e Rwanda, três dos quatro países onde o projeto funciona - Divulgação O holandês que viu na bicicleta a ferramenta para a sua missão na África conta que os profissionais de saúde pagam uma parte do valor em parcelas, enquanto o restante é reembolsado através do voluntariado como as visitas domiciliares. Já os estudantes, pagam em muitas parcelas, e o saldo restante é concedido diante do bom desempenho na sala de aula. Os doadores podem adotar uma bicicleta doando anualmente 180 euros (cerca de R$470,00).

– A comunidade utiliza a bicicleta de muitas maneiras: os alunos, para irem à escola; os profissionais de saúde, para visitas domiciliares; os empresários, para o seu trabalho. A maioria dos comerciantes que fazem parte do projeto é de agricultores. Assim, a bicicleta tem sido usada, principalmente, para transportar o que eles plantam, colhem e vendem no mercado – exemplifica o fundador do programa, que já recebeu diversos prêmios por conta de sua iniciativa como o Vodafone World of Difference Competition, na Holanda.

Um exemplar do Bike4Work em Kimusu, Quênia - Coop-AfricaAs utilidades que uma bicicleta assume na África são muitas porque, em comunidades rurais, ela dificilmente fica parada, estacionada. Quando não é usada para o trabalho, é utilizada para tarefas domésticas, como buscar água ou levar um membro da família para o hospital. Independentemente da finalidade, elas percorrem estradas que levam as comunidades para o futuro.

– A nossa ambição é aumentar o acesso às bicicletas para aqueles que podem melhorar o seu modo de vida. Vamos começar a captação de recursos por meio de nosso sistema bicicleta-adoção, onde indivíduos e empresas podem adotar uma bicicleta e serem informados sobre o impacto dessa ação para a vida das pessoas.

Conheça mais sobre o programa no vídeo abaixo:

Por dentro da África